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Conto

Campos Verdes

camposverdesCaminhou pela viela ladeada de muros de pedra e silvas. Foi para esta terra que veio muitos anos atrás e por cá se quedou entre os campos e a cidade, nesta serenidade de aldeia onde o cheiro de água- choca das fossas espalhada pelos campos se mistura com o do gasóleo dos carros.

A viela é como uma aguarela que nenhum pintor pintou e o poeta nela não se inspirou para lavrar os seus versos. Antiga e estreita, pela qual em tempos passaram os carros agrícolas puxados por juntas de bois, carregados de milho, trigo, erva e palha. Por ela passam agora automóveis que encolhem os espelhos laterais para caberem, e quando alguém vai a passar ou recua o carro ou recua a pessoa. De ambos os lados têm campos. Os muros estão cobertos por musgos, líquenes, heras e ervas. Junto aos muros as velhas videiras estendidas sobre as ramadas. Para além da viela e de estes extensos campos verdes é o asfalto, as vivendas e apartamentos com a zona industrial ao fundo. A serenidade acaba, o chilrear dos pássaros dá lugar ao ruído das buzinas dos carros.

Operários e trabalhadores correm tentando ser mais rápidos que o ponteiro dos segundos do relógio, e à hora do almoço, os cafés enchem- se de gente apressada comendo o prato do dia. Mas aqui, no meio deste milharal, é o silêncio quase que fúnebre que impera. É como se estivéssemos isolados do mundo na doçura destes ares campestres.

Destes campos verdes saiu outrora o linho de que foram feitas as velas das caravelas que partiram por esse Oceano fora em busca de outras terras e povos.

Alfredo, homem ainda novo, magro, de estatura média, operário serralheiro, sentou- se numa pedra, olhando com esperança estes campos onde é proibido semear neste país que os Migueis de Vasconcelos venderam.
- Isto vai mudar. Tem que mudar! – Dizia para si mesmo.

Estes campos foram sempre de grande fartura. Terra fecunda, bem arada e bem regada, tudo fornecia: o vinho, o azeite, o milho, o trigo, as batatas, o feijão, a fruta…

O seu pensamento foi interrompido pelos passos da tia Adelaide que se aproximava, com os seus oitenta e três anos, apoiada na bengala.

- Bom dia! – Saudou.
- Bom dia! – Retribuiu o Alfredo.
- É uma pena, não é, ver estes campos a monte? – Interrogou ela em jeito de desabafo.
Trabalhei muito por aqui. Foi nestes campos, de tanta erva, milho e trigo segar, que acabei por ficar com a coluna toda torta. No meu tempo era tudo segado com a foicinha. Muitas horas sem poder levantar a espinha. Agora está tudo a monte. Portugal não devia ter aderido à União Europeia. Eles não deixam o povo cultivar.

Alfredo levantou- se e admirado com a lucidez da tia Adelaide deixou- a continuar a falar enquanto caminhavam.
- Impuseram o Euro, mas estávamos melhor com o escudo. Era o nosso dinheiro, não acha?
O Alfredo acenou a cabeça em sinal de concordância.
Estavam agora na estrada de asfalto. A casa da tia Adelaide era logo ali, à saída da viela. Uma pequena casa onde nasceram e criou os filhos. A neta, que brincava no quintal, correu para ela e foi com a neta já agarrada à sua saia que se despediu do Alfredo.

15-10-2015

Valentim




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