PAÍS
- Publicado em 09.12.2020
Balanço trágico entre “menos mortes” Covid-19 e mais mortes não-Covid!
A “comunicação social” a soldo da classe dominante, que tem funcionado como amplificador da política de medo e pânico que a burguesia induz junto de operários e trabalhadores a fim de “justificar” a imposição as medidas reaccionárias e repressivas que tem estado a fazer abater sobre eles em nome da sua “saúde”, abriu hoje os noticiários com a informação de que, até Outubro do corrente ano, e desde que foi declarada a pandemia de Covid-19, os centros de saúde registaram menos 9 milhões de consultas!
Para sermos mais precisos, nos cuidados de saúde primários, houve menos 6,6 milhões de consultas médicas presenciais e menos 3,1 milhões de contactos presenciais de enfermagem, o que totaliza uma redução 9,7 milhões em relação a 2019. Mas esta situação, que levou àquilo que já classificámos como uma nova pandemia, muito mais mortal do que a registada por Covid-19, não se ficou por aqui. A nível dos hospitais públicos, integrados na rede hospitalar do SNS, as consultas presenciais sofreram uma redução de 2,7 milhões entre Janeiro e Outubro de 2020, o que nos permite afirmar que, no final do corrente ano, faltando os números de Novembro e Dezembro, os números serão ainda mais catastróficos.
É de crer que o impacto que esta situação está a ter, a montante nos rastreios e no diagnóstico preventivo, e a jusante numa estratégia de tratamento – que pode incluir actos cirúrgicos – se traduz no acréscimo de número de mortes em relação à mediana dos últimos 10 anos. No período acima identificado, ficaram por realizar 119 mil mamografias, 81 mil rastreios do cólon do recto e houve menos 99 mil mulheres a realizar colpocitologia, segundo refere o Movimento Saúde em Dia, criado pela Ordem dos Médicos e pela Associação de Administradores Hospitalares, em parceria com uma multinacional farmacêutica francesa.
Através de dados que a MOAI Consulting recolheu no Portal da Transparência do SNS, e disponibilizou ao Movimento Saúde em Dia, este concluiu que “...a pandemia de Covid-19 continua a afectar vários milhares de cidadãos, adiando consultas, cirurgia, diagnósticos e tratamentos”. Permitimo-nos discordar destas conclusões porque, em nosso entender, não foi a alegada pandemia de Covid-19 que provocou o quadro que se denuncia, mas sim o estado caótico em que se encontra o SNS, devido ao desinvestimento e liquidação programados por sucessivos governos da burguesia, apostados todos eles na privatização da saúde em Portugal.
Tal como acima referimos, todo este quadro redundou numa nova pandemia, a pandemia do défice assistencial e preventivo que redundou, até agora, em 10 mil mortes a mais – sem contar com as mortes atribuídas ao Covid-19 – durante o período em análise. Outra coisa não seria de esperar quando as consultas presenciais, que permitiriam detectar a tempo, prevenir e tratar muitas situações de cancro, hipertensão, diabetes, AVC e outras patologias que, tratadas a tempo poderiam ser reversíveis ou a sua progressão fatal travada, foram reduzidas desta forma.
É criminosa a política de saúde de um governo que deixa chegar a situação a um quadro em que se registou, no passado mês de Outubro, uma redução de 40% de consultas presenciais nos Centros de Saúde e de 43% nas consultas médicas ao domicílio. Cenário em tudo idêntico a nível hospitalar onde se registaram, em termos percentuais, menos 18% de primeiras consultas, menos 9% de consultas subsequentes, menos 21% de cirurgias programadas e menos 10% de cirurgias urgentes.
Como um mal nunca vem só, no que respeita ao caos em que se mergulhou o SNS, as urgências hospitalares também sofreram uma redução em comparação com 2019, com uma redução de 27% de episódios. E, quanto aos meios complementares de diagnóstico e terapêutica (como análises e exames), apesar de os dados obtidos reportarem apenas até ao mês de Setembro, ainda assim, em relação a idêntico período de 2019 – Janeiro a Setembro – apresentavam uma redução de 22 milhões.
Como muitos dos procedimentos médicos e cirúrgicos implicam procedimentos subsequentes, e para que se tenha uma dimensão clara de como funciona a política reaccionária deste governo em relação à saúde e ao SNS, veja-se o caso da Medicina Física e de Reabilitação onde a quebra foi de 32% (menos 10,6 milhões de procedimentos), enquanto na pneumologia e na imunoalergologia, a redução foi superior a... 40%!!!
O bombardeamento a que sujeitam a população, todos os dias, com dados absolutamente manipulados, visa precisamente anestesiar e bloquear todos aqueles que precisam de recorrer a cuidados de saúde e que, ora induzidos a pânico pelos anúncios catastrofistas do governo e das instituições de saúde, ora confrontados pelo bloqueio de acesso a cuidados de saúde em nome da necessidade de alocar todos os recursos ao Covid-19, deixam de recorrer às urgências hospitalares e aos cuidados de saúde primários. Com a treta de que “tudo ficará bem”, o governo, numa tentativa de se desresponsabilizar da situação de crise sanitária que se vive, lança um apelo patético “ajude-nos a tratar da sua saúde”.
É preciso ser claro. Não são os doentes os responsáveis pelo caos em que vive o SNS. Essa responsabilidade tem de ser assacada a um sistema que não pretende afectar senão os recursos mínimos de saúde que permitam a manutenção necessária para que a mão-de-obra satisfaça o requisito de promover a extracção de mais-valia indispensável à acumulação do capital. É por isso que, no quadro do modo de produção capitalista, e apesar de nos solidarizarmos com as exigências operárias e populares de melhores condições de acesso aos cuidados de saúde, afirmamos que uma saúde que sirva quem trabalha nunca será alcançada. Tal só será possível com um novo modo de produção comunista, que privilegie a saúde e não o lucro!
09Dez2020
LJ