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PAÍS

Os Setenta Cretinos

A imprensa de hoje dá um festivo relevo a um manifesto subscrito por setenta personalidades de vários quadrantes políticos e de diferentes sectores da sociedade, apelando à reestruturação da dívida pública.

Não vamos sujar aqui as páginas do Luta Popular com a publicação do rol dos nomes de todos esses energúmenos contra-revolucionários, mas, para que o leitor possa fazer uma ideia, o manifesto vem assinado por sujeitos que vão desde Adriano Moreira, a Freitas do Amaral e Bagão Félix, passando por Manuela Ferreira Leite e António Capucho, e continuando por Ferro Rodrigues, João Cravinho, Carvalho da Silva e Francisco Louçã, sem esquecer o João Vieira Lopes dos patrões do comércio e o António Saraiva dos patrões da indústria.

Estamos, pois, perante um manifesto do chamado bloco central, que é o nome eufemístico que a nossa comunicação social e os partidos que se autoproclamam do arco-do-poder dão à santíssima aliança contra-revolucionária da direita portuguesa, que inclui o PSD, o CDS, o PS e, ficou agora a ver-se, inclui também a direita do Bloco de Esquerda, representada por Louçã e Rosas.

Ora, que se propõem estes setenta oficiantes do bloco central?

Começam por reconhecer, após três anos de política austeritária da Tróica e do governo de traição nacional Coelho/Portas, que é impossível pagar a dívida.

Conclusão, como se vê, demasiado tardia, porque o PCTP/MRPP já avisara que a dívida pública era totalmente insustentável e impagável, logo que foi assinado, pela corja do bloco central, o Memorando de Entendimento.

Há três anos que sabemos e dizemos que a dívida é impagável e que será cada vez mais impagável, em consequência da política reaccionária imposta pela Tróica e seus lacaios internos.

Três anos depois de o PCTP/MRPP ter tocado a rebate contra a insustentabilidade e impagabilidade da dívida, acordaram de sobressalto os corifeus do bloco central, gente que nunca levantou um dedo contra o novo código do trabalho nem contra o roubo do trabalho, do salário e das pensões perpetrado precisamente por dois dos partidos que também integram o bloco central.

Agora, até o economista mais idiota da nossa praça – refiro-me obviamente ao Cavaco – sabe que a dívida é insustentável e impagável, como aliás acaba de confessar no longo e nauseabundo prefácio com que pôs à venda o último livro dos seus discursos presidenciais. Também aí, no proémio do seu Roteiros, Cavaco concorda – mas só agora, a dois meses do fim do programa da Tróica que ele apoiou e impôs ao povo português – que, mesmo que Portugal conseguisse todos os anos um excedente primário de 3% [que corresponde a um cenário impossível de 4% de crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB) e com juros da dívida nunca superiores a 4%], só em 2035 – só daqui a 21 anos – o rácio da nossa dívida pública desceria dos actuais 130% do PIB para os 60% impostos pelo tratado de Maastricht e pelo suicidário Tratado Orçamental, recentemente impingido pela Alemanha e assinado até pelo PS de Seguro.

Ora, se se chegou a um ponto em que até setenta personalidades da área do bloco central se decidiram a apresentar um manifesto sobre a insustentabilidade e impagabilidade da dívida pública, seria de esperar que um tal manifesto servisse única e exclusivamente para proclamar os três subsequentes objectivos políticos:

1. Não pagamos a dívida!
2. Saímos imediatamente do Euro!
3. Recuperemos a nossa soberania monetária e cambial, com a criação do Escudo e com o escudo de início cambialmente paritário com o Euro!

Se se tratasse de gente séria, os setenta energúmenos que subscreveram o recente manifesto não teriam dificuldade em propor para a solução do problema da dívida as três conclusões acima assinaladas, e com isso reforçariam a frente democrática e patriótica com vista à formação de um novo governo.

Mas não!

A canalha dos setenta propõe-se a reestruturação responsável da dívida!... Note bem o leitor o alcance do adjectivo responsável, que os setenta cretinos oferecem aos credores externos, para pretenderem afastar, com um vocábulo extraído da ética criminal luterana alemã, os irresponsáveis que se propõem não pagar nada – nem um cêntimo! – como é o caso do povo português.

Como se vê, os setenta cretinos vêm, à pressa e em época de eleições europeias, tentar salvar as próprias eleições e a continuação do sistema de exploração imposto pelo imperialismo germânico à sub-colónia portuguesa.

E em que é que se traduz a responsabilidade dos setenta responsáveis cretinos?

Traduz-se nisto: Portugal deve poder contar, na reestruturação da sua dívida, com o apoio que a Alemanha beneficiou no Acordo de Londres de 1953, quando, à saída da guerra, estando falida, os vencedores ocidentais tinham todo o interesse em ajudá-la, rearmando-a industrial e militarmente, de modo a poder fazer frente à Rússia soviética.

Nessa altura, os aliados ocidentais perdoaram 46% da dívida alemã anterior à guerra (ou seja, perdoaram 46% da dívida que tinha servido ao rearmamento alemão e à matança de 30.000.000 de europeus...) e perdoaram 51,2% da dívida germânica posterior à guerra.

No fundo os setenta cretinos mendigam um substancial perdão da dívida pública portuguesa, convencidos que os credores da nossa dívida têm coração de santos e que vieram ao mundo para praticar a caridade em relação às sub-colónias europeias do imperialismo germânico.

Também mendigam um corte nos juros, do género do corte de que a Alemanha beneficiou no Acordo de Londres de 1953: da parte não perdoada da dívida, 17% não pagaria juros, e 38% pagaria juros reduzidos de 2,5%...

E que o leitor não se deixe enganar: mesmo quando a mendicidade pestilenta dos setenta cretinos tivesse êxito e a dívida fosse perdoada nos termos em que foi perdoada a dívida alemã à saída da guerra, o simples facto de permanecermos na zona do Euro teria como inevitável consequência que, dentro de dez anos, a nossa dívida externa seria ainda maior, mais insustentável e mais impagável do que a dívida que temos hoje.

A saída do euro é inevitável e inadiável. E goza cada vez mais de maior apoio popular. E é precisamente por causa desse apoio popular crescente que os setenta reaccionários vêm agora a todo o vapor conclamar uma reestruturação responsável da dívida.

Antes que os irresponsáveis proletários, fartos de cortes e de roubos, tomem porventura conta disto!

Claro está que os setenta cretinos – tão responsáveis que eles são!... – não dizem uma palavra contra o novo código do trabalho, nem contra a continuação do roubo do trabalho, dos salários e das pensões, nem uma palavra contra o desemprego e a continuação dos despedimentos, em suma, não dizem uma única palavra em defesa dos operários.

Para todos os efeitos, são setenta miguéis de vasconcelos, sempre com soluções na ponta das suas assinaturas e das suas espingardas, prontos para vender o País.

Espártaco

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