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PAÍS

O Manifesto dos Setenta

1. Agora que foi integralmente publicado o texto do manifesto para a reestruturação da dívida, cumpre precisar que o número dos tartufos que o subscreveram é de setenta e cinco e não de setenta, como fora antecipadamente anunciado na comunicação social e disso aqui se fizera eco o Luta Popular. Mais cinco ou menos cinco, nada altera a substância ou o significado político do documento, que agora se examinará mais de espaço, começando por uma breves palavras sobre o fácies político de alguns dos seus subscritores.

E a primeira palavra é para sublinhar o facto de que, muito embora não tivesse sido previamente denunciado, o hipócrita número setenta e cinco e último da lista – o Dr. Victor Ramalho – é o único soarista entre todos os assinantes do documento.

Ora, toda a gente sabe que o Dr. Mário Soares nunca propôs nem a linha geral nem as medidas políticas avançadas neste manifesto para a reestruturação da dívida, tendo aliás, e por mais do que uma vez, tanto nos discursos proferidos nas notáveis assembleias unitárias da Reitoria, como nas múltiplas e frequentes intervenções políticas na imprensa falada e escrita, sempre chamado a atenção para a impossibilidade de pagar a dívida – Não pagamos!, escreveu ele num dos seus artigos no Diário de Notícias – impagabilidade que, em última análise, se ficou unicamente a dever à suicidária ajuda da Tróica e à traição do presidente Cavaco e do seu governo de direita.

O soarista Vítor Ramalho tem a estrita obrigação de saber que o seu tutor nunca mendigou à Tróica nenhum haircut (corte de cabelo ou perdão parcial) da dívida, e que aquilo que sempre tem exigido é a imediata demissão do próprio Cavaco e do seu governo, com a eleição imediata de um governo democrático e patriótico (a expressão foi usada pelo Dr. Soares), que tome a direcção do País e o arranque das garras da Tróica, dos seus credores e da ditadura da dívida.

Os abaixo-assinados subscritos, entre outros, pelo Dr. Soares e pelo soarista Victor Ramalho e enviados à Assembleia da República no ano transacto são totalmente diferentes e estão os dois à esquerda deste mendicante manifesto sobre a reestruturação da dívida.

Claro está que não vai aqui perder-se tempo com o exame da personalidade política dos tartufos que subscreveram o manifesto dos setenta e cinco, mas convirá lembrar, mesmo que só de passagem, que entre eles se contam uns pândegos como o marcelista, depois socialista, Engº João Cravinho, redactor do manifesto em apreço, e que foi o ministro de Guterres que mais endividou o País, com o lançamento das ruinosas primeiras parcerias público-privadas (PPP) e com a execução dos igualmente ruinosos projectos do comboio pendular Lisboa-Porto, do comboio na ponte sobre o Tejo e das auto-estradas ditas sem custos para os utilizadores (as famigeradas SCUTs), tudo manigâncias de engenharia económico-financeira que liquidariam a curto prazo todo e qualquer equilíbrio orçamental e que criaram uma dívida que nos está hoje a custar os olhos da cara e irá também custar os olhos da cara aos nossos filhos, netos, bisnetos e tetranetos. Ou filisteus como o salazarista-marcelista-eanista-socialista Dr. Silva Lopes, ministro das finanças responsável pelo primeiro governo de bancarrota depois do 25 de Abril e pela vinda da primeira Tróica.

Tudo gente que, como se vê, é capaz de tudo, menos de ter vergonha na cara.


2.
Tal não significa, porém, que os subscritores do manifesto sobre a reestruturação da dívida pública não tenham o direito de livre e publicamente se exprimirem, conforme entenderem, sobre a matéria em apreço.

A dívida é, de momento, o mais grave e importante problema nacional. A política de traição nacional do governo Coelho/Portas e do presidente Cavaco é uma política que, em nome de um pretenso dever sacrossanto de honrar escrupulosamente o pagamento das dívidas aos credores, pôs em marcha, como em 1926, um movimento contra-revolucionário destinado a liquidar a democracia, a impor uma ditadura de tipo fascista, o roubo aos operários e a todos os trabalhadores do trabalho, dos salários, do descanso, das reformas e das pensões.

O povo português tem o estrito dever de tomar consciência da contra-revolução que está em curso e de, erguendo-se como um só homem, derrubar, por todos os meios ao seu alcance, sem excluir a força, o presidente da República e o governo de traição nacional Coelho/Portas, substituindo-o por um governo democrático e patriótico que repudie imediatamente o pagamento da dívida pública, decida da imediata saída do euro e reassuma imediatamente toda a soberania política, económica, financeira, monetária e cambial perdidas mediante tratados assinados, sem consulta popular, por governos de traidores.

Com efeito, o tartufo de Belém – leia-se Cavaco Silva – tem vindo, sobretudo nos últimos dois anos, a convocar reuniões, designadamente do Conselho de Estado, para ser discutida a política a aplicar no que ele próprio apelida de período post-Tróica.

Sempre que abre a boca, Cavaco não perde a oportunidade de, no meio dos disparates que profere, chamar a atenção dos partidos ditos do arco-do-poder para discutirem e estabelecerem um consenso para os tempos posteriores à saída da Tróica, prevista para Maio deste ano.

No prefácio do seu livro Roteiros, Cavaco discute consigo mesmo (não se diga que discute com os seus leitores, porque, afora o signatário deste texto, duvida-se que mais alguém o leia) aquilo que acha que mais ninguém pode discutir, nem sequer os membros da sua casa civil e militar.

Na verdade, no prefácio do seu oitavo volume dos Roteiros, dado a conhecer no passado fim-de-semana, Cavaco calculava que, mesmo quando Portugal conseguisse todos os anos um excedente primário de 3% [num cenário de crescimento anual do PIB nominal de 4% e com juros da dívida de 4%] só em 2035 – - daqui a 21 anos! - é que o País conseguiria alcançar o rácio de 64% da dívida em relação ao PIB, imposto pelo tratado de Maastricht.

Ora, como nunca houve, à face da Terra, nenhum país que, ao ano, continuamente e durante 21 anos, tivesse um excedente primário de 3% do PIB, segue-se que, mesmo para um indivíduo um bocado chapado como o Cavaco de Boliqueime, não restariam dúvidas de que levaríamos várias vidas a pagar a parte excessiva da dívida.

Teríamos, como o homem já uma vez disse a respeito da sua apregoada mas discutível seriedade, que nascer várias vezes para poder pagar, entre outras, a dívida do banco de Cavaco e dos cavaquistas à nação.

Mas a questão imediata é esta: se Cavaco acha que pode gizar os cenários que quiser, como o fez no prefácio do VIII volume dos Roteiros, e pode concluir que a situação é tão má que, à cautela, o melhor será negociar já com a Tróica um programa cautelar, com o apoio do PS, de modo a que a Tróica continue, vigilante e austeritária, mais vinte e um anos em Portugal; se Cavaco pode pensar e escrever cenários e propostas destas, em nome de que princípio ou de que norma mais ninguém, senão Cavaco, pode exprimir-se livremente sobre a dívida?

Por que é que os setenta e cinco pilantras que subscreveram o manifesto para a reestruturação da dívida não haveriam de poder subscrevê-lo?!

E por que é, então, que Cavaco achou que deveria exonerar os seus conselheiros Drs. Sevinate Pinto e Victor Martins, só por terem assinado aquele manifesto?

Como é evidente, os conselheiros do presidente da República são recrutados e pagos para dar os seus conselhos, não para adivinhar e concordar com as ideias absconsas do inquilino de Belém.

E o mesmo se haverá de observar quanto ao carácter ditatorial do actual governo: ele, governo, e só ele, como aliás no tempo de Salazar, pode ter ideias sobre a dívida; o resto do País, e designadamente os partidos da oposição, ou se abstêm de ter ideias, ou, tendo-as, não as revelam, ou então, o que é até mais fácil, limitam-se a concordar com os governantes das bandeirinhas na lapela...

Chegámos, pois, a uma situação em que o mais grave e importante problema político nacional – o da dívida – só poderia ser debatido e tratado no espaço público pelos traidores que actualmente ocupam Belém e São Bento.


3. Reconheça-se pois, como é dever de todos os democratas, o direito que assiste a todos os cidadãos, incluindo os setenta e cinco subscritores do manifesto, de expressarem publicamente, quando e onde quiserem, as suas legítimas e sempre oportunas opiniões sobre a magna questão da dívida, do mesmo passo que cumpre combater a conduta fascista dos traidores que compõem a camarilha reaccionária de vende-pátrias acoitada em Belém e São Bento, para os quais só eles, e mais ninguém, tem direito a discutir a política da dívida.

Posto isto, cumpre chamar a atenção dos operários e de todo o povo trabalhador para o facto de que o manifesto sobre a reestruturação da dívida, sendo embora legítimo, não é uma peça inocente.

É, desde logo, o programa político pré-eleitoral, devidamente disfarçado, de uma coligação de forças de centro-direita, mediaticamente conhecida como Bloco Central, alargada a uns quantos trânsfugas da esquerda, onde se misturam os dissidentes mais recentes do PCP e os trotsquistas de Louçã.

O que esta pré-coligação se propõe com o manifesto sobre a reestruturação da dívida é capitalizar o descontentamento popular contra a política austeritária da Tróica e antecipar-se à constituição de uma ampla frente democrática e patriótica, cujo objectivo político primacial é a imediata saída do euro.

O manifesto sobre a reestruturação da dívida é uma desesperada tentativa para desarmar o crescente movimento político de constituição de uma frente democrática e patriótica, que imporá essa imediata saída de Portugal do euro.

A saída de Portugal do euro está a marcar desde já toda a agenda política nacional.

A política até agora seguida por Cavaco e pelo governo Coelho/Portas já não tem força para, sozinha, manter Portugal no euro. Daí os desesperados apelos do governo e do presidente aos consensos e, sobretudo, ao consenso de Coelho com Seguro.

A burguesia bancária e financeira, portuguesa e alemã, é a força oculta que se alinha atrás do manifesto para a reestruturação da dívida, nas vésperas de eleições europeias que, eventualmente, poderão mesmo derrubar o actual governo e isolar totalmente Cavaco.

Enquanto Coelho e Cavaco, compreendendo perfeitamente que o manifesto sobre a reestruturação da dívida é o sinal da sua derrocada, desatam freneticamente a atacar os respectivos subscritores, Seguro espera para ver se reestruturação da dívida e renegociação da dívida significarão ou não uma e a mesma coisa, e se o manifesto dos setenta e cinco será ou não afinal um bom substituto para o novo rumo que a actual direcção do PS anda há três anos a tentar definir sem sucesso, coisa que Assis, batendo palmas com as quatro extremidades, já percebeu que é.


4.
Entre nós, comunistas, e o manifesto para a reestruturação da dívida há um único ponto de contacto: a dívida pública portuguesa, em consequência da política da Tróica e dos seus lacaios em Belém e São Bento, tornou-se total e definitivamente insustentável e impagável.

Nisto estamos de acordo. Em tudo o mais estamos contra, desde as causas que explicam a insustentabilidade e impagabilidade da dívida, até às consequências políticas, económicas, financeiras, monetárias e cambiais que é forçoso extrair da insustentabilidade e impagabilidade da dívida.

Mesmo quanto ao ponto em que nós, comunistas, poderíamos estar formalmente de acordo com os subscritores do manifesto – o da insustentabilidade e impagabilidade da dívida – há, ainda assim, divergências entre nós e eles quanto à descrição exacta dessas insustentabilidade e impagabilidade.

Isto porque o texto subscrito pelos setenta e cinco tartufos é constituído por parágrafos que se caracterizam pela mais misteriosa das confusões semânticas, gramaticais e políticas.

Veja-se apenas este exemplo, sendo certo que o mesmo confusionismo é timbre dos demais parágrafos:

As condições relativas a taxas de juro, prazos e montantes abrangidos devem ser modulados conjugadamente, a fim de obter a redução significativa do impacto dos encargos com a dívida no défice da balança de rendimentos do país e a sustentabilidade da dívida pública, bem como a criação de condições decisivas favoráveis à resolução dos constrangimentos impostos pelo endividamento do sector empresarial público e privado e pelo pesado endividamento externo

Ora, este misterioso parágrafo tem interpretações diferentes entre os próprios subscritores do manifesto, porque, enquanto alguns dos assinantes vêem nele uma alusão ao perdão da dívida, o Engº João Cravinho, redactor do texto, já veio esclarecer que “o documento não se baseia na possibilidade de perdão da dívida” (sic)

Toda a gente sabe que Cravinho é a imagem pública do oportunismo político mais nauseabundo, mas aqui o sacrista vai ao ponto de chorar por um olho azeite (sugere, por escrito, que haverá perdões da dívida) e pelo outro olho vinagre (declara à imprensa que o manifesto não contempla perdões).

Claro, é fácil entender os oportunistas como Cravinho: o homem quer dar aos bancos garantias firmes de que não serão nunca forçados a perdoar dívida pública. Afinal o haircut de Cravinho é apenas uma promessa de corte de cabelo na cabeça de um careca...

O oportunismo dos setenta e cinco tartufos vai ao ponto de alguns deles (anónimos) terem feito à imprensa esta extraordinária declaração: “a falta de clareza do texto é propositada, caso contrário nunca conseguiria reunir personagens tão divergentes e que defendem políticas absolutamente distintas para o país no mesmo apelo” (sic).

Cumpre aos operários manterem os seus olhos bem abertos, pois a canalha que subscreve o manifesto da reestruturação da dívida não merece nenhuma espécie de credibilidade.


5. Os setenta e cinco subscritores do manifesto propõem-se como objectivo uma reestruturação responsável e honrada da dívida no âmbito do funcionamento da União Económica e Monetária. Esta é a declaração de princípio com que abrem o manifesto.

E o que significa esta declaração de princípio? Significa duas coisas ao mesmo tempo: significa que os subscritores do manifesto, por um lado, rejeitam a saída da zona euro e que, por outro lado, todas as propostas de solução, que não a sua, são irresponsáveis e desonradas.

Ora, tendo em conta o critério de Maastricht, o tratado que instituiu o euro como moeda única restringe a 60% o rácio da dívida pública em relação ao produto interno bruto (PIB) de cada um dos países aderentes ao tratado. E, pelo recente Tratado Orçamental, ficaram proibidos os défices orçamentais aos países da moeda única.

Em Janeiro de 2014, a dívida portuguesa alcançou o montante de 208,6 mil milhões de euros, equivalente a 128% do PIB. Quando a Tróica estabelecer o saldo final em Setembro de 2014, a dívida portuguesa atingirá, no mínimo, 140% do PIB. Nos dias de hoje, pagamos, só em juros, 7 mil milhões de euros, equivalente a 4,5% do PIB. A partir de Setembro de 2014, os juros dispararão para 9 mil milhões de euros, cerca de 6% do PIB, só em juros, e os défices orçamentais continuarão a não ser permitidos.

A conclusão é simples: a dívida não pode ser paga! Só uma canalha irresponsável e sem honra, como é a camarilha subscritora do manifesto, pode pretender um regime de pagamento desta dívida. Para pagar esta dívida no quadro de funcionamento da União Económica e Monetária, os salários de todos os trabalhadores, e sobretudo dos operários, teriam de descer, mais ou menos bruscamente, ao nível real dos salários praticados na época das eleições de Delgado (1958).

Os subscritores, sobretudo os que são economistas, sabem perfeitamente disto, mas escondem-no no manifesto. E, todavia, não escondem tanto quanto desejariam. Na verdade, eles sabem muito bem que a política do manifesto não visa pôr termo à austeridade do actual governo de vende-pátrias, consistente em roubar quem trabalha, em cortar salários e em eliminar reformas e pensões. E, por isso, aquilo que referem como uma conduta responsável e honrada não é outra coisa senão o apelo encoberto que fazem aos sindicatos e trabalhadores para colaboração com os capitalistas num “quadro de coesão de efectiva solidariedade nacional”.

Fica portanto claro que a canalha dos subscritores do manifesto não abandonaria nunca, se chegasse ao governo, a política de austeridade e empobrecimento dos trabalhadores.

Muito embora a comunicação social se tenha feito eco de uma pretensa política de cortes da dívida e dos juros, os subscritores, com Cravinho à cabeça, deixaram bem claro que não pretendem pedir cortes aos credores. O que eles propõem é mais cortes nos salários, nas pensões, nas reformas, no serviço de saúde, no ensino, no apoio à inclusão social.
 

6. Mas assim como até um relógio parado duas vezes ao dia está certo, os subscritores do manifesto não deixam de reconhecer que, tendo ascendido a 225% do PIB o endividamento público e privado, a dívida tornou-se insustentável, se o seu pagamento se basear apenas na austeridade e empobrecimento dos trabalhadores, como tem feito o governo de traição nacional Coelho/Portas. E por isso acenam – - mas só acenam, mais nada!... – com um robusto e sustentado crescimento económico duradouro.

Robusto e sustentado crescimento económico duradouro era o que proclamavam Gaspar e Álvaro, à medida que nos iam mais fundo à carteira, até fugirem como dois cães com o rabo entre as pernas e terem passado a ocupar, cada um deles, a sua sinecura robusta e sustentada com que a Tróica paga aos traidores.

Os economistas de meia-leca que assinam o manifesto sabem com certeza que, nos termos dos ensinamentos de Reinhart e Rogoff, existe um momento a partir do qual o crescimento económico é impossível devido ao peso da dívida pública, e esse momento já foi ultrapassado no orçamento para 2012.

E assim como não é possível reestruturar a dívida portuguesa e fazê-lo no âmbito de funcionamento da União Económica e Monetária, também não é possível, para um país endividado como Portugal, e no mesmo âmbito de funcionamento da União Económica e Monetária, libertar e canalizar recursos minimamente suficientes para um crescimento económico robusto e sustentado.

Já vimos que o que caracteriza o manifesto dos setenta e cinco é o oportunismo político mais nauseabundo. Toda a gente entendeu, incluindo a maioria dos subscritores, que o manifesto tentava abrir a via do perdão, ainda que parcial, da dívida e dos juros, mas logo Cravinho, redactor do texto com Bagão Félix, veio garantir urbi et orbi que os subscritores não tinham em vista perdão nenhum.

Todavia, para manter obrigatoriamente um orçamento sem défice, amortizar e pagar juros da dívida mesmo que só no montante inferior ao limite dos 60% imposto por Maastricht e granjear uma taxa nominal não inferior a 4% para um crescimento económico robusto e sustentado, tudo no âmbito da União Económica e Monetária, tal só é possível ou com a contínua e continuada desvalorização dos salários e a fome e doença generalizadas da população (política do governo de traição nacional Coelho/Portas/Cavaco) ou com a saída do euro, regresso ao escudo e desvalorização controlada da inflação (política da classe operária, dos trabalhadores, dos reformados e idosos, dos jovens, sob um governo democrático e patriótico).

Ora, o manifesto, recusando a política de um governo democrático e patriótico, adopta a política geral do governo de traição nacional Coelho/Portas/Cavaco, temperada com disfarçados cortes (perdões) na dívida e nos respectivos juros.

Assim, para fazer face aos 4,5 % do PIB que são todos os anos (no futuro serão ainda mais) absorvidos pelo pagamento dos juros, os setenta e cinco propõem um abaixamento da taxa média do juro, abaixamento que mendigam, sem sequer indicar qual é o valor do abaixamento.

Isto, chame-lhe Cravinho o que quiser, é um pedido de perdão de juros!

Pedem também os subscritores do manifesto um alargamento dos prazos da dívida para 40 ou mais anos.

Se isto não é um perdão do prazo, então o que é? E onde estarão Cravinho, Bagão Félix, Victor Ramalho e todos os trânsfugas que assinaram agora o manifesto, quando a geração dos seus netos for chamada a pagar a dívida que os energúmenos dos seus avós lhe deixaram em herança?

E, por fim, pedem os subscritores do manifesto que seja reestruturada a dívida no montante acima dos 60% do PIB. O que é isto senão mendigar um perdão, ainda que só parcial, de 40% da dívida? Só que aqui, neste ponto concreto, já não dizem que pretendem uma reestruturação responsável e honrada da dívida!... Aqui, pura e simplesmente entendem que a dívida deve ser perdoada tal como a dívida externa alemã nazi foi perdoada à Alemanha pelo Acordo de Londres de 1953.


7. É possível que alguns operários todavia se perguntem: mas se a dívida é impagável, por que é que não é correcto pedir e lutar por um haircut (corte parcial) da dívida e dos respectivos juros? Não terão neste ponto razão os subscritores do manifesto sobre a reestruturação da dívida?

Não, não é correcto, e não têm razão!

Em primeiro lugar, os subscritores do manifesto parece ignorarem o que se passa com a dívida pública no interior da zona euro. Ora, 15 dos 18 países que adoptaram o euro como moeda única têm uma dívida pública que excede largamente o rácio dos 60% imposto por Maastricht. O rácio da própria Alemanha é de 80% (!...), o da Bélgica é de 100%, e o da Itália – o maior de todos – é de 130 %. No seu conjunto, a dívida pública dos 18 países que integram a zona euro é superior ao PIB global gerado dentro da mesma zona.

Mas, com excepção do que foi exigido a Portugal, à Irlanda e à Grécia, ninguém exigiu aos restantes países do euro, titulares de dívidas superiores a 60% dos respectivos PIBs, entre os quais está incluída, como se viu, a própria Alemanha, que reestruturassem as respectivas dívidas e recebessem a supervisão da Tróica.

Quanto à dívida pública dos países integrantes da Comunidade Económica e Monetária – zona euro -, a situação é de tal modo dramática que as entidades europeias dirigentes acabam de estabelecer um Mecanismo Europeu de Estabilidade, dotado de um fundo de 500 mil milhões de euros para fazer face aos problemas da dívida, não mediante haircuts (perdões parciais) sobre a dívida de cada país, mas mediante empréstimos a juros, com supervisão do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e, quiçá, do Fundo Monetário Internacional, ou seja, de uma nova Tróica para toda a Zona Euro.

Não só não haverá, pois, perdões parciais de dívidas e de juros, como passará a haver controlo e austeridade cada vez mais apertados.

Mas, em segundo lugar, e mesmo nos casos em que porém se adoptou a política dos haircuts (perdões parciais) da dívida e dos juros e a prorrogação dos prazos de pagamento, não só não se resolveram os problemas da dívida, como não se libertaram fundos para promover um desenvolvimento económico robusto e sustentado.

Na verdade, a segunda reestruturação da dívida grega determinou o perdão de cerca de 50% da dívida pública e dos respectivos juros, mas a dívida actual da Grécia é agora ainda maior do que era a dívida existente no termo da primeira reestruturação orientada pela Tróica, e o actual serviço da dívida, com o pagamento de amortizações e juros, é também maior e mais pesado do que o serviço da dívida existente à saída da primeira reestruturação.

Os perdões totais ou parciais da dívida e dos juros, tal como os fundos estruturais concedidos aos países periféricos na forma de ajudas de adesão e de pré-adesão, não só não alteraram como perpetuaram o subdesenvolvimento económico desses países, transformando-os em sub-colónias do imperialismo alemão.

Este sistema de exploração capitalista financeira é tão incontornável que actuou e actua dentro da própria Alemanha. Com efeito, mesmo apesar dos milhares de milhões de euros de subsídios que a Alemanha de Leste recebeu do governo federal alemão e dos fundos estruturais concedidos pela União Europeia, a Alemanha oriental, ao fim de vinte anos de incorporação, continua a ser uma região extremamente pobre, com altos índices de desemprego e baixos índices de produtividade, em relação à Alemanha ocidental.

E porque é que isto é assim?

Isto é assim porque a causa de ser do crescimento da dívida nos países periféricos, fracamente desenvolvidos sob o ponto de vista económico, e o atraso perpétuo das regiões menos desenvolvidas, está no próprio euro, moeda demasiado forte para essas débeis economias e que traz como consequência a cada vez menor produção de bens transaccionáveis e o cada vez maior défice na balança do comércio externo e das transacções correntes, impondo uma distorção permanente de todo o sistema económico do país em causa.

O euro, moeda tão forte que o valor cambial de um euro anda à roda de 1,40 dólares, é, para os países economicamente débeis da União Económica e Monetária e respectivas regiões atrasadas, a causa de ser da restrição das exportações e do incremento das importações e, por conseguinte, a causa dos crescentes défices externos desses pequenos países e regiões e, em última análise, a causa do crescimento incontrolável da dívida pública de tais países.

Há catorze anos aderimos ao euro.

Veja-se a evolução da dívida pública portuguesa no decurso dos últimos vinte anos, entre os quais se incluem os catorze da adesão ao euro: 


Nos anos que vão de 1994 a 2000, a dívida pública portuguesa, então expressa em escudos, desceu de 57,3% para 48,4 % do PIB. E desde que adoptámos o euro, a dívida pública portuguesa subiu de 48,4%, em 2000, até 128,7%, em Dezembro de 2013, e chegará aos 140% do PIB no próximo mês de Setembro.

Com o euro, não houve um só ano em que não subisse, quase exponencialmente, a dívida pública.

O euro acarretou, em Portugal mas também na União Europeia, a falência, encerramento e deslocalização de milhares de empresas produtoras de bens transaccionáveis, e impôs uma distorção completa do regime económico português, com um crescimento galopante do desemprego, sobretudo do desemprego jovem.

Na ocasião do 25 de Abril, 40% do PIB português era gerado na indústria. Hoje, por virtude da adesão ao euro, apenas 13% do PIB é gerado no sector industrial. E para que a desgraça fosse ainda maior, apenas 2% do PIB tem hoje origem no sector primário (agricultura e pescas).

Portugal tornou-se, assim, um país economicamente inviável, desindustrializado, sem agricultura e sem pescas.

Este quadro, triste e negro, precisa de uma alteração urgente, radical e completa. O país tem que ser, sem demora, re-industrializado, incluindo nessa re-industrialização a industrialização de todo o sector primário, da agricultura às minas e ao cluster das indústrias do mar e das plataformas continentais e insulares.

Nada disto – que é um verdadeiro desígnio nacional – se poderá fazer, como pretendem os setenta e cinco marmanjos subscritores do manifesto da reestruturação, no interior da zona euro, com haircuts (perdões) da dívida e dos juros, nem com todos os subsídios que possam ser imaginados.

Para poder ultrapassar a situação catastrófica em que se encontra e a que foi conduzido pelo euro germânico, Portugal não chegará nunca lá através de uma reestruturação da dívida, mas sim mediante uma reestruturação económica que terá de assentar na saída do euro e na introdução do escudo, inicialmente à paridade cambial com o euro.

Espártaco


Os Setenta Cretinos


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