PAÍS
Entrevista do Partido ao Dromos tis Aristeras (A Via da Esquerda) órgão da Organização Comunista da Grécia
- Publicado em 11.11.2012
Reproduzimos seguidamente uma entrevista dada pelo camarada Leopoldo Mesquita, em nome do Comité Central do Partido, ao jornal semanal grego Dromos tis Aristeras (A Via da Esquerda). O pedido da entrevista foi feito por uma das organizações responsáveis por este jornal, a Organização Comunista da Grécia, a qual integra a coligação Syriza.
Dromos tis Asteras - Está-se perante uma crise política em Portugal? Porque é que apelam para a queda do governo e não apenas, por exemplo, para a revogação destas medidas contra os trabalhadores e contra o povo?
Leopoldo Mesquita - Sim, existe hoje uma crise política profunda em Portugal, cuja característica fundamental é uma grande ofensiva das forças da contra-revolução e uma firme resistência das classes trabalhadoras a essa ofensiva.
A crise política actual em Portugal tem na sua base a crise mortal do sistema capitalista evidenciada e aprofundada pela grande depressão global iniciada em 2007, a tentativa desesperada da classe capitalista e do grande capital financeiro de fazer abater os seus efeitos sobre os trabalhadores e a firme resistência a tais intentos por parte destes mesmos trabalhadores.
Em ligação com esta característica geral, a presente crise política tem também na sua base a rápida colonização de Portugal pelo imperialismo germânico, acolitado pelo subimperialismo francês, a qual tem lugar através das instituições e políticas da União Europeia, visa a exploração desenfreada dos trabalhadores e do povo português e provoca da parte destes uma firme atitude de luta e de resistência aos planos do IV Reich alemão.
A crise política actual tem também como factor importante a completa submissão aos interesses do grande capital financeiro e do imperialismo alemão por parte dos partidos que, desde a derrota da revolução portuguesa de 1974/75, se têm alternado no poder, um, o Partido Social Democrata (PSD), representando a grande burguesia, e o outro, o Partido Socialista (PS), representando a pequena burguesia, com a média burguesia oscilando entre ambos.
Um outro factor importante que concorre para a presente crise política são ainda as insuficiências ideológicas e organizativas da classe operária e demais classes trabalhadoras, manifestadas no facto de os maiores partidos e organizações que se reclamam destas classes não terem um programa, uma ideologia, uma estratégia e uma táctica políticas capazes de determinar uma alternativa que derrube e substitua o poder económico e político vigente, e de uma organização comunista, como o PCTP/MRPP, não dispor ainda de uma influência política e organizativa suficientemente forte para isolar de vez o oportunismo e atingir os objectivos revolucionários que o movimento operário e popular reclama.
No momento presente existe um impasse no confronto entre a revolução e a contra-revolução. O governo de traição nacional PSD/CDS limita-se, a mando do imperialismo alemão, a lançar sucessivos programas de austeridade contra os trabalhadores. Os seus ministros já não ousam sair à rua e o próprio parlamento é frequentemente cercado pelas massas, obrigando os deputados traidores a sair pelas portas das traseiras escoltados pela polícia. O movimento grevista intensifica-se e as massas populares enchem as ruas em sucessivas manifestações de protesto e de luta. O objectivo do derrube do governo de traição nacional e da constituição de um novo governo democrático patriótico começa a impor-se como o principal factor de unidade entre as massas trabalhadoras. Tudo isto exige avanços rápidos no movimento operário e popular capazes de inverter a relação de forças entre a revolução e a contra-revolução. É em situações como esta que podem suceder golpes contra-revolucionários de tipo fascista ou bonapartista, os quais devem ser impedidos a todo o custo e firmemente derrotados se tiverem lugar.
DtA - Têm um slogan apelando à criação de um “governo democrático e patriótico”. Quais são as alianças sociais que o podem sustentar? Será que os oficiais dos escalões mais baixos do exército têm aí lugar? E quais são as alianças políticas específicas que têm de ser estabelecidas para criar esse governo? Concordariam em formar um governo com o PCP e o BE, por exemplo?
LM - A constituição de um governo democrático patriótico tem de ter na sua base uma unidade de todas as forças democráticas e anti-imperialistas, sem excepção. Estas incluem a classe operária, os trabalhadores dos serviços, os camponeses e assalariados rurais, os estudantes, os pequenos e médios proprietários arruinados pela crise e os sectores das forças armadas anti-fascistas e anti-imperialistas. A aliança de partidos, organizações e personalidades independentes para formar o novo governo deverá ter na sua base um programa democrático e patriótico de combate à crise. Qualquer partido, força política ou personalidade que subscreva esse programa pode vir a integrar esse governo.
DtA - Porque é que chamam esse governo de “democrático”? Será que a democracia portuguesa (mesmo em termos burgueses) está debilitada por um desvio antidemocrático que a leva a deixar passar estas medidas? E porque é que chamam esse governo de “patriótico”? Estará a independência nacional ferida por estas medidas e pela forma como foram aplicadas no vosso país?
LM - A base primeira de um programa de governo alternativo para Portugal tem de ser a defesa da democracia e da independência nacional. É preciso rejeitar soluções antidemocráticas ditas de “salvação nacional” e é necessário expulsar do país os instrumentos de submissão aos ditames do imperialismo. Só pelo exercício dos direitos democráticos de luta, de organização, de debate e de decisão política podem ser prosseguidos os interesses dos trabalhadores e a defesa do país.
É preciso acrescentar que um novo governo democrático patriótico só pode formar-se e subsistir se enfrentar com firmeza e determinação o problema da dívida pública. A dívida é o instrumento principal do imperialismo e do grande capital para colonizar Portugal e para explorar e roubar os trabalhadores e o povo. Nestas condições, é com base na atitude das forças democráticas e patrióticas face à exigência de repúdio da dívida que se vai decidir a vitória ou a derrota do combate político actual pela democracia e pela independência nacional.
DtA - Quais serão as tarefas imediatas que este governo terá de cumprir? Por exemplo, a recusa do pagamento da dívida é uma tarefa imediata? Porque é que essa não é para vós a questão central, em lugar da formação de um governo democrático e patriótico? E sobre a questão da saída do euro? É uma tarefa imediata, um “slogan para a acção imediata” ou um slogan de agitação? Deverá esse governo assumir tarefas de longo prazo? (por exemplo, uma reorientação da economia portuguesa para sectores mais produtivos)?
LM - No entender do PCTP/MRPP existem três medidas imediatas que um novo governo democrático patriótico deverá tomar, a saber: a suspensão do pagamento da dívida, o controlo do sistema bancário pelos trabalhadores e a expulsão da tróica germano-imperialista. A saída do euro poderá ser uma consequência inevitável destas medidas. Se essa solução se impuser, como é provável, deverá ser enfrentada com firmeza e sem receio. O novo governo deverá repor os salários e os direitos roubados aos trabalhadores e ao povo e promover um programa de desenvolvimento que reconstrua a economia sob controlo dos trabalhadores e que elimine o desemprego.
DtA - Vocês avançam com o slogan da “greve geral”. Não receiam que pôr o peso das decisões nos sindicatos (os reformistas) poderá levar a tornar secundária a luta política que promovem para formar um “governo democrático e patriótico”? Será que não há outras formas de luta que poderiam ser avançadas em primeira linha?
LM - Todas as formas de luta são importantes e nenhuma deve ser posta de parte. Na situação presente, a greve geral não é o último mas sim o primeiro meio de luta a que se deve recorrer para derrotar os planos da contra-revolução e impor os direitos dos trabalhadores e dos cidadãos. Todas as formas de luta específicas e sectoriais devem ser feitas confluir para este objectivo. É preciso fazer todas as greves gerais que forem necessárias até o governo ser derrubado. Neste movimento é preciso estabelecer uma aliança indestrutível entre os trabalhadores e todos os sectores democráticos e patrióticos. Todo o tipo de iniciativas políticas que conduzam à formação de um governo democrático patriótico devem ser encetadas. Na luta por este objectivo, a acção dos sindicatos e de outras organizações de trabalhadores é absolutamente indispensável. Estas organizações de classe devem assumir elas próprias como objectivo central o derrube do governo de traição nacional e a formação de um governo democrático patriótico.
DtA - Quais são as características específicas do movimento de massas que de repente apareceu nas ruas em Portugal nas últimas semanas? Qual a sua relação com os partidos “tradicionais”, os sindicatos, etc? Quais são as tarefas dos comunistas no caso de não haver uma relação desse movimento com os partidos e os sindicatos e de o mesmo ter um carácter “espontâneo”?
LM - A classe operária e os sectores mais avançados e conscientes dos trabalhadores portugueses nunca deixaram de, nos seus locais de trabalho e nas ruas, travar uma luta firme contra o patronato, a tróica e o seu governo de lacaios. As grandes manifestações de rua que nos últimos meses se vêm realizando sem interrupção representam a entrada em força na luta por parte das massas populares, maioritariamente constituídas pela pequena burguesia. Menos de um ano depois do início do “programa de ajustamento” da tróica, o governo PSD/CDS deixou de ter qualquer base social de apoio para as suas políticas, para além da minoria de grandes capitalistas e seus serventuários. Trata-se, no caso das manifestações antes referidas, de um movimento mais espontâneo e menos articulado do ponto de vista ideológico e organizativo. As greves gerais devem ter também como função conferir uma unidade de objectivos entre o movimento operário e os demais movimentos e manifestações da vontade popular.
DtA - É significativo que tenha havido apenas duas greves gerais nestes últimos anos e existe uma impressão geral de que o povo português estava de alguma forma “convencido” da necessidade de se adoptarem estas medidas anti-populares. Quais são as principais razões disso? Quais são os erros que o PCP-BE e organizações sindicais como a Intersindical cometeram e qual a autocrítica que os comunistas fazem por esta situação?
LM - O governo PSD/CDS entrou em funções em Setembro de 2011, altura em que começou a ser aplicado em força o “programa de ajustamento” da tróica. No dia 14 de Novembro próximo vai ter lugar a terceira greve geral nacional contra esse programa e contra esse governo. Alguns partidos anti-tróica têm procurado desviar a luta para o terreno parlamentar, o que é um erro. A influência que estes partidos têm no movimento sindical origina resistências à necessária convocatória de greves gerais. Mas uma acção persistente e continuada do PCTP/MRPP no seio do movimento de massas e das suas organizações e a luta dos trabalhadores nos seus locais de trabalho e sindicatos têm imposto a realização das mesmas. Nesta matéria, a qualidade conta mais que a quantidade e as greves gerais que têm tido lugar fizeram avançar significativamente o movimento para os objectivos revolucionários que a presente situação exige.
DtA - O que podem dizer sobre a preparação da próxima greve geral de 14 de Novembro? Qual é a atitude do povo face à mesma? Será que a convocatória de uma greve geral em Espanha e noutros países europeus constitui uma ajuda ou será que o movimento em Portugal tem um forte carácter de independência face aos demais?
LM - A greve geral do próximo dia 14 de Novembro vai ser uma grande jornada de luta, de unidade e de vitória dos trabalhadores e de todo o povo português. Pela primeira vez, a greve geral vai ter como objectivo claro o derrubamento do governo de traição nacional PSD/CDS. Assim sendo, ela vai representar certamente um passo importante para reunir na sociedade portuguesa as forças capazes de, em unidade, formarem um governo democrático patriótico que substitua o actual governo PSD/CDS. Neste mesmo dia, realizar-se-ão greves gerais noutros países europeus cujos povos são também vítimas dos ataques do imperialismo germânico e do grande capital financeiro. Embora a luta deva ser conduzida com autonomia em cada país tendo em conta a sua situação concreta, é indispensável a unidade entre os trabalhadores e os povos oprimidos da Europa para obter vitórias duradouras, resistir às ofensivas do imperialismo e da contra-revolução e avançar para novos patamares do combate revolucionário dos trabalhadores pelo derrube da ordem burguesa e capitalista actual.
DtA - Deveriam os partidos comunistas e organizações no Sul da Europa convergir e desenvolver uma acção unitária ou tomar iniciativas comuns? Em que assuntos específicos o deveriam fazer?
LM - A contra-revolução capitalista e imperialista tem os seus centros de decisão e coordena as suas acções no conjunto dos países que integram a União Europeia. Na sua luta, os comunistas, os trabalhadores e os povos oprimidos da Europa têm também de dotar-se de órgãos, de mecanismos e de objectivos comuns que permitam enfrentar e derrotar os ataques do inimigo e fazer avançar a sua luta revolucionária. Na presente situação, o traço de união do combate dos trabalhadores e dos povos nos diversos países europeus é a luta contra o imperialismo germânico e os seus aliados e serventuários. A rápida evolução da situação política na Europa e nos diversos países já está a impor o lançamento de algumas iniciativas comuns. O factor decisivo para que essas iniciativas tenham um carácter político avançado é o reforço político, ideológico e organizativo da luta democrática e anti-imperialista em cada país. Nesse reforço, um papel decisivo cabe aos comunistas e aos seus partidos, sempre com base na fidelidade aos princípios do marxismo e da hegemonia do proletariado revolucionário na luta das massas trabalhadoras.