PAÍS
- Publicado em 09.02.2020
As caixas e fundos de pensão e de reforma pertencem aos assalariados
Segundo dados do Eurostat divulgados em Novembro de 2019, o tempo médio de trabalho na Europa era de 43,1 anos sendo que, em Portugal, era de 45 anos, só ultrapassado pela Itália – 46,3 anos – e pela Alemanha – 46 anos.
Constata-se, uma vez mais, que o nosso país aparece no pódio dos países europeus com a idade da reforma mais elevada e que, para além de a média dos operários e dos trabalhadores portugueses, em 2018, ter de trabalhar 45 anos , 21,5% deles tinha mais de 65 anos.
No quadro do Eurostat que abaixo publicamos, esta entidade identifica a idade média da população da União Europeia em 1990, 2018 e faz projecções para 2050.
Prosseguindo a sua política de servente e bom aluno do imperialismo europeu – e, sobretudo, germânico –, o governo Costa/Centeno, abertamente um executivo orientado para servir os interesses dos credores especulativos da banca e da finança mundial e europeia, decidiu recentemente, e sem que tal decisão merecesse, sequer, da parte da “esquerda parlamentar” – as inefáveis muletas do PCP, BE e Verdes – um vislumbre de oposição, aumentar a idade de reforma para 67,7 anos.
Isto é, quem tiver entrado no mercado de trabalho em 2018, só terá acesso a uma pensão completa aos 67,7 anos, o que constituirá uma das idades exigidas por lei mais elevadas para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Num quadro de uberização e precarização do emprego e de cada vez maior dificuldade de acesso ao mercado de trabalho por parte de trabalhadores com idades acima dos 50 anos, podemos vislumbrar o que irá suceder a um tal trabalhador quando atingir a sua idade de reforma em ... 2086!!!!
Para se compreender o que está em causa e que acções devem os operários e trabalhadores encetar para defesa dos seus fundos de pensão e reforma há que entender, desde logo, que estes são uma parte do seu salário destinado a garantir a continuidade de consumo de bens após a sua fase activa, ao mesmo tempo que garantem a circulação de capital e a sua valorização.
Os comerciantes não demoraram muito a perceber que um trabalhador não poderia economizar e que, portanto, não poderia consumir, após anos a ser saqueado pelo capital, se não tivesse sido forçado à poupança, isto é, a constituir com o fruto da venda do seu trabalho, os fundos de pensão e reforma.
A guerra a que hoje assistimos, em todo o mundo, em defesa dos fundos e planos dos operários e trabalhadores, é portanto a consequência da falência do sistema económico capitalista e da sua insolvência financeira. Por um lado, os patrões – governo, sectores institucionais e empresariais – elegem cortar
• nos planos de reforma,
• no prolongamento do período de contribuição,
• na redução de benefícios,
• no aumento das contribuições,
para salvar o sistema capitalista. Do outro lado da barricada, os operários e trabalhadores não têm outra escolha senão lutar contra os cortes que já atormentam os aposentados empobrecidos e anunciam pensões e reformas ainda mais mal pagos para aqueles que ainda estáo a trabalhar duramente.
A tendência, a não ser contrariada por uma firme e decidida luta, será para que operários e trabalhadores dos países ditos desenvolvidos venham a ter tanto direito à aposentadoria e reforma como os operários e trabalhadores dos países subdesenvolvidos. O objectivo da burguesia e do seu sistema capitalista e imperialista é a de que a idade da reforma coincida com o ... fim da vida!
A verdadeira questão essencial da reforma das pensões que todos devem compreender é que um plano de reforma é essencialmente um fundo de pensão, ou seja, biliões de euros economizados dos rendimentos dos assalariados. Os fundos de pensão visam colocar esse capital à discrição do Ministro das Finanças, que poderá continuar a endividar o país (como o faz cada ministro das Finanças da União) até que o euro entre em colapso e desvalorize, levando ao endividamento governamental e as prestações de reforma a zeros (apaga-se da ardósia e recomeça-se). Claro que o culpado disto é o modo de produção capitalista.
Não se pode lidar com a questão dos planos de aposentadoria - fundos de pensõese reformas, poupança dos assalariados em última análise - sem ter em conta o estado geral da economia capitalista. Pior, neste mundo globalizado e mundializado, não nos devemos restringir à economia nacional, mas devemos ter em consideração os parâmetros económicos globais, se desejarmos entender o que advém dos sistemas de pensão e do desempenho dos fundos de pensões que lhe estão associados. Não nos deixemos enganar, o interesse obsessivo do Estado nos nossos planos de reforma não significa complacência, antes expõe o seu apetite insaciável por novas fontes de financiamento que deseja obter dos pequenos ganhos - para encher os seus cofres.
O sistema económico capitalista totalmente anárquico está a definhar e os retornos dos investimentos afundam e a crise económica aprofunda-se e eis que os fundos de pensões não estão mais a gerar lucros suficientes para pagar pensões aos aposentados. Pior, o desemprego endémico reduz drasticamente as contribuições colectadas aos empregados, bem como a parte dos salários retirados pelos empregadores e depositados na forma de contribuições para o plano de pensão. Pior ainda, baixas taxas de juros pesam no retorno do investimento. O capital especulativo de mercado (no qual os fundos de pensões participam) está a volatilizar-se e as bolhas financeiras estão a estourar (2008 é o exemplo recente).
É completamente errado afirmar que o prolongamento da vida dos aposentados é uma variável nova, surpreendente e imprevisível. Escribas, especialistas ou não, e demógrafos sabem disso há décadas e os seus cálculos de contribuições dos assalariados para fundos de pensões levam em conta esse parâmetro perfeitamente conhecido e previsível. Os défices hiperbólicos dos fundos de pensão em todo o mundo são causados por duas variáveis independentes.
• Primeiro, o subfinanciamento dos fundos de pensão por empregadores estatais e semi-públicos e por empregadores privados, que deixaram de pagar a sua parte e que hoje gostariam de ver essa dívida perdoada.
• Segundo, as taxas de juro nulas ou negativas que paralisaram os retornos dos investimentos no mercado de acções, criando défices impossíveis de ultrapassar.
A actual crise económica é uma crise de sobre-produção devido ao sub-consumo de mercadorias (bens e serviços). Há muita capacidade de produção, muitas mercadorias em circulação, tendo em conta as capacidades de pagamento dos consumidores cujo salário médio real (depois de a inflação ter sido reduzida) ter caido em todo o mundo ocidental.
Além disso, os períodos de desemprego estão a ficar mais longos, enquanto os períodos de prestação de segurança ao emprego estão a ficar mais curtos. Após o período de desemprego, é a ajuda directa que aguarda a família dos desempregados e uma nova queda no poder de compra e, portanto, ainda menos consumo e mais sobre-produção, donde mais desempregados e menos contribuições para os fundos de reforma.
As diferentes economias capitalistas, particularmente nos países ocidentais, reagiram à queda drástica no poder de compra das famílias, abrindo crédito em abundância, apoiando temporariamente o consumo. Mas a dívida das famílias está a aproximar-se de um tecto irreversível. Os portões da dívida serão fechados em breve pelos banqueiros que já sabem que não poderão recuperar o que emprestaram.
Tudo isso levará a um colapso no consumo, que já está em péssimo estado. E agora, alguns governos europeus – entre os quais o de Costa/Centeno - propõem extrair biliões de euros da esfera do consumidor, o que irá aumentar a massa de capital parasitário inflacionista, não utilizado nas bolsas de valores onde a disponibilidade de capital de risco já é muito alta e onde esse dinheiro servirá apenas para encher a bolha especulativa que sofrerá uma maior desvalorização no dia da implosão do falso sistema de capitalização.
Ou seja, economizar e guardar o dinheiro dos operários e dos trabalhadores num plano de aposentadoria apenas aprofundará a crise sistémica de sobre-produção/sub-consumo e conduzirá a economia ainda mais fundo na depressão, o que minará ainda mais os planos de pensão e o poder de compra dos aposentados.
Uma coisa é certa, no entanto: o dinheiro dos fundos de pensões não é um presente dos patrões ou do estado empregador dado aos assalariados. Fundos de pensões são parte do salário operário economizado, que os trabalhadores reservam para a sua reforma. Eles, e somente eles, devem ter o direito de decidir sobre a administração desses fundos - que o empregador seja estatal ou privado, é sempre o mesmo princípio que se aplica.
A negociação de convenções colectivas ou contratos de trabalho é o momento em que se confrontam os pontos de vista para fixar as modalidades de trabalho, os salários e os acordos de aposentadoria. O Estado não tem legitimidade para abrir unilateralmente as convenções de trabalho para impor novas condições de trabalho, de salário e de reforma aos assalariados.
Nenhum operário ou trabalhador remunerado deve jamais confiar no estado para lhe "dar generosamente" um plano de reforma bom, seguro, bem pago e financiado. Tudo o que o operário ou o trabalhador precisam fazer é investigar os benefícios dos pensionistas para entender que o estado – seja ele qual for - em falência e super-endividado está por todo o lado em modo de "salve-se quem puder" antes que o grande crash bolsista o engula, e não procura senão deitar a mão aos fundos de pensão e reforma dos operários e dos trabalhadores a fim de prolongar a sua agonia financeira.
A batalha pela defesa dos planos de pensão e reforma é uma guerra pela defesa do poder de compra, pela defesa das condições de vida e do trabalho de toda a classe de assalariados. As caixas e fundos de pensão e de reforma pertencem aos assalariados. Esta é uma luta que se tem de travar no quadro da luta mais geral contra a escravatura assalariada e pela destruição do modo de produção capitalista que a sustenta.
Porém, é necessário dizê-lo com absoluta clareza. Os operários e os trabalhadores só alcançarão os seus objectivos se, à frente das suas lutas estiverem organizações e lideranças que não tornem as suas lutas reféns do pântano da concertação social, da conciliação entre classes com interesses antagónicos, como aqueles que opõem o proletariado e os trabalhadores ao grande capital e seus serventuários. Há que ter a coragem de isolar, denunciar e correr com aqueles que mais não têm feito do que vender as suas lutas pelos 30 dinheiros da traição.
09FEV2020
LJ