CampanhaFundos202206

IBAN PT50003502020003702663054   NIB 003502020003702663054

PAÍS

“Reestruturar” ou repudiar a dívida?

nao pagamosDecorreu no passado sábado, dia 19 de Janeiro, o 1º Encontro da IAC (Iniciativa para uma Auditoria Cidadã) sobre a dívida pública. Dos oradores anunciados, os que mais interessaria ouvir, até porque defendem que a auditoria à dívida, quer nos seus países – quer em todos aqueles em que se coloque a questão – deve ser acompanhada de uma exigência da suspensão do pagamento da dívida e do serviço da dívida, um deles, Nick Dearden, não pôde estar presente, tendo a organização atribuido esse facto ao mau tempo que se registou no dia de sábado em todo o país. Mas, Eric Toussaint, apesar de mais tarde do que estava anunciado, interveio para voltar a insistir no que já tinha defendido o ano passado no cinema S. Jorge.

Isto é, que a dívida é uma fraude e que"Pagar ou não pagar a parte ilegítima da dívida deve ser um tema central". Paradigmático de que as “dívidas soberanas” são meros instrumentos através das quais o imperialismo germânico procura dominar e subjugar os povos dos países que constituem os “elos mais fracos do sistema capitalista” na Europa, é o exemplo que deu da Grécia, país que “beneficiou” recentemente da “reestruturação” da dívida, mas que nem por isso o seu povo deixou de ser vítima de um roubo, referindo que "…em março de 2012, a relação da dívida com o PIB era de 160%” e que “... segundo o FMI, em 2013, depois de um ano de 'redução da dívida', ela representará 182% do PIB grego. Quer dizer que a dívida aumentou e passou dos bancos privados para a troika", acrescentou Toussaint.

Coordenador do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (anulação e não “reestruturação” ou “renegociação”), Eric Toussaint deu inúmeros exemplos na história recente que provam que "todas as reduções radicais da dívida foram resultado do acto unilateral por parte de um país endividado", sendo as únicas excepções a esta regra, sintomáticamente, os países que estavam sob a esfera de influência dos EUA, como a Polónia – após o desmantelamento da União Soviética – e o Egipto durante a crise do Golfo, concluindo que "os povos europeus não podem esperar da troika uma reestruturação justa e aceitável".

Considerando que a auditoria cidadã não deve ser encarada como “um exercício apenas intelectual para demonstrar o que a dívida significa, mas um instrumento para mobilizar as pessoas”,Éric Toussaint reforçou a ideia que já tinha defendido no Cinema S. Jorge o ano passado, de que auditoria cidadã da dívida devia ser encarada, quer como um "instrumento para consciencializar e mobilizar o povo contra as políticas antisociais e a dívida ilegítima", quer para "conseguir uma interrupção do pagamento, obrigando os credores a assumir as perdas, ou repudiando a parte ilegítima da dívida".

O certo é que a “doutrinação” em torno da estratégia da “reestruturação” e da “renegociação” da dívida, para além de continuar a ser a bíblia da IAC, tão cara ao BE (estava presente na assistência, para além da Francisco Louçã, um significativo número de elementos da direcção do BE), se tornou mais evidente neste “encontro nacional”, fazendo ouvidos de mercador ao que Eric Toussaint, que neste Encontro reafirmou propostas que já tinha defendido, tal como Maria Lucia Fattorelli, no ano passado, na Convenção da IAC que teve lugar no Cinema S. Jorge, em Lisboa.

Bem pode Castro Caldas aventar tímidamente a hipótese da saída de Portugal do euro, que tal projecto é imediatamente contrariado pela agenda proposta pela IAC, nomeadamente a “exigência” dirigida ao governo PSD/CDS da criação de uma “Comissão” para auditar a dívida. Para deitar areia para os olhos do povo que já afirmou, vezes sem conta, que não está disposto a pagar uma dívida que não contraiu, defende agora a IAC que o governo, para além de formar a tal “Comissão” para auditar a dívida, deve“exigir” uma “moratória” para o pagamento dos juros. Mas a dívida, essa, é para pagar! O oportunismo desta gente não tem limites. Por isso a direcção da IAC foge como o diabo da cruz a perguntas tão simples como: qual é a parte da dívida que é “legítima”? O povo português deve pagar a dívida?

É precisamente porque não querem ser confrontados com este tipo de questões, que a organização do “1º Encontro” e a direcção da IAC, tudo fizeram para que o debate democrático não ocorresse nem, muito menos, outras propostas pudessem ser publicitadas ou discutidas neste evento.

Várias foram as vozes que se levantaram para denunciar que toda a organização deste Encontro estava inquinada da mais básica manipulação e prática anti-democrática, sendo exemplo disso o facto de o relatório sobre a actividade da IAC no último ano, só ter estado disponível no seu site, a partir das 22 horas de 6ª feira (o dia anterior à realização do Encontro), 18.01, não tendo estado, no entanto, disponível online pelo menos entre as 00:23 e as 09:03 de sábado. Ora, que outra ilação se poderia retirar deste facto senão a de que, apesar de se anunciar um amplo e democrático debate, o objectivo era o de limitar o conhecimento e coartar a possibilidade de se conhecer e analisar o conteúdo do mesmo de forma atempada, ou sequer apresentar outras propostas?

A direcção da IAC, tal como o BE, nada aprendeu neste último ano. Continua, apesar de todas as demonstrações em sentido contrário, quer de intelectuais quer, sobretudo, dos trabalhadores e do povo que se têm oposto firmemente ao pagamento de uma dívida que não contrairam – e o exemplo da manifestação de 15 de Setembro do ano passado está aí para o demonstrar -, nem foi contraida em seu benefício, a defender com unhas e dentes a sua “dama” da “renegociação/reestruturação” da dívida. Não perceberam que se hoje nem 10% das pessoas que estiveram na Convenção do ano transacto no cinema S. Jorge se dispuseram a participar neste 1º Encontro, tal se deve a que as teses que vêm defendendo, apoiando-se em critérios eminentemente “técnicos”, abordando apenas e tão só os efeitos e não dissecando as causas, têm sido um factor desmobilizador fatal para que uma iniciativa deste género pudesse ser um instrumento fundamental na luta pelo não pagamento da dívida.

Apesar da intervenção de ANTONIO SANABRIA MARTÍN, da ATTAC Espanha, um convidado que veio falar sobre a natureza da dívida naquele país, se centrar na defesa da suspensão da mesma, com base no pressuposto de que, quanto à dívida privada – empresas, entidades financeiras e famílias – não é justo exigir-se a toda a população que pague uma dívida que, de facto, não contraiu, apesar de este orador ter demonstrado que os dados revelam que sómente 10% das famílias – as das classes media e alta – é que tiveram um endividamento de cerca de 65%, o que contraria a tese, também defendida pela burguesia em Espanha, de que “o povo espanhol esteve a viver acima das suas possibilidades”, a monolítica direcção da IAC vem “exigir” que o governo se disponibilize para criar uma “Comissão” em que participem todos os partidos parlamentares para se analisar a dívida. Ou seja, vem propôr que a “concertação social” se estenda, também, à análise da dívida.
Quer isto dizer que consideramos que a realização de uma Auditoria à Dívida não é necessária? Claro que não! O que defendemos, desde o princípio, é que, enquanto decorre essa auditoria deve ser uma exigência mínima a suspensão do pagamento da dita e do “serviço da dívida” (juros + amortizações). O que defendemos é que se criem as condições políticas para que haja um amplo e democrático debate e não uma manipulação que instrumentalize uma iniciativa com a importância política que esta tem para os trabalhadores e para o povo português, que a está a direccionar, de forma oportunista, para a defesa de uma agenda – a “reestruturação/renegociação” da dívida – que já foi escrutinada nas ruas, tendo as massas deixado claro que a agenda que querem prosseguir é a de que NÃO PAGAMOS!

O que defendemos é que se envolvam os trabalhadores e o povo nesta discussão tão importante para o seu futuro e para a sua mobilização para a luta pela suspensão, no mínimo, do pagamento de uma dívida ilegítima, ilegal e odiosa, e não através de uma “torre de marfim” onde só alguns “iluminados”, desfasados do clamor das ruas, tem tido assento.


Partilhar

Adicionar comentário


Código de segurança
Actualizar

Está em... Home País POLÍTICA GERAL “Reestruturar” ou repudiar a dívida?