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EDITORIAL

Honra ao Camarada João Camacho!

Arnaldo Matos

Morreu terça-feira passada, ao fim da tarde, em Lisboa, no termo de uma grave e prolongada doença heroicamente suportada, o camarada João Cruz Morais Camacho, membro do Comité Central e fundador do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (PCTP/MRPP), no Congresso de 26 de Dezembro de 1976, na Voz do Operário.

Tinha 74 anos de idade, nascido em Lisboa, na freguesia do Socorro, em 12 de Dezembro de 1943. Para verdadeiro desespero do autor destas linhas, da camarada Cidália Guerreiro e do camarada Carlos Paisana, ficámos os três retidos em trabalho na ilha da Madeira durante três dias por um temporal atlântico, sem aviões que nos trouxessem ao continente, e não pudemos, como ansiávamos todos, prestar pessoalmente as nossas homenagens nem acompanhar o nosso querido camarada à sua última morada.

Distinguiu-se João Camacho em toda a sua vida como um combatente comunista indomável, dotado de uma inigualável coragem física, intelectual, política e moral, homem inteligente e culto, que começou desde muito novo por se distinguir na actividade editorial e livreira, em especial na edição e divulgação de obras e textos marxistas-leninistas, à época proibidos de serem editados, vendidos ou até lidos em Portugal, onde se vivia sob a atroz ditadura fascista de Salazar e de Caetano.

Antes do 25 de Abril, João Camacho trabalhou como empregado nas prestigiosas livrarias Portugal e Morais Editora, ambas no caminho do Chiado, e já como membro clandestino do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado – MRPP- par-ticipou, com um numeroso grupo de combatentes católicos e de estudantes e trabalhadores antifascistas e anticolonialistas, na célebre vigília contra a guerra colonial na Capela do Rato, em Lisboa, no dia 31 de Dezembro de 1972, data e local onde foi preso e brutalmente espancado pela Pide.

Em 1975, militando sempre no nosso Partido, Camacho foi alvejado pelas tropas do Copcon, sob a direcção de Otelo Saraiva de Carvalho e outros militares do MFA afectos ao partido dito comunista de Barreirinhas Cunhal, com uma rajada de espingarda-metralhadora G3 que lhe cravou uma bala no crânio, durante uma manifestação popular em Caxias pela libertação de 424 homens e mulheres, militantes e simpatizantes do MRPP, entre os quais me contava, presos nas sedes do Partido, assaltadas de norte a sul do País pelas tropas do mesmo Copcon.

Ainda antes do 25 de Abril de 1974, Viriato (pseudónimo mais conhecido de João Cruz Morais Camacho) fundou, em nome do Partido (MRPP), a Editora Maria da Fonte, que publicou então os célebres Cadernos Maria da Fonte, os quais contribuíram poderosamente para a formação teórica e ideológica do proletariado, da juventude e dos revolucionários portugueses; e, logo após aquela data, a editora Nova Aurora, que se notabilizou por editar e divulgar os principais textos teóricos de Marx, Engels e Lenine, em Portugal.

João Camacho foi ainda livreiro, desde a respectiva abertura, da livraria da resistência antifascista Ler, em Campo de Ourique, e abriu ainda a livraria Guernica, na Rua das Chagas, em Lisboa. A actividade revolucionária de editor e de livreiro que caracterizam a vida e a luta de João Camacho, em condições políticas e económicas extremamente difíceis, e sempre com o objectivo de dar a ler aos operários as obras revolucionárias que lhes cumpria ler, fazem de João Camacho um caso único de editor e livreiro em toda a Europa. Trabalhando e lutando, muito embora num país pequeno como Portugal, Camacho não ficaria todavia atrás de Feltrinelli, em Itália, e de Maspero, em França, a não ser apenas pelo menor volume de capital envolvido.

Militante do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado e, mais tarde, congressista no Congresso da Fundação do Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, o camarada Viriato esteve sempre na primeira linha do combate à ditadura fascista e colonialista de Salazar e Caetano, bem como na primeira linha da luta contra o imperialismo ianque e o social-fascismo e social-imperialismo revisionista soviético, tendo ficado às portas da morte pelos graves ferimentos que recebeu das forças reaccionárias das tropas de Copcon.

Quando foi atingido a tiro, já militava, dirigia e fundara a editora do Partido – a Vento de Leste – onde se destacou, entre outras tarefas, na tarefa da edição, publicação e venda do Volume V das Obras Escolhidas de Mao Tsé-tung, e integrou mais tarde a Direcção da Associação de Amizade Portugal-China e, mais recentemente, a Associação de Amizade Portugal-Timor Lorosae.

João Camacho participou comigo na tradução e edição do Manifesto do Partido Comunista,de Marx e Engels, editado há dois anos pela Editora Bandeira Vermelha do Partido, e, apesar de gravemente doente, foi um dos nossos militantes mais entusiastas na luta contra o liquidacionismo e os liquidacionistas.

Assim que viu irremediavelmente detectada a sua grave e incurável doença, João Camacho não se deixou abater pelo infortúnio, antes cerrou punhos e dentes para lutar contra a enfermidade que o atacava e para cumprir com vigor e determinação as suas tarefas de comunista no seu Partido de sempre.

A conduta e o empenho do camarada João Camacho, numa ocasião tão difícil da sua vida, constituíram um exemplo para todos nós. Tanto quanto lhe foi possível, Camacho ajudou os camaradas do Maciço Central nas suas tarefas e participou activamente no Encontro da Urgeiriça, filmando e fotografando a reunião e colaborando na difusão das Teses aí discutidas sobre a nova visão da Revolução de Outubro e do carácter político de classe dessa revolução.

Conhecidas as Teses da Urgeiriça, Camacho ajudou a organizar a série de conferências que marcaram o ano de 2017, ano do centenário da Revolução de Outubro de 1917 na Rússia czarista, filmando, fotografando e contribuindo para a respectiva divulgação.

No mês de Abril seguinte, João Camacho deslocou-se aos Açores, integrado na Brigada do Partido que organizou e realizou o I Congresso Regional dos Comunistas Açorianos, correndo sob a sua direcção a gravação do filme e das fotografias do Congresso.

Em duas deslocações que fez a Paris nos anos de 2016 e 2017, o camarada João Camacho adquiriu e ofereceu ao Partido uma colecção de filmes de Eisenstein, incluindo o Couraçado de Potemkin, que foram projectados na Sede da Avenida do Brasil em Lisboa e obtiveram um enorme sucesso e assinalável concorrência de público.

Na ocasião da sua morte, Camacho trabalhava na organização das aulas de estudo do Marxismo, que irão ser levadas a cabo em Lisboa, agora sob o nome de Universidade João Camacho.

O homem que agora nos deixou foi também um grande poeta revolucionário como todos puderam certamente verificar pela leitura da colecção de poemas que dele temos vindo regularmente a publicar nos últimos dois anos no Luta Popular Online, órgão central do nosso Partido.

João Camacho deixa uma filha, Ana Sofia, e estava casado com Lurdes Camacho, às quais, em nome do Comité Central do Partido e de todos os seus militantes, apresento profundas e sentidas condolências e expresso a nossa solidariedade de comunistas. Os operários, os comunistas e o seu Partido muito devem ao camarada João Cruz Morais Camacho e jamais o esquecerão!

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