Opinião
A Repetição da Votação no Círculo da Europa - A Farsa Continua
A Repetição da Votação no Círculo da Europa
A Farsa Continua
Desde o primeiro dia em que se perspectivaram as eleições antecipadas de 30 de Janeiro, que o PCTP/MRPP as considerou uma das maiores farsas eleitorais da democracia burguesa. Hoje confirma-se objectivamente esta afirmação.
A contagem dos votos dos círculos da Europa e Fora da Europa, aplicando-se critérios diferentes, que já não serão alterados, apenas rasgou, pelo descrédito, o véu do “vale tudo”.
A afirmação do camarada Arnaldo Matos, no artigo, de 2015, Os Ladrões de Quatrocentos mil Votos, “O que se está a passar não é apenas um roubo sistemático do trabalho, dos salários, das pensões, do emprego, da saúde, da educação e da cultura; é também um roubo sistemático da liberdade, da democracia, dos direitos civis, humanos e políticos.”(negrito nosso) — continua bem actual, e traduz o desprezo que o Estado tem por aqueles que obrigou a sair do país.
Os ecos da sucessão de notícias terão chegado a todos. Primeiro, a apologia de que os emigrantes tinham votado mais do que nunca (o número de recenseados aumentou substancialmente); depois, que o PPD/PSD acusava as mesas de voto de misturarem certos votos nulos com os votos válidos; de seguida, que haviam sido anulados perto de 154 000 votos no círculo da Europa, grande parte deles válidos e, finalmente, como os votos válidos não podiam ser anulados e como não era possível distingui-los dos nulos, as eleições na Europa, por decisão do Tribunal Constitucional de 15 de Fevereiro, iriam ser repetidas nas 139 mesas, das cerca de 200 que funcionaram, e onde os votos nulos e válidos tinham sido misturados.
Portanto, não podendo ser anulados pela razão apresentada de não se distinguirem dos nulos, são anulados na mesma, função da repetição da votação! A decisão é comunicada à CNE, mas esta ou não leu bem a acórdão ou leu-o mas achou que era trabalho a mais e resolveu anular todos os restantes votos válidos, cerca de 38 000, convocando a repetição das eleições não apenas para os cidadãos inscritos nas assembleias de voto em que houve mistura de votos, mas para todos os inscritos no círculo eleitoral da Europa! Pelo meio, uma reafirmada certeza do presidente da República de que iria dar posse ao governo dia 23 de Fevereiro e o consequente desdito, substituído pelo chavão “Está decidido. É a democracia a funcionar. Isto é uma lição para os partidos!" Não podemos deixar de perguntar: O presidente não tem mais nada a dizer sobre o funcionamento das instituições pelo qual é responsável?
Esmiuçando mais a coisa…
Veio a lume a acta em que se referia que a decisão de considerar válidos os votos não acompanhados por fotocópia do CC ou do BI fora dos representantes dos partidos presentes na reunião de designação dos membros das mesas da “Assembleia de Recolha e Contagem dos Votos dos Residentes no Estrangeiro” (IL, PPD/PSD, A, BE, L, VP, CDU e PS), portanto referentes tanto à votação no Círculo da Europa como no Círculo Fora da Europa. E todos aplicaram essa “decisão”, tanto nas mesas da Europa como nas mesas de Fora da Europa e o MAI (Ministério da Administração Interna), responsável pela organização do processo de voto por correspondência dos eleitores no estrangeiro, publicou os resultados obtidos dessa forma.
O processo de votação dos emigrantes compreende duas vias: o voto por correspondência e o voto presencial. A opção pelo voto presencial é originalmente feita pelo emigrante quando se inscreve no consulado. A opção do voto por correspondência é automática, isto é, se o emigrante não disser que quer votar presencialmente, enviam-lhe o boletim de voto e os envelopes com portes de envio pré-pagos para a morada que indicou quando actualizou o cartão de cidadão (trata-se do recenseamento automático pela alteração à lei eleitoral de 2018). Se antigamente um emigrante legalizado tinha que se ir inscrever no consulado para este “saber” que ele estava emigrado ali e poder votar, hoje o processo é automático e o emigrante, para ser emigrante legal, precisa de actualizar o cartão de cidadão com a sua residência no estrangeiro, o que o inscreve automaticamente no consulado correspondente. É nesse momento que a tal opção de voto presencial é feita e, se não for, passa a ser votante por correspondência.
Então, assim temos os emigrantes ou a serem obrigados a ir votar ao consulado, o que, como se viu, também não é fácil, ou a receberem os boletins de voto em casa. Ou não!
Efectivamente, depois de legalizado, pode acontecer que o emigrante mude de morada, mas dada a burocracia e as dificuldades, só se surgir algum problema que precise da intervenção do Consulado é que o emigrante se vê na necessidade de a mudar no CC. Sem a nova morada no CC, o Estado continuará a enviar-lhe o boletim de voto e os envelopes para a morada em que estava inscrito inicialmente, mesmo que ele prove que já está noutra morada. Em consequência, não faltarão casos em que dezenas de votos são recebidos numa dada morada se por lá passaram sucessivamente dezenas de emigrantes em processo legalização e que, quando mudaram de morada, não actualizaram o CC. O que acontece, de facto, é que há centenas de milhar de emigrantes legais que não podem votar, porque não têm acesso aos seus boletins de voto e igual número de boletins de voto prontos a serem usados da forma mais fácil de fraude física eleitoral. Convém aqui dizer que a fraude eleitoral real vai muito para além desta fraude física: é as promessas vãs dos partidos que ganham.
A verdade é que nem a CNE, nem o MAI, nem os partidos representados na AR fizeram fosse o que fosse para que os emigrantes exercessem o seu direito de voto com transparência e segurança, impedindo fraudes e chapeladas eleitorais. A responsabilidade destas fraudes só a eles cabe.
E o Estado burguês sabe isso muito bem. “Sério” como é, só quer fraudes bem feitas: só se quem tiver acesso (o titular ou outro) à morada onde são recebidos os boletins de voto de emigrantes que já não moram lá tiver pedido ou exigido e guardado uma fotocópia do CC ou do BI a esses emigrantes é que pode votar na vez deles.
Portanto, para “evitar” fraudes e criar uma equivalência ao voto presencial onde é preciso, mas não obrigatório, a apresentação de um documento de identificação com fotografia, dispôs na lei que só são válidos votos por correspondência quando acompanhados de fotocópia do cartão de cidadão ou do bilhete de identidade. Evita as fraudes deste tipo? Já vimos que não! Mas descarrega em cima do eleitor a desconfiança de que o seu voto não é secreto. Não faltaram certamente eleitores a enviarem o seu voto sem a dita fotocópia, temendo justamente retaliações pela sua escolha política. “Portugal tem um Estado que não retalia sobre quem expressa opiniões políticas contrárias ao capitalismo”, é falso! Mas, mesmo que fosse verdade, era incapaz de garantir que a informação não caísse nas mãos de quem retaliasse.
Falta acrescentar um outro elemento: os valores da subvenção do Estado aos partidos para a campanha eleitoral não mudam (só são distribuídos pelos que elegem deputados), mas os da subvenção anual (só para os que têm mais de 50 000 votos) mudam em função do número de votos válidos.
Pode-se repetir eleições, mas o processo já está todo inquinado. O descrédito do processo, a falta de respeito pelos emigrantes, o conhecimento prévio de, praticamente, o resultado final são factores que se conjugam para desvirtuar ainda mais esse resultado.
Enfim, todos estes incidentes se organizam para desencadear o clima propício para as mudanças eleitorais que pretendem fazer.
Com tanta transição digital, pergunta-se porque não se implementa os cadernos eleitorais informatizados, voto com cartão electrónico, votação em dia útil e contagem informática de resultados, como, aliás já foi proposto há anos também pelo camarada Arnaldo Matos?
É este o quadro no qual as coisas aconteceram.
Os comentaristas de serviço ao caso têm vindo a falar, a este propósito, de valores democráticos.
Valores democráticos uma ova! Uma palhaçada, isso sim!