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Ensaio

O capitalismo é a violência!

O que é a violência doméstica? O que define a violência doméstica?
Qual a origem e as consequências da violência doméstica? O que leva a violência doméstica a assumir contornos transcendentes? Quais os dados reais, estatísticas, dos agressores e das vítimas? Qual o papel do Estado, do governo e da lei perante o cenário dantesco que a violência doméstica exerce em Portugal e no mundo?

Estas são algumas das perguntas que devemos procurar responder, porque todos podemos quebrar esta onda de violência, transversal às mais variadas classes/camadas sociais, mas com maior incidência nos meios mais pobres. Tentarei responder o melhor possível e com isso ajudar o leitor a compreender melhor a dimensão do problema.

Antes de tentar responder o mais fiel possível e expor a nu e a cru todas estas respostas, com factos científicos, dados reais baseados em testemunhos verdadeiros de quem lida directamente com os intervenientes do assunto em causa, farei uma breve introdução à qual justamente e devidamente retornarei a ela, no final do artigo.

A alienação, enquanto expropriação da essência, não somente converte o indivíduo num ser alheado da realidade que o rodeia, como envilece a sua personalidade e cunha um comportamento solipsista, egoísta.

Numa relação entre seres sociais subsumidos à condição de coisas onde o afecto, a consideração, e o respeito pelo género humano passam a ser mediados pela barganha, o estado das coisas e pelo estatuto hierárquico, ou seja, passam a ser operados pela mercadoria e o valor, e com isso as relações humanas tornam-se relações reificadas, (valorização excessiva das coisas e da produção em detrimento das pessoas e das relações humanas e sociais) passando a reinar o mais puro individualismo, através da trapaça e da necessidade de competitividade do seu radical humano, pois a única relação que aquele que entificou o fetichismo, e se tornou súbdito do capital, que subitamente sucumbe ao dinheiro, sendo tudo isto natural e intrínseco desde o berço, é então a relação do desfrute, auto-barganhamento do seu ser, marionete da sociedade capitalista e da fome maldita do mais e mais ouro, sem noção e sem chão, lapidando assim um indivíduo de saque, a contragosto da sua força de trabalho para a reprodução e circulação de mercadorias, anulando a reprodução e circulação de valores éticos e morais numa acção virada para a comunidade.

A auto alienação cria um ser desominizado, este ser avarento desumaniza o ser do outro com quem se relaciona e entram numa espiral infinita. A seguinte afirmação de Marx nos seus manuscritos de Paris de 1844 ajudou a estruturar esta introdução. "Cada qual procura impor sobre os outros um poder estranho, de modo a encontrar assim a satisfação da própria necessidade egoísta. Com a multidão de objectos, cresce de forma igual o império das entidades estranhas a que o homem se encontra sujeito. Todo o produto novo constitui uma nova potencialidade de mútuo engano e roubo."

A violência doméstica é um padrão de comportamento que envolve violência ou outro tipo de abuso de uma pessoa contra outra, num contexto doméstico. Tanto pode ocorrer num casamento ou numa união de facto, ou contra crianças ou idosos. Existem vários tipos de violência doméstica, abrangidos pelo código penal, desde os religiosos e económicos, até às agressões físicas, verbais, emocionais e sexuais. Por vezes a violência doméstica provoca a morte, mas na maior parte dos casos provoca a separação ou a ocultação dessa mesma repressão levando o sujeito passivo a uma depressão e a uma vergonha social. A esmagadora maioria das vítimas de violência doméstica são mulheres e susceptíveis de uma violência atroz. Os homens, fruto do estigma social, associado à vitimização masculina também são muitas vezes negligenciados. Algo que de uma forma geral contribui para a manutenção do problema: devido à falta de acompanhamento, escassez de profissionais de saúde que façam a ponte entre os mais diversos órgãos que tomam conhecimento das queixas das vítimas. Falta de articulação e estrutura entre psicólogos, tribunais, segurança social e associações de apoio às vítimas,  estão na base da não resolução de muitos casos.

Em alguns países, cuja religião ainda assume um papel preponderante a nível social, para a infidelidade (no caso da mulher), a violência é vista como justificável. Por cá já tivemos um exemplo semelhante como foi o caso do cabrão do juiz Neto de Moura, que cobardemente até mudou de nome. Citou a bíblia, o energúmeno.  Nem a mulher nem ninguém tem que ser subserviente, mas não é fácil.

Sermos reféns de nós próprios é tão mau como sermos reféns de ideias, conceitos ou do agressor. Muitas vezes a culpabilização das vítimas não facilita o trabalho dos magistrados nem dos psicólogos. Tal facto podia ser contrabalançado com uma maior assistência no terreno ou com medidas precoces de prevenção eficaz nas escolas, construindo uma elevação das mentalidades neste campo, até como a própria denúncia feita por terceiros.

A violência doméstica é um dos crimes que é menos declarado em todo o mundo. A vergonha, o medo e a exposição estão na origem dessa subordinação. É perverso e assustador pensar que somos vítimas da sociedade, sermos useiro e vezeiro tantas vezes de tantas coisas que reincidem sobre nós. A investigação tem confirmado que existe uma correlação directa entre o nível de igualdade de género de um país e a prevalência de violência doméstica.

Por vezes o abusador, quem pratica o crime, acredita que o seu abuso é aceitável. No cerne dessa posição podem estar várias questões, doenças mentais, ciclos de abuso intergeracionais, traumas ou vinganças. Alguns agressores não reconhecem a culpa, ou por não terem noção ou por suprimirem a responsabilidade dos seus actos em detrimento da ilibação que lhes pode ser concedida.

A percepção, a consciencialização e a definição são atributos subjectivos aos actos. Os agressores também sofrem, por mais que custe encarar é uma realidade. Claro está que a vítima sofre mais, sente-se encurralada, isolada, sem poder nem controlo, não aceite social e culturalmente, o medo excessivo e a escassez de recursos financeiros, mais a vergonha perante familiares, nomeadamente os filhos e a necessidade de os proteger, estão na ordem do dia para protelar a situação.

Convém não esquecer a consequência dos abusos. As vítimas podem desenvolver incapacidades físicas, problemas de saúde crónicos, incapacidade de voltar a criar relações afectivas e perturbações de stress pós traumático. Muitos agressores e muitas vítimas advêm de famílias destruturadas, destruídas, ou de lares sem o devido acolhimento afectivo. A agressividade latente na infância ajuda a perpetuar o ciclo de violência na idade de adulta.

Quem se lembra disso no momento de uma decisão política? Quem se lembra ou tem conhecimento disso numa decisão em tribunal? Quem noticia isso em jeito de apelo e alerta social? Pouquíssimas pessoas. Os profissionais activos, procuradores, polícias, psicólogos e médicos são os primeiros a criticar os colegas de profissão, destacando que os direitos humanos ainda não estão enraizados, e que muitos perdem a hipótese de salvar vidas, culminando numa crítica feroz à sociedade como sendo condescendente com a violência doméstica.

Ainda em Portugal, o observatório das rachadas da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta), que publica todos os anos os dados de mulheres assassinadas, destaca que Portugal foi dos países que mais medidas implementou no sentido de assegurar a proteção às vítimas de violência doméstica. Não nos podemos iludir quanto a esta notícia. Se por um lado temos profissionais de saúde e da justiça a designar este problema como brando na forma como é encarado pela sociedade, por outro temos o observatório de mulheres assassinadas a valorizar o trabalho que se tem vindo a realizar em Portugal.

Ambas as visões e leituras são pertinentes, verosímeis e factuais. Mas o aumento ou diminuição de casos, sejam denúncias ou assassinatos, não traduz inteiramente nem determina o problema embrionário associado à opressão de alguém sobre outro alguém. Ora vejamos,  durante o período de confinamento obrigatório, o número de femicídios diminuiu devido ao medo de algumas mulheres, o esforço para serem mais complacentes em relação às exigências do agressor. Ou seja, deparamo-nos com uma estratégia de sobrevivência. Um aditamento do conflito severo. Ainda assim morreram quatro mulheres.

A violência doméstica tem várias vestes, comumente associada à agressão física, é também realçada através da pressão sexual, psicológica e económica. Essa violência silenciosa e escamoteada é na maior parte dos casos mais grave do que a física. Impõe um prolongamento da dor mais difícil para a vítima de assumir, perceber e aceitar que está num beco sem saída.

Por sua vez o agressor tem um papel mais maquiavélico, uma função mais monopolizadora, mais esquemático no seu domínio do oprimido. É um cobarde e fraco de espírito. A maioria desses casos não saem do casulo e assim permanecem na toca até à chegada da próxima presa. Nestes casos, após a tomada da consciência da vítima, compete à própria e aos elementos mais próximos denunciar esta situação, também ela punível pela lei.

Porque a violência psicológica pode deixar marcas para a vida, não deixem de denunciar e ajudar quem conhecem em casos semelhantes. O desprezo, a ausência de colaboração nas tarefas e o afastamento da família são outras formas de violência, pese embora serem mais leves, não deixam de ser pesadas e com dimensões extenuantes e sufocantes para as vítimas, apesar do lado discreto, de soslaio e disfarçado que os ditos culpados exercem.

Fracos e reles. Esse abuso psicológico é o início e é o fim. Reparem: a ameaça, intimidação, comparação, a mentira, por meio de coação e ameaças debilitam a vítima, tiram o riso, a espontaneidade e a liberdade e a auto estima. É hora de acordar! E confrontar esses ratos. Tais situações podem desenvolver problemas de alcoolismo, toxicodependência, distúrbios alimentares e suicídio.
 
O abuso económico é igualmente preocupante e macabro. E dos principais trampolins para alavancar as ramificações da violência doméstica. Em concreto, diminui a capacidade de sustento da vítima, boicota o estudo/ensino, o emprego, progressão na carreira e aquisição de bens, culminando na supressão de decisões conjuntas e individuais. Podemos incluir o direito à herança, as diferenças salariais e o estatuto social como outras particularidades eminentes na catapulta da violência.

Até meados do século XIX, a maior parte dos códigos jurídicos consideravam que a violência contra a mulher era um exercício de autoridade legítimo por parte do marido.

As convulsões políticas e sociais na segunda metade do século, e principalmente o aparecimento de movimentos feministas, estiveram na origem de alterações significativas na opinião popular e na legislação sobre violência doméstica. Os movimentos sociais são um meio de transformar os velhos paradigmas. Mas só uma revolução comunista fará cair este problema perpetrado no mundo.

Não nos esqueçamos que a escravatura, a exploração infantil e a prostituição têm séculos e ainda são parte integrante da sociedade capitalista em que estamos inseridos. Historicamente, num brevíssimo resumo e análise, os pressupostos da violência doméstica têm uma origem, são conhecidos desde a sociedade primitiva onde o adultério e o incesto eram vistos como normalidade por conta dos líderes das tribos; na sociedade feudal com a força do clero, detentor do poder, foram implementados e evocadas diversas regras e pecados, desfazendo e contrariando aquilo que a natureza tinha erigido.

"Deus para felicidade do homem criou a fé e o amor, o diabo invejoso fez confundir fé com religião e amor com casamento". Machado de Assis. Este "Deus" é a natureza, e este diabo são as pessoas, a religião. Os costumes e tradições inseridos e aliados aos factores sociais e religiosos, também foram contribuindo ao longo dos tempos para diferentes formas de violência doméstica: factores de ordem cultural, rituais de integração, a escravatura nas suas mais variadas vertentes, entre outros, foram e ainda são em alguns países metamorfoses de violência doméstica, que tanto abrangem crianças como adultos. Como sempre, a história da luta de classes.

As principais causas que são apontadas para a origem da violência doméstica são o desemprego, o abuso de substâncias, o isolamento, problemas de saúde mental, fragilidade emocional e estes factores servem para o agressor como para a vítima. Um dos principais motivos que levam um indivíduo a tornar-se um potencial agressor está relacionado com maus tratos na infância, ou uma vítima a encarar como normal por ter assistido a episódios de violência enquanto criança.

Outra das causas são psicológicas, como os traços de personalidade associados a explosões súbitas de raiva, impulsos descontrolados e baixa auto estima. A agressividade é desencadeada por contextos em que o agressor sente o seu estatuto ameaçado, casos de desconfiança de uma relação extra conjugal ou ser menos bem sucedido em termos financeiros.

A parte social também contribui activamente para uma moldura de violência no seio familiar. Por exemplo nas famílias em situação de precariedade económica aumentam mais facilmente os conflitos e a tensão.

As principais consequências são físicas, psicológicas, financeiras e familiares. Desde lesões na cabeça, hemorragias, aborto espontâneo, morte do feto, dores de cabeça devido à irritabilidade, vírus da Sida devido à ausência de sexo seguro, ou outras doenças sexualmente transmissíveis; depressão, ansiedade, pânico, pesadelos, culminando em necessidade de recorrer a psicoterapia e psiquiatria; castração de emprego, boicote ao desempenho laboral, controlo das contas, manipulação do salário/dinheiro; impacto negativo nas crianças/filhos, medo de socialização, perturbações mentais, problemas de atitude e cognição, insegurança emocional, leviandade, conservadorismo, inibição, exposição excessiva ou privação de liberdade.

De facto é uma merda. Este é um pequeno retrato do que acontece. O sistema capitalista está moribundo. As respostas não são suficientes, os recursos escassos, a estrutura de apoio falível. Os governos não querem saber como aparentemente fazem crer, com a criação de associações, grupos de apoio, programas de reinserção, notícias rápidas misturadas com futebol, e uns documentários soltos antes da novela.

Assim se tratam os problemas reais. Mas não é connosco, "que se foda, é com os outros". Eu apelo a que todos possam ir além das palavras, e se coloquem no lugar dos intervenientes das acções aqui descritas e na realidade vividas por pessoas tão próximas que nem imaginamos. Ou, mesmo que distantes, que não olhemos somente para o nosso umbigo. A violência passa pela não oposição imediata e com efeitos práticos em relação à resolução de um problema.

Chama-se desprezo, que não deixa de ser outra forma de violência. Pequenas guerras, dentro de um país, de uma cidade, de uma terra, de uma casa, de um quarto. Disputas de terras, obrigação de entrar na dança do vai e vem forçada, discussões de heranças, formas de educar antagónicas, pressão social e familiar, uma série de factores indissociáveis do actual panorama da sociedade competitiva, de consumo rápido e capitalista, e assim continuamos a remar rumo à decadência civilizacional.

A autoridade e o autoritarismo são conceitos confusos resultantes do absolutismo, nepotismo, despotismo e do próprio autoritarismo vigente nos líderes dos governos, nos patrões das fábricas, nos directores de araque e nos chefes de passagem. Enquanto continuarem a existir hierarquias, distinções de classe, haverão sempre subordinados, o que em termos abstractos vai reflectir-se no quotidiano das pessoas nas mais variadas áreas, sejam de carácter pessoal ou profissional.

Apenas a instauração do modo de produção comunista deitará por terra este quadro de violência constante, sem início de tempo e sem fim à vista. Uma sociedade sem classes findará este dilúvio e caos lançado pelo homem depauperado, exaurido e sucumbido pelos cordéis do capitalismo.

Os homens estão reclusos a uma redoma de vidro outorgada pelo capital. Para que estes rompam as suas prisões e apanhem a flor viva da liberdade plena, como se utilizou do aforisma, Marx, no seu livro A Sagrada Família, é necessário que este homem, enquanto totalidade da sua classe, volte o seu furor e ímpeto agonístico, contra as relações de produção que o excluem e o tornam um rebotalho vil e estranhado em vida civil. Essas sim, na origem das múltiplas formas de violência que identificamos. Vamos construir o comunismo e fazer a revolução para acabar de uma vez por todas com a violência?

19Nov2020

Benjamin

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