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Ensaio

E SE TENTÁSSEMOS

País de tontos ou país de espertalhões?
Talvez nem uma coisa nem outra. Mundo de loucos é que é, e pronto.
O interior.
As coisas, os espaços, as pessoas e tudo o mais, inclusive, e quiçá, o mais importante, as emoções.
Ao critério de cada um e de seu livre arbítrio, deixo essa parcela de todos nós, indecifrável individual e só relativamente partilhada, quando as reacções de cada um têm um impacto comum, como por exemplo uma trovoada, um susto, uma morte de amigo ou coisa inesperada, seja ela boa ou má.
Com este mini intróito faço o pré aquecimento para a tarefa de descrever um velho sonho, que com o passar dos anos se vem transformando num pesadelo e que consiste na criação de “lares de proximidade” com todos os concelhos do país.
Nasci na Beira Baixa, num alto cerro sobranceiro ao Tejo, numa aldeia do concelho de Mação. Numa terriola querida que foi o meu berço e a minha universidade, herdei dos meus pai e tio, alguns bocados de terreno que já foram de semeadura, tal como os demais, por este Portugal atirado às urtigas. Tenho também oliveiras, ou o que delas resta, um palheiro que já foi abrigo de ferramentas, pastos, sementes e animais. Tenho ainda mato, pinheiro e baldios que compõem aproximadamente seis ou sete hectares.
Jogo no euromilhões e toda a gente da minha família, da minha rua e das redondezas onde moro, aqui, já com a sombra da Arrábida por perto, mas sempre junto ao Tejo, como dizia, toda a gente sabe o que venho declarando em voz alta, que se me saísse quantia profícua, construiria em Ortiga, onde nasci, o primeiro lar, em que as pessoas que tivessem perdido a sua capacidade de trabalho. Pudessem, no resto do tempo que por cá irão andar, continuar a fazer o que sabem e sempre fizeram, ao invés de serem atirados, como quem atira um seixo num charco, entediados, numa existência desumana, cruel e odiosa.
Assim, teríamos um lar com todas as valências físicas e humanas necessárias, onde nada fosse mais alto que um rés-do-chão e onde todos os residentes pudessem colaborar nas diversas tarefas daquela casa. Haveria oficinas de manutenção, carpintaria, serralharia, construção e reparação de instrumentos musicais, pastorícia, criação de aves de capoeira, lavandaria, padaria, costura, sapateiro, aulas de música e ensino do básico ao superior, desporto, agricultura e jardinagem e outras que aqui me escapam.
Neste meu sonho, tudo pode acontecer. Há terreno doado, há gente e conhecimento. Todos aprendem, todos ensinam. Não seria interessante, ver um velho e respeitado catedrático a sentir o prazer de dar de comer às galinhas ou a descarolar milho?
Certamente que tal lar iria mexer com interesses instalados. As chamadas instituições que, encapotadas por caridadezinhas, vivem à custa da miséria, não veriam com bons olhos uma tal conjugação comunitária.
Que resultados poderíamos retirar deste lar sonhado?
Primeiramente o exemplo.
Segundo a economia.
Terceiro a nossa identidade local, regional e nacional, mas acima de tudo o repovoamento.
O repovoamento resultante da relação do lar com terceiros.
A este sonho acrescenta-se um outro que o complementará. Que em cada freguesia, de cada concelho do interior deste belo país, que constitui mais de 80% do território continental, fossem oferecidos a casais jovens casas a recuperar e terrenos para novas explorações agro-pecuárias e para as tradicionais. É de prever que num concelho com cinco freguesias poderiam ser acolhidos cem casais e teríamos duzentas pessoas a trazer vida e a acrescentar valor ao país.
Calculo que não será um exagero admitir que em 2030, teríamos em cada concelho abrangido, duzentas crianças e que as mais velhas estariam perto dos dez anos. As escolas abandonadas estariam de novo activas, os javalis, esses recuariam e os eucaliptos teriam refreado o seu galopante domínio.
É um sonho, mas é lindo, não é? O terreno está prometido senhores autarcas, pensem no assunto se forem capazes. Que cada um pense no privilégio e na honra de ter sido o primeiro. E já agora, a talho de foice. Os senhores amanhã também serão velhos, por conseguinte é malhar no ferro enquanto está quente e os lares são tão frios, que mais parecem casas mortuárias.

Leonel Eusébio Coelho

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