Opinião
Sobre o anti-racismo
Voltando à questão do racismo e do anti-racismo, o camarada JC, correspondente na Margem Sul, parte do 5.º ponto da Tese sobre a Questão Negra, – “A questão negra tornou-se parte integrante da revolução mundial” − aprovada no 4.º Congresso da Internacional Comunista (III Internacional), para desconstruir e denunciar o discurso de uma chamada esquerda, reformista, oportunista e revisionista, e o sector da pequena burguesia, especial defensora dos direitos democráticos burgueses, onde cabem as questões identitárias "fracturantes" (o próprio termo diz tudo..., ou seja, apresenta-se a questão não como uma questão de classe, mas como uma problemática que divide os partidos que, por sua vez, representam os interesses das diversas classes e fracções de classe), e que não só escamoteia deliberadamente a luta de classes como defende a recauchutagem do capitalismo como a solução para a situação da classe operária.
Nesta perspectiva, acabam por colaborar no inculcar de racismo no seio da classe operária, principalmente como elemento de concorrência e divisão que funciona como uma cunha burguesa que visa quebrar a unidade da classe operária, cunha essa que é absolutamente necessário destruir.
Sobre o anti-racismo
“A questão negra tornou-se parte integrante da revolução mundial”
Tese Sobre a Questão Negra
4º Congresso da Internacional Comunista
Na linha do espírito de livre debate político comunista, própria do centralismo democrático, que se vive intensamente no órgão central do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – jornal Luta Popular – a redacção decidiu acrescentar uma breve nota ao texto da minha autoria, ali publicado a 28.06.20, com o título O significado da manifestação do Chega!.
A referida nota é de vital importância, na medida em que lança o mote para o aprofundar da discussão acerca da controvérsia em torno do racismo, que tem feito correr muita tinta, ultimamente.
A crítica do anti-racismo liberal em particular e das políticas identitárias em geral, é tarefa dos comunistas, que devem incessantemente denunciar o seu carácter de classe, pequeno-burguês.
De acordo com a leitura dos anti-racistas liberais, que, em Portugal, estão sobretudo, mas não só, ligados ao partido social-democrata BE, o racismo estrutural seria produto da precariedade das políticas de combate à desigualdade social e de insuficientes medidas de paliação da discriminação racial, no âmbito das instituições do Estado burguês. Assim, tratar-se-ia de um fenómeno da esfera superestrutural, cultural e institucional, que só poderia ser mitigado através do reforço do combate à pobreza, ou seja, de medidas reformistas de gestão das desigualdades económicas, geradas pela mecânica do processo de acumulação capitalista, e de campanhas de “sensibilização” dos portugueses, relativamente ao racismo.
Esta análise ignora o papel desempenhado pelo racismo na esfera infraestrutural, das relações de produção e na luta de classes, no nosso contexto. Os trabalhadores pobres racializados, principalmente os imigrantes e afrodescendentes, estão sobre-representados de forma acentuada nos sectores económicos que têm sido motor do crescimento do PIB, que antecedeu a crise gerada pela covid-19, nomeadamente o sector da construção civil, intimamente ligado à especulação imobiliária, da restauração e hotelaria, fundamentais para o turismo, e da agricultura. É também nestes sectores que a precariedade, a insegurança no trabalho, as condições insalubres de laboração e habitação, são regra, assim como o atropelo sistemático e violento à própria legalidade burguesa. O racismo estrutural não é, pois, mera consequência do descaso do Estado relativamente à pobreza, nem de uma herança cultural colonial, mas antes um instrumento fundamental de reprodução da divisão racial do trabalho, no quadro do território nacional, ou seja, um processo social de colonização interna de determinadas fracções de classe. Este mecanismo social actua em benefício de todas as classes que retiram partido do crescimento económico, acolitado nos referidos ramos da economia, designadamente a grande e média burguesia, assim como amplos sectores pequeno-burgueses. Trata-se de um dispositivo histórico de reprodução de relações sociais de exploração, que remonta à Antiguidade Clássica e, portanto, ao modo de produção esclavagista.
Desta forma, racistas não são apenas aqueles que se constituem como vanguarda política da pequena burguesia reacionária, com os seus projectos liberal-fascistas, mas também todos aqueles que, mesmo de forma involuntária, contribuem para a reprodução do racismo (infra)estrutural, ao não levarem até às últimas consequências a análise do fenómeno, à luz do método materialista dialético desenvolvido por Karl Marx, não vertendo, por isso, estas conclusões, na táctica.
Como materialistas práticos, ou seja, como comunistas, atacamos esta relação social de opressão pela raiz, apoiando concretamente as lutas dos trabalhadores pobres racializados e imigrantes, em torno dos seus interesses, reconhecendo o seu carácter de classe, proletário e, por isso, objectivamente revolucionário.
02Jun2020
Correspondente na Margem Sul, JC