PAÍS
- Publicado em 31.10.2021
Costa e os ingénuos
O orçamento do Estado burguês está chumbado. Tudo indica que terão lugar eleições legislativas no início de 2022, convocadas após a anunciada dissolução da assembleia da república.
B"E" e P"C"P apontaram em uníssono a intransigência de Costa no decorrer das negociações com vista ao estabelecimento de um acordo entre os três partidos, para aprovação do OE.
Analisando as propostas elencadas pelas, até agora, convictas muletas do PS, como contrapartidas para a aprovação do OE, nomeadamente as que dizem respeito às pensões de reforma e à reposição do quadro legal laboral pré-tróica, constata-se que, caso implementadas, iriam trazer algum magro alívio aos trabalhadores. O seu impacto orçamental seria, ainda assim, relativamente baixo ou mesmo nulo.
Estas medidas não são novas. Fazem parte de um conjunto de exigências avançadas pelos reformistas parlamentares desde 2015, das quais o PS fez tábula rasa, sem que isso tenha, no entanto, impedido esses partidos de aprovarem, um após outro, seis orçamentos liberais do governo. Como já aqui tivemos oportunidade de referir, com ou sem estas “correcções”, o orçamento não iria dar resposta aos problemas mais urgentes e graves que afligem e afectam a classe operária e o proletariado que trabalha em Portugal.
Temos, de todo o modo, que perguntar porque é que um PS ansioso pela aprovação do documento orçamental não transigiu, pelo menos parcialmente, em alguns dos pontos de negociação avançados pelos sociais-democratas e revisionistas. A resposta mais óbvia poderá ser a correcta. Costa congeminou maquiavelicamente este chumbo. O ambicioso social-liberal ao serviço da burguesia preparou com ardil a armadilha em que esta “esquerda” pequeno-burguesa caiu ingenuamente. O primeiro-ministro nada tem a perder. Fará uma campanha eleitoral em torno da vitimização e da suposta necessidade de assegurar uma maioria forte contra a “irresponsabilidade” de uma “esquerda inconsequente”, que põe em risco a execução orçamental e com ela a sagrada “recuperação económica” (dos lucros da burguesia). Se tal resultar e o PS alcançar uma maioria absoluta ou uma solução de acordo com o partido urbano pequeno-burguês PAN, munido da bazuca europeia, estará com a faca e o queijo na mão, podendo distribuir os seus milhares de milhões de euros por empresários, IPSSs, associações, fundações e quejanda clientela do seu partido, sem inconvenientes parlamentares e institucionais. Poderá ainda agitar o fantasma da direita – atemorizando sobretudo pensionistas e funcionários do Estado burguês – que só muito improvavelmente irá granjear uma maioria parlamentar, sendo muito mais crível que se dedique à autofagia, transferindo votos internamente, do PSD e CDS para a IL e o liberal-fascista Chega.
Se a golpada falhar, Costa ficará na mesma posição em que anteriormente se encontrava – sujeito a negociar com B”E” e P”C”P, desta vez ainda mais fragilizados, porque punidos eleitoralmente pela sua incoerência.
Há importantes lições a retirar do percurso que estes dois partidos vêm fazendo nas últimas duas décadas, que ditou a sua inevitável chegada a este ponto de desorientação táctica.
Estes pequenos partidos com um projecto social-democrata, seja ele liberal-identitário ou de “democracia avançada”, não tendo ambições revolucionárias, em função do seu carácter de classe, só podem optar por ser forças políticas de protesto, criticando sob uma perspectiva reformista a gestão mais ou menos antipopular dos grandes partidos burgueses, votados ao nicho eleitoral da pequena burguesia radicalizada e de assalariados objectiva e subjectivamente iludidos com a conciliação de classes, ou, pelo contrário, pela assunção de um papel activo na gestão do capitalismo nacional, enquanto parceiros das grandes agremiações políticas burguesas.
O Bloco de “Esquerda” é uma organização de base militante urbana, sem relevância no interior do país, sem implantação autárquica, desprovida de influência sindical e associativa, e de um projecto de apoio social consequente. A sua capacidade de mobilizar sectores operários e proletários sempre foi tremendamente limitada, embora tenha feito um esforço para cavalgar os protestos contra a tróica nos inícios da década passada.
Já os “democratas avançados” do P”C”P têm sofrido uma inexorável erosão em todos estes referidos planos de enraizamento popular, estando hoje em dia praticamente limitados ao funcionalismo e sector empresarial do Estado no que ao sindicalismo concerne.
Se até meados da década passada mantiveram uma toada de protesto, ainda que sempre partindo de uma abordagem democratista, oportunista e reformista, crescendo eleitoralmente à boleia da contestação popular ao “neoliberalismo” passista e à austeridade socrática, em 2015 integram a geringonça e, ao abrigo do acordo com o PS, desmobilizam qualquer iniciativa de luta concertada e assumem-se enquanto responsáveis gestores do Estado patronal e neutros árbitros dos conflitos entre as classes, no campo laboral, no caso da CGTP, como – sejamos justos – foi sempre, em regra, seu apanágio.
Neste percurso B”E” e P”C”P foram perdendo militantes e eleitores que, não confiando nas instituições burguesas e vislumbrando, mais ou menos nitidamente, o carácter de classe do regime, apostavam, ao sabor de claudicações próprias das classes intermédias, nestas organizações para a construção de uma alternativa democrático-popular, na ausência de um poder proletário consolidado devida a uma incipiente organização da classe revolucionária e do seu Partido.
Assim, chegamos a fins de 2021 com o reformismo institucional incapacitado em termos de actuação extraparlamentar e com a sua base social reduzida a sectores coincidentes com aqueles em que o P”S” tem maior tracção. Sectores sociais esses cujas expectativas políticas recaem na priorização da estabilidade governativa, na observância dos ditames da UE, na recuperação económica capitalista, na “paz social” e na conciliação das classes.
A resposta a este quadro político-partidário de conluio imperialista, capitalista, burguês e pequeno-burguês, só pode ser uma – a organização e luta operária e proletária em torno dos seus interesses de classe, em todas as frentes e com todas as armas, pela construção de uma verdadeira alternativa comunista, capaz de acabar com as desigualdades, a exploração, a especulação e garantir a vida digna, a habitação, a saúde, a educação, o ócio, a prosperidade e o bem-estar colectivos, para todos.
JC