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Partido

Pela sua  relevância e  qualidade, damos a conhecer o  trabalho/entrevista  feita ao camarada Arnaldo Matos pelo jornalista Ricardo Marques, com fotos de José Fernandes, e publicada  no dia 15 de Dezembro, na Revista E do Expresso

Nas asas do marxismo

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O que é que acontece quando um revolucionário comunista com quase 80 anos descobre que o imperialismo capitalista americano criou uma ferramenta que lhe permite chegar às massas operárias sem filtros nem censuras? Eis o novo mundo de Arnaldo Matos, histórico fundador do PCTP/MRPP e o fenómeno mais improvável do Twitter

TEXTO RICARDO MARQUES FOTOS JOSÉ FERNANDES

A chávena de café está perto do fundo da escala das unidades de medida incertas. Um pouco acima do cálice, mas claramente abaixo do copo. O que não quer dizer que, dadas as circunstâncias adequadas, a pequena chávena não possa parecer enorme. Tão grande que cabe lá uma ideia e tudo o que os homens tentam fazer com ela. “Se nenhum de nós fizer nada, a revolução faz-se na mesma”, assegura Arnaldo Matos, fundador do PCTP/MRPP, um homem que gosta tanto de café como de o beber devagar. E que está convencido — Karl Marx pendurado na parede a tudo ver é sua testemunha — de que aquela chávena há de ficar vazia. “Se não se puser termo ao capitalismo, o capitalismo põe termo a si próprio.”

A certeza, porém, não pode levar ao ócio. “O comunista tem de se dedicar à causa do comunismo e não tem tempo para mais nada”, explica. O comunista, mesmo aquele que será octogenário dentro de meses, acorda cedo e não perde tempo a dizer ao mundo que o sono acabou. Há pouco mais de duas semanas, na sexta-feira, 7 de dezembro, Arnaldo Matos começou às sete da manhã e logo ao ataque. O alvo? Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos e Financeiros, Fiscalidade e União Aduaneira, que na véspera tinha sido condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém. “Como é que um sacana destes pode ser condecorado por Marcelo?! Ah! cães danados…”, escreveu na sua conta do Twitter.

Na sede do partido, na Avenida do Brasil, em Lisboa, durante uma conversa com o Expresso, Arnaldo Matos usou uma outra expressão para se referir a Moscovici — aquela que descreve um grau de parentesco direto e que rima com luta. Só que as armas têm de se adequar às batalhas. E, ainda que a guerra seja praticamente a mesma há seis décadas, a forma de combater do velho comunista, a quem chamavam o “grande educador da classe operária”, mudou no último ano e meio. Mais precisamente desde que se cruzou com o Twitter, a rede social gigante, criada em 2006 nos EUA, que tem mais de 335 milhões de utilizadores em todo o mundo a partilhar pequenas mensagens de 280 caracteres (os tweets começaram por ser apenas de 140 caracteres). Foi como se de repente Arnaldo Matos tivesse descoberto um cavalo de Troia parado à sua porta.

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Ataque Arnaldo Matos, na sede do PCTP/MRPP, em Lisboa, na sexta-feira, 7 de dezembro, em pleno processo criativo, alinha uma série de tweets a condenar a condecoração do comissário europeu Pierre Moscovici por Marcelo Rebelo de Sousa

“É exatamente isso. É uma forma de combater o inimigo a partir do seu interior. Não o Twitter, mas o sistema onde está inserido. Se reparar bem, podemos fazer isso em qualquer empresa”, garante Arnaldo Matos. O momento da revelação ocorreu no final do verão de 2017, por culpa de Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos da América e uma espécie de tweetador-mor. “Intrigou-me a forma como um indivíduo destes, de extrema-direita e do mais reacionário que há no mundo, tem o apoio da classe operária americana. Não foram os intelectuais que o elegeram, foi a classe operária — e esse é que é o problema. Isso levou-me a estudar o fenómeno”, explica, ainda sem ter tocado na chávena de café.

A fase de estudo foi relativamente breve. A 7 de setembro de 2017, o camarada Arnaldo Matos ganhou uma vida virtual e, graças a ele, o marxismo nacional lançou-se a voar nas asas do passarinho azul que é a imagem do Twitter. “Guterres transformou-se num lacaio dos imperialistas e num homem de mão de Donald Trump. Em vez da paz, promove a guerra. Que santarrão!”, escreveu, no primeiro tweet da história do PCTP/MRPP. Em causa estava a ameaça da ONU de sanções económicas contra a a Coreia do Norte. Nesse mesmo mês, Arnaldo Matos colocou-se ao lado dos independentistas catalães e não perdeu uma oportunidade de atacar o então ministro da Defesa, Azeredo Lopes, a propósito do furto de armas em Tancos: “Será que no limite, Portugal tem, no Restelo, um burro? E se o burro não se demite, ninguém demite o burro?!”

O facto de estar a combater infiltrado atrás das linhas inimigas não fez de Arnaldo Matos, do dia para a noite, um especialista a trabalhar com computadores, telemóveis ou tablets. Aliás, é o próprio a dizer que não sabe aproveitar “todas as potencialidades” das máquinas. “Não sei trabalhar com nada disso. Tenho telemóvel, um bom telemóvel, mas não me entendo com essas coisas todas”, admite. A conta de Twitter “Arnaldo Matos - @ArnaldodeMatos” é, antes, um trabalho de equipa — tem 3428 seguidores, contados esta terça-feira de manhã. “A minha companheira é que trata disso. Ela passa as coisas, escolhe as mensagens e publica os tweets”, explica o fundador do PCTP/MRPP. “Sim, eu é que faço esse trabalho”, confirma Cidália, a professora de Português que vive com Arnaldo Matos e que está sempre por perto.

O ritual repete-se todos os dias, várias vezes ao dia, “porque as pessoas esperam que eu diga qualquer coisa”. Ele senta-se à mesa, diante de uma folha em branco e escreve. “A maior parte das vezes sai bem logo à primeira”, conta, divertido. “Escrevo um pouco, traço uma linha. Mais um pouco, outra linha.” Numa folha A4, os 280 caracteres representam quatro linhas e meia manuscritas a toda a largura. “Consegui fazer do Twitter uma arma de intelectuais. O espaço é tão pequeno que qualquer pessoa chega ao conteúdo”, afirma, orgulhoso. Mas há coisas que não mudam — e a necessidade de subverter é uma delas. Por regra, no Twitter as últimas mensagens publicadas surgem no topo da página. “Alterei a maneira de ler isto. Normalmente, é preciso ler de baixo para cima, mas o meu Twitter lê-se de cima para baixo, que é como se lê em Português. E isso facilitou a entrada junto das massas.”

Retomemos uma ideia já abordada como exemplo. Arnaldo Matos, sentado à mesa da sede do PCTP/MRPP, diz o seguinte: “Se não se puser termo ao capitalismo, o capitalismo põe termo a si próprio. Vai haver uma revolução contra o capitalismo e essa revolução é imposta pela natureza das coisas.” No Twitter, se as duas frases fossem introduzidas por esta ordem, a última seria a primeira a aparecer. “Mudar isto dá muito trabalho. Todo o esquema tem de ser subvertido e depois é preciso introduzir algo mais, a beleza do texto literário. Se não existir, as pessoas não leem.” Assim, Arnaldo Matos escreve na folha em branco, de cima para baixo, e Cidália transcreve no Twitter, de baixo para cima. É o chamado mudar tudo para que nada mude.

Na segunda-feira, 10 de dezembro, Arnaldo Matos publicou logo de manhã uma fotografia onde se veem António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa. Comentário: “Uma pergunta aos operários: então isto não é tudo um putedo?” A seguir isolou cada um deles e abriu fogo. Com a foto de Catarina Martins, escreveu: “Uma pergunta aos oportunistas do Bloco: se a saúde está mal, se o salário mínimo é baixo, se os professores estão abandonados, se os funcionários públicos não são aumentados, etc., etc. e tal, porque aprovaram o Orçamento e apoiam o Governo?” Junto à de Jerónimo de Sousa: “Uma pergunta aos sociais-fascistas do PCP: se o país está tão mal, porque aprovaram o Orçamento e apoiam o Governo?” Com a imagem de António Costa, a quem foi acrescentado um badalo ao pescoço, está escrito o seguinte: “Uma pergunta ao monhé: se o país está tão bem, porque é que há 47 pré-avisos de greve daqui até ao final do ano?”

Não foi a primeira vez que Arnaldo Matos usou este termo para se dirigir ao primeiro-ministro. “O meu monhé, o nosso monhé, são expressões que utilizo com qualquer coisa de afetuoso. É uma expressão que é racista em Moçambique, mas aqui não é bem assim”, afirma ao Expresso. Há uns meses, depois de idêntica demonstração de “afeto”, Arnaldo Matos foi acusado de racismo, na sua própria página do Twitter. “Deram-me forte e feio por causa disso, e eu não desisti. Mas não me arrependo, não creio que tenha ido longe demais nessa questão.” Ainda assim, mandou mensagens a explicar-se a algumas pessoas, mais próximas do primeiro-ministro, que se sentiram ofendidas. A questão coloca-se todos os dias, como confirma. “Às vezes, a Cidália avisa-me que estou a ir longe demais. E eu respeito. Mas houve um assunto em que não deu. Nesse dia, ela podia dizer o que quisesse que eu não mudava de ideias”

O assunto era, e é, a ala pediátrica do Hospital de São João, no Porto. “Acho que fui longe demais quando mandei o Governo à merda. Mas é o limite. É intolerável que haja um ministro das Finanças que, atribuindo uma verba para construir uma ala pediátrica para as crianças do Porto atacadas de cancro, tenha cortado aquela verba. Isso é intolerável. Tenho o direito de lhe chamar tudo, e não só monhé. Não é que adiante muito na luta de classes, mas mostra que… Na luta de classes há uma fase em que se chega ao ódio. Não se pode matar o adversário olhando para ele e chorando… Podemos achar que não devemos matá-lo, mas se estamos a combater com ele… Já estive na guerra…”

Por um momento, é como se Arnaldo Matos tivesse perdido o branco do cabelo e do bigode e fosse, outra vez, o homem que surge de braço levantado na fotografia de um comício em 1976. Ou o tipo que aperta a mão a um jovem José Ramos Horta, da Fretilin, de passagem por Lisboa e com paragem na sede do MRPP, dias depois de os indonésios terem invadido Timor, a 7 de dezembro de 1975. Ou o dirigente que, no Pavilhão dos Desportos, em março de 1976, dizia a todos e a cada um dos comunistas: “Quaisquer que sejam os sacrifícios porque irá passar, qualquer que seja o tempo que demore o seu combate, e o seu combate só pode ser um combate prolongado, sabe que os raios vermelhos da aurora da verdadeira democracia, da aurora do pão para todos os que trabalham, que essa aurora está para chegar. Que está para ficar.”

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Contas Quatro linhas e meia manuscritas enchem os 280 caracteres que o Twitter disponibiliza. Cidália, a sempre-presente companheira de Arnaldo Matos, é quem introduz as mensagens no telefone

Sim, é ele outra vez, mas já não é o mesmo. Os anos do PREC eram os anos em que o MRPP pintava o Rossio de vermelho, assinalava o aniversário da morte de Estaline e em que olhava para a China como a “base vermelha da Revolução Mundial Proletária”, desejando “longa, muito longa vida ao Presidente Mao Tsé-Tung”. Hoje, tudo mudou e quando se olha para trás, para dois dos regimes mais sangrentos do século XX, as palavras não são as mesmas. “Estaline era um homem que fez o seminário e que esteve quase a ser padre. Tinha da filosofia uma conceção que nunca poderia aproximar-se do marxismo. Tudo o que escreveu não tem nada a ver com o marxismo”, explica Arnaldo Matos.

E a China? “Na China houve um conflito em que também participei, porque estava em Macau. Pensava que a revolução do Mao, com o seu carácter humanitário, dedicado ao respeito pelo povo, do amar o povo acima de todas as coisas, pensava que era um caminho. Mas não é. A China tornou-se o grande imperialismo do século XXI. O caminho tem de ser objetivo. Não é um problema do coração dos homens, mas de objetividade dos atos. E então é que vi que tínhamos de voltar ao Marx e a ‘O Capital’, para compreender como é que do modo capitalista de produção se pode passar ao modo comunista de produção. Este é que é o caminho e é a fase em que me encontro atualmente.”

Um caminho que começou a ser trilhado, oficialmente, há pouco mais de dois anos, com a publicação das “Teses da Urgeiriça” — “o trabalho teórico de aprofundamento do marxismo produzido pelo camarada Arnaldo Matos”, nas palavras de Carlos Paisana, no qual é analisado o fracasso das revoluções russa e chinesa. Um olhar do cientista sobre duas tentativas de trabalhar o café puro da chávena e aplicá-lo à realidade. “Quando o Lenine chega e diz que a revolução passa a ser uma revolução operária e comunista, disse o maior disparate da sua vida. Não havia desenvolvimento económico suficiente para sustentar uma revolução comunista. Essa só aparece quando o desenvolvimento for tal que o meu amigo não precisa de um salário”, elucida. “É preciso conhecer o conteúdo da obra de Marx, e é isso que me faz lutar.”

Não é arriscar muito classificar a fase atual do fundador do PCTP/MRPP como uma fase de marxismo em estado puro. “Somos marxistas e baseamo-nos numa ciência. É impensável haver um comunista que não conhece Marx e damos muita importância à parte científica do nosso trabalho. O marxismo é um problema de ciência. As redes sociais são uma peste para um partido. As pessoas acham que não tem de estudar, que podem simplesmente dizer o que lhes vai na cabeça. Mas o que lhes vai na cabeça é o produto da luta de classes — pode ser bom ou pode ser mau. Se um operário acha que tem o direito de exprimir o que tem na cabeça, eu digo-lhe que não tem o direito de exprimir o que tem na cabeça. Tem de exprimir uma teoria científica, e não o que tem na cabeça. É preciso estudar”, assegura o homem que já foi o grande educador.

O MRPP — Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado foi fundado a 18 de setembro de 1970, numa casa da Estrada do Poço do Chão, em Benfica. O primeiro comité Lenine integra Arnaldo Matos, João Machado e Fernando Rosas e elege Matos como secretário-geral: “Não interessa saber se somos muitos ou poucos no momento de começar; interessa saber se a nossa linha é a mais justa e correta, se os nossos métodos são verdadeiramente leninistas. Se assim for e se soubermos aplicar a primeira e praticar os segundos, em breve cresceremos e connosco a luta”, escreveram, então. E há coisas que não mudam. “Quantos militantes temos? Não lhe vou dizer quantos somos, mas está em curso um processo de renovação.”

Em 2020, quando se assinalar o 50º aniversário, o PCTP/MRPP (Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, é a outra sigla) vai realizar um congresso. “Não se pode fazer mais cedo porque não temos pessoas preparadas para o fazer”, admite Arnaldo Matos. O grande cisma de 2015, que levou à saída do partido de Garcia Pereira, é um assunto ainda por resolver. “A cisão, do ponto de vista ideológico, ainda não está ultrapassada. Mas já conseguimos mostrar a todos quem é Garcia Pereira. É um advogado de sucesso, e é por aí que deve ficar”, atira.

Nesse ano, Arnaldo Matos, que desde 1979 não estava oficialmente ligado ao partido — permanecendo porém como o ideólogo, figura de referência e teórico máximo — desferiu um violento ataque ao então líder do PCTP/MRPP, seu amigo e afilhado, acusando-o de ter falhado em toda a linha nas eleições legislativas. Uma carta publicada no “Luta Popular”, órgão oficial do partido desde 1971, assinada por Espártaco, um dos nomes de Arnaldo Matos, apontava o falhanço da liderança, não obstante esta ter “as melhores condições objetivas de sempre para alcançar os seus objetivos políticos imediatos: uma situação política geral de profundo repúdio pela política de austeridade governativa, cerca de 800 mil euros em dinheiro, provenientes da lei de financiamento dos partidos, e um membro do comité permanente do comité central com um programa de televisão semanal na ETV [Garcia Pereira]”. Seguiram-se semanas de roupa lavada na praça pública, com acusações de toda a espécie de um lado para o outro e muitos pedidos de autocrítica.

“Não tirei o partido a ninguém: não sou militante, não sou dirigente, a única coisa que faço é dar a conhecer aquilo que aprendi. Sei o que era um partido leninista, e sei ao que levou. Sei o que era um partido maoista, e ao que ele conduziu. Esses partidos não servem. É preciso criar outros. Mas como? Bom, a partir do movimento da tal classe que vai mudar o mundo”, garante Arnaldo Matos.

Os pequenos passos começam a ser dados no próximo ano. Segundo o seu não militante nem líder, o PCTP/MRPP vai concorrer a todas as eleições de 2019: legislativas, europeias e regionais da Madeira. Nas últimas legislativas, o PCTP/MRPP foi o segundo dos últimos, dos partidos que não elegeram deputados, atrás do PDR de Marinho e Pinto. O PAN, com 95.140 votos, conseguiu eleger um deputado. O PDR recebeu 61.632 votos e o PCTP ficou-se pelos 59.995 — ainda assim ultrapassando a barreira dos 50 mil que garante o acesso à subvenção do Estado. “As da Madeira são as que são mais favoráveis aos pequenos partidos. Nas últimas, foi por 200 votos que não elegemos um deputado. E portanto vamos atacar em força lá”, garante Arnaldo Matos, que joga em casa no arquipélago.

“Sou madeirense e tento ir lá uma vez por mês. O meu pai era um pequeno comerciante de lenhas e madeiras, na altura da guerra, e de contrabando, daquele dos navios. Trabalho desde os oito anos a vender copos de vinho ao balcão”, recorda o também advogado, que garante não virar a cara ao combate. “Sabe que esta coisa do Twitter serve para me darem muita pancada. Eu também dou, mas farto-me de apanhar”, conta.

“Respondo a todos os leitores, à esquerda e à direita. Também respondo aos tipos de extrema-direita. Se algo que escrevo tem comentários, vou sempre lá dar uma opinião. As pessoas já sabem isso. Agora, se são malcriados a um ponto em que é excessivo, em que não é uma forma de liberdade do pensamento, então corto-os. Mas é raro. Sabe que é possível reconstituir um debate filosófico no Twitter? Tenho-o feito muitas vezes. Torna-se um pouco mais comprido, não é bem a essência da coisa, mas consegue-se falar…”

Este é o paradoxo em que se encontra Arnaldo Matos. Provavelmente, nunca como hoje teve meios para falar com tanta gente ao mesmo tempo sobre tantos assuntos — basta ver a sua conta de Twitter para perceber que a amplitude de assuntos cobre tudo, da política internacional à greve dos estivadores de Setúbal à exposição de Robert Mapplethorpe em Serralves. Ao mesmo tempo, e apesar de tamanha intervenção, nunca as propostas do PCTP/MRPP pareceram tão pouco importantes. Sempre que se fala dos tweets de Arnaldo há um tom de gozo-ironia-choque, uma sensação de que não é para levar a sério.

“Sinto alguma mágoa por considerarem que sou alguém do passado, alguém por quem o tempo passou. Mas a verdade é que as pessoas têm medo de discutir comigo. Não acreditam que um comunista possa ser igual aos outros”, lamenta. E logo a seguir passa ao ataque. “Os políticos hoje são uma desgraça, são uns imbecis que não leem um livro. Mas são os imbecis de que a imprensa gosta.” Para o fim, fica o desabafo: “Sou uma espécie de preto da política. Sou vítima de racismo.”

Na sexta-feira, 7 de dezembro, dia em que se assinalou a invasão de Timor pela Indonésia em 1975, depois de ter atacado Moscovici e de ficar a saber a data das eleições em 2019, Arnaldo Matos saiu à rua para ser fotografado pelo Expresso. Cidália estava preocupada com o frio, e veio atrás com o casaco na mão. O não militante nem líder do PCTP/MRPP deixou de fumar há 18 anos, mas a saúde já não é a mesma de outros anos. “Este tempo afeta-me a respiração”, confessa. Ela diz o mesmo. Mas a vontade, essa, permanece inalterada. “Faço 80 anos em fevereiro. Sei que vou morrer, e não tenho medo. Sou comunista. Mas o simples facto de não saber quando irrita-me solenemente porque não sei se terei tempo para fazer todas as coisas que quero.”

O presente corre a toda a velocidade, e o líder tenta correr ao seu lado. “Portugal, tal como a França e a Bélgica, reúne condições objetivas de luta, como ocorre com o movimento dos ‘coletes amarelos’. Só não se reuniram ainda condições subjetivas de luta: organização e liderança. Mas, em qualquer momento, poderão reunir-se essas condições subjetivas: bastará que se criem comités políticos independentes que unifiquem o movimento grevista e o movimento pela melhoria das condições de vida e de salários dos trabalhadores. Unamo-nos!”, escreveu, em duas mensagens no Twitter, na segunda-feira, 10 de dezembro.

O papel, sempre o papel. O dos placards cheios de propaganda, nova e antiga; o que cobre as mesas, onde alguém arrumou os exemplares da “Luta Popular” e os documentos mais importantes e os folhetos distribuídos na rua. Nos livros de Marx. No retrato de Marx. Nas folhas em branco espalhadas pela mesa em que Arnaldo Matos, o “marxista e de alma e coração”, escreve à mão as mensagens que dirige aos operários, sem filtro nem censura. Onde o velho se faz novo. Passou uma hora e Arnaldo Matos mal tocou na chávena. O café pode ter arrefecido, mas está lá. Ainda lá está.

O futuro, diz Arnaldo Matos, é promissor. “O comunismo vai chegar. Se não fizermos nada, o capitalismo irá pôr termo a si próprio. Vai haver uma revolução contra o capitalismo e, para os comunistas, essa revolução é imposta pela natureza das coisas. Meio por cento da população mundial tem 90 por cento da riqueza mundial. É impressionante, não é? Nunca, como hoje, existiram condições para distribuir equitativamente por todos tudo o que se produz” Coladas na porta da sede do partido, à vista de quem passa, estão três folhas A4 com todos as mensagens publicadas na véspera no “tuíter”, assim mesmo, do camarada Arnaldo Matos. É o novo feito velho.

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