PAÍS
- Publicado em 01.12.2019
PS e PSD querem a regionalização para não terem de ser escrutinados pelo voto popular
O tema da descentralização e da regionalização veio à baila, uma vez mais, este fim de semana.
António Costa, face ao entendimento que faz de que o povo está seguramente anestesiado pelas “contas certas” do seu executivo e pelas promessas de que vai fazer “mais e melhor”, habilitou-se a preparar o terreno para voltar à carga com o tema da regionalização.
E isso mesmo se comprova, quer pela temática em que assentou o evento, quer pelo discurso de encerramento que fez no XXIV Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), que decorreu na cidade de Vila Real.
Numa jogada de antecipação, no dia anterior, o presidente dos afectos sentiu-se incomodado pelo facto de António Costa ter posto o “carro à frente dos bois”. E veio defender que considera uma falha estratégica do primeiro-ministro ter vindo, segundo ele precipitadamente, colocar o tema no topo da agenda política.
Ao afirmar que uma questão como a regionalização, antes chumbada em referendo pelo povo português, teria de ser de novo referendada se o objectivo é que tal questão venha a merecer o voto favorável dos eleitores, o que Marcelo está a fazer é a alertar o navio comandante do executivo governamental de que está a ir por águas tormentosas e que tem de, rapidamente, mudar a rota para que faça a nau chegar ao porto da regionalização que ambos pretendem.
É claro que Rui Rio e o PSD, mais por tacticismo político do que por convicção programática e ideológica, vieram aplaudir a imagem proposta pelo presidente da república, verberando, igualmente, a estratégia do governo em colocar a “carroça à frente dos bois”
Como veremos, isso não passa de uma estratégia de atirar areia para os olhos dos eleitores que, maioritariamente, chumbaram o anterior referendo sobre a regionalização, pois, quer Marcelo, quer Costa, quer Rio, estão de acordo com ela. Apenas discordam quanto ao modo de repartir o poder no seio das futuras Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR).
Este processo que agora se anunciou no XXIV Congresso da ANMP vem na sequência da apresentação de um relatório feito pela Comissão Independente para a Descentralização, criada em 2018 para avaliar a organização e funções do Estado ao nível regional e intermunicipal, conduzida pelo antigo ministro socialista João Cravinho, relatório onde se sugere um novo referendo sobre a Regionalização, sem que o “alcance regional” seja questionado, e onde se aconselha que o processo seja “sujeito a uma permanente monitorização e avaliação”.
Ora, os portugueses sabem exactamente o que representa “uma permanente monitorização e avaliação” do que quer que seja que os sucessivos governos, sobretudo aqueles onde impera a política de “bloco central” – que junta a fome do PS com a vontade de comer do PSD –, lhes tem proposto.
Tanto assim é que em 1998 deu um rotundo Não ao referendo sobre a regionalização. Foram 60,67% os portugueses que deram uma nega, contra 34,96% que anuiram. Volvidos mais de 20 anos, e crentes de que os portugueses têm a memória curta, PS e PSD, que levaram vários anos a cozinhar um novo acordo para a regionalização, aventuram-se de novo por um caminho que, tudo indica, só servirá para engordar mais uns nababos do PS e do PSD, criar melhores condições para o nepotismo e, sobretudo, mais despesa – e logo mais impostos – para o erário público.
Essa, aliás, é a única resposta que pode resultar da enorme contradição em que assenta o supracitado relatório, bem como as conclusões do XXIV Congresso da ANMP, quando advoga a manutenção das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das áreas metropolitanas, estas últimas “como realidades com identidade específica e com um modelo de gestão distinto do adoptado para as demais áreas urbanas, para resolver os problemas que lhes são próprios”.
O cúmulo do oportunismo vai ao ponto de sugerir que a localização das eventuais futuras Juntas Regionais seja “por razões práticas” – vejam só o requinte – a mesma que a das actuais Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR), devendo as futuras Assembleias Regionais “ter em conta a configuração geográfica de cada uma das regiões numa óptica de equidade territorial, podendo ser tendencialmente fixa ou rotativa”.
A Comissão Independente para a Descentralização ao sugerir a manutenção das Comunidades Intermunicipais (CIM) e das áreas metropolitanas, admite reconhecer-lhes a capacidade de melhor lidar com as realidades com que cada município ou comunidade intermunicipal se depara no terreno. Porquê então persistir num caminho que muitos consideram ser uma duplicação?
Uma das respostas é dada pelo próprio Relatório quando sugere que às futuras regiões administrativas deve ser dada a competência de gerir os fundos europeus estruturais e de investimento. É isso mesmo, o pote é apetecível e PS e PSD já salivam com as oportunidades que a Regionalização lhes poderia aportar.
E, cereja no topo do bolo, todo este manancial financeiro gerido por quem não tem nenhuma legitimidade eleitoral, escapando, portanto, a todo e qualquer escrutínio popular.
Tudo o resto é palha! São palavras para adormecer os incautos. Traduzindo por miúdos, para uma linguagem entendível pelo povo e por quem trabalha, o que se pretende com a regionalização do país, sobrepondo à estrutura autárquica já existente uma rede regional não definida, é que esta “seja mais uma teta da mama para milhares de agentes regionais do PS e do PSD, numa ocasião em que se exige uma reforma administrativa profunda, capaz de poupar despesas ao Estado e tachos para os jagunços e rapazes dos partidos do arco da traição”, como já denunciava o nosso saudoso camarada Arnaldo Matos em 2015.
Tal como em 1998, o povo, se for chamado a novo referendo, não deixará de frustrar, uma vez mais, os intentos desta canalha que, sem dó nem piedade o esmifra até ao tutano – e quer arranjar novas fontes de rendimento para o continuar a esmifrar – todos os recursos que poderiam proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida e uma maior dignidade.
01DEZ2019
LJ