EDITORIAL
Onde Pára o Crédito Mal-Parado?
Por definição, um crédito mal-parado está parado, ainda que mal, nalgum lugar. A questão que todo o cidadão levanta, quando houve falar em crédito mal-parado, é pois esta: se está mal-parado, porque é que a procuradora-geral da República e os serviços do Ministério Público não se mexem para encontrar esse crédito, restituí-lo aos bancos e ao erário nacional e meter na cadeia, mediante o adequado julgamento, os responsáveis pelo desvio e mal-paragem desses créditos?
A investigação é aliás simplérrima e está ao alcance de qualquer agente do ministério público mesmo que semi-alfabetizado, como aqueles que grassam actualmente nas praças da nossa justiça: estão nos bancos de origem os contratos de crédito celebrados e os registos dos movimentos individuais do crédito; é só seguir essas verbas e registos, até ao momento em que elas vão parar ao bolso errado e ficam pois na situação de mal-paradas. Aí chegados, trata-se de recuperar os dinheiros do crédito concedido, expropriar os bens dos gatunos envolvidos na operação e levá-los à cadeia.
É, no fundo, uma coisa tão simples que até enoja perguntar por que razão o ministério público e a procuradoria-geral da república nada fazem. O nosso ministério público e a nossa procuradoria-geral da República estão razoavelmente treinados para apanhar pilhas-galinhas esfomeados e carteiristas desempregados, mas até hoje não deitaram a mão a um único ladrão do crédito mal-parado.
O Banco Internacional do Funchal – o Banif de Horácio Roque – foi à falência por causa do crédito mal-parado. Não há na Região Autónoma da Madeira um único madeirense mesmo semi-letrado, com a gloriosa excepção dos agentes do ministério público local, que não conheça o frenesim esquizofrénico dos créditos concedidos pelas derradeiras administrações do Banif, sem qualquer espécie de garantia minimamente sólida, aos grandes capitalistas da Região, muitos deles accionistas do próprio banco, que os fizeram mal-parar onde melhor lhes convinha, cientes de que o Estado e o Banco de Portugal resolveriam o caso à medida dos interesses dos credores muito bem-parados.
Quando a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – a Tróica, em suma – tomaram conta de Portugal em 2011, obrigaram a que uma parte, no montante de 18 mil milhões de euros, do empréstimo então concedido para pagar as divídas do País aos bancos alemães, franceses, ingleses e americanos, fosse reservada para a consolidação financeira dos bancos portugueses, os quais, com a política da dívida, ficaram praticamente falidos. Desses 18 mil milhões de euros – que os trabalhadores portugueses têm estado a pagar com cortes salariais, redução de pensões, eliminação dos subsídios de desemprego, aumento da jornada de trabalho e agravamento dos impostos – já nada resta que possa ser utilizado para evitar a falência da Caixa Geral de Depósitos, e quase tudo desapareceu na resolução das insolvências criminosas do Banco Português de Negócios (BPN), da família política cavaquista, do Banco Privado Português (BPP), da resolução das falências do Banco Espirito Santo (BES) e do Banif, e com os reforços da capitalização do Banco Comercial Português (BCP) e do Banco Português de Investimento (BPI).
Tendo desaparecido no sorvedouro incontrolável da banca portuguesa aqueles 18 mil milhões de euros para recuperar a capitalização dos nossos bancos, eis que se fica a saber que, nos últimos cinco anos – desde o começo do governo de traição nacional Coelho/Portas até hoje – a Caixa Geral de Depósitos, o Novo Banco, o BCP e o BPI acumularam, na concessão de créditos, um prejuízo de 17 mil milhões de euros…
Só a Caixa Geral de Depósitos perdeu seis mil milhões de euros em investimentos financeiros e empréstimos concedidos que, na linguagem dos bandidos irresponsáveis que estiveram e estão ainda à frente da administração da Caixa, se revelaram um “mau negócio”, um “empréstimo incobrável”, uma “imparidade” e outros eufemismos, para esconder o facto incontestável de que estamos perante uma corja de bandidos organizada no roubo da nação, através dos sofismas do crédito mal-parado.
E note-se que é a mesma corja de bandidos que, na concessão de um crédito para aquisição de casa própria por um trabalhador, exige todas as espécies de garantias, possíveis e imagináveis, para acautelar o pagamento do empréstimo, desde a penhora do andar ao seguro de vida do adquirente, e que, quando se trata de capitalistas a solicitar crédito, o concedem sem assegurar o mínimo de garantias pelo empréstimo.
Essa canalha não empresta; essa canalha distribui dinheiros públicos e privados pelos amigos e fica com a parte a que se julga com direito.
Os créditos mal-parados só estão mal parados para o erário público e para o orçamento geral do Estado, pois é exactamente aí onde, ao fim e ao cabo, as imparidades vão todas imparavelmente parar.
Porque, para os administradores dos bancos, que os concedem, e para os capitalistas, que os solicitam, os créditos mal-parados são o mais escandaloso mas também o mais lucrativo negócio que a gatunagem dos grandes capitalistas e dos administradores dos bancos, seus lacaios, pratica em Portugal.
Um banco público, como a Caixa Geral de Depósitos, está falido porque os administradores que os sucessivos governos lá puseram estão lá para entregarem os dinheiros públicos aos capitalistas privados, cobrando deles a maquia do negócio.
O crédito mal-parado e as falências bancárias são casos de polícia. Mas não há polícia, nem ministério público, nem procuradoria-geral da República capaz de levar ao Pretório esta corja de gatunos.
E na assembleia da república, onde palram os papagaios do sistema, ninguém se põe de acordo para eleger e constituir uma comissão especial para averiguar o que se passou na Caixa Geral de Depósitos, pois uma tal comissão teria de concluir pela denúncia da situação da falência do único banco público português, e porque entendem que é preciso esconder isso ao país, manobra criminosa com que estavam todos de acordo desde o papagaio Louçã ao papagaio Jerónimo, desde o Bloco ao CDS e do PEV ao PSD.
Afinal para que serve a assembleia da república, se não for para denunciar a verdadeira situação da Caixa Geral de Depósitos? Tudo se encaminha, em Belém e São Bento, para fazer da Caixa Geral de Depósitos o segundo Caso BES português!
21.06.2016
Arnaldo Matos