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PAÍS

O Naufrágio da Motora Santa Maria dos Anjos
Publicado em 16.01.2015 

Arnaldo Matos

santa maria dos anjos 01Estava registada em Olhão, no sotavento algarvio, com a matrícula O-2003-C, desde 1977, e desmantelou-se anteontem nos rochedos do Mindelo, perto da Praia das Maçãs, à ilharga da Serra de Sintra.

Eduardo Cruz, armador da Póvoa de Varzim, comprou o Santa Maria dos Anjos no Algarve, e fê-lo assentar praça em Peniche, com uma companha de seis homens recrutados à volta das Caxinas, a pátria mártir do pescador Lusíada. Reconstruiu a velha embarcação de madeira, na ideia de fazê-la pescar pesqueiros a Sul, de maior rendimento, designadamente de linguado (Solea solea ou Solea senegalensis).

A autoridade marítima certificou a capacidade da pequena embarcação de treze metros de comprimento com catorze toneladas de deslocação para a faina nos nossos mares. Faltava-lhe bóia de sinalização automática para o caso de naufrágio, mas a verdade é que a lei não a exige para embarcações tão antigas, como se as embarcações mais antigas conhecessem tanto do mar que não se poria sequer a hipótese de poderem vir a naufragar…

Governada por mestre Manuel José da Silva, quarenta e sete anos de idade, casado, natural das Caxinas, pescador desde os treze anos e sobrevivente do naufrágio do pesqueiro Viva Jesus em 2008, na Praia da Póvoa, o Santa Maria dos Anjos saiu de Peniche às 21h30, propondo-se lançar redes para a captura de linguado em frente de Cascais, às 05h00 de quarta-feira, dia 14 de Janeiro.

Nas declarações que prestou à imprensa, o armador Eduardo Cruz reconheceu a alta experiência e grande competência dos seis pescadores da companha do Santa Maria dos Anjos, com a qual manteve comunicação até às 01h30 de quarta-feira, e que tudo então corria bem.

O naufrágio terá ocorrido pelas 03h00 da madrugada desse mesmo dia, estando dados como desaparecidos 5 pescadores: o mestre Manuel José Cunha Silva, já referido acima, Isac Fernando Silva Martins, contra-mestre, de cinquenta e um anos de idade, casado, pai de dois filhos, natural de Argivai, Póvoa de Varzim, José da Silva Nunes, cozinheiro, sessenta e um anos de idade, casado, pai de três filhas, natural de A-Ver-o-Mar, Américo Martins, tripulante, de vinte e nove anos de idade, divorciado, o mais novo de seis filhos tais como o pai pescadores, natural da Póvoa de Varzim, pai de um filho de nove anos, e Valeriy Kosharnyy, tripulante, residente nas Caxinas, mas de que não foi possível conhecer mais nada por enquanto.

Sobreviveu ao naufrágio unicamente o tripulante Henri Ferreira, luso-francês de 27 anos, que nadou até à costa, apoiado numa bóia, trepou a arriba do Mindelo e bateu a uma das casas a pedir auxílio.

Segundo as primeiras declarações do sobrevivente, mais tarde não reafirmadas, o mestre Manuel José Cunha Silva vinha ao leme da embarcação, e os outros cinco companheiros vinham a dormir, sem colete salva-vidas, nos beliches do pesqueiro Santa Maria dos Anjos.

Às 03h10 de quarta-feira, 14 de Janeiro, foi dado pelo pescador sobrevivente alerta de naufrágio, o que permitiu reunir entre os paralelos da Praia Grande e do Magoito um importante contingente de forças e meios de busca e de salvamento: 33 elementos dos corpos de Bombeiros Voluntários de Colares e de Almoçageme, 2 lanchas da estação salva-vidas de Cascais e da Ericeira, um helicóptero EH101 da Força Aérea e a corveta Baptista de Andrade, da Armada Portuguesa.

Como não é razoável alimentar esperanças de vir a encontrar com vida os pescadores desaparecidos, pode dizer-se que o ano de 2015 começou da maneira mais dramática para os pescadores portugueses.

Todos os anos morrem pescadores em Portugal e nunca são conhecidos os motivos por que morrem os homens do mar, nem são conhecidos os responsáveis por essas mortes. As autoridades marítimas não levantam inquéritos rigorosos sobre as mortes, nem recolhem as provas dos naufrágios e das mortes dos pescadores.

No caso do naufrágio da motora Santa Maria dos Anjos, as televisões mostraram que as autoridades marítimas não recolheram nem guardaram os vestígios e elementos de prova que iam dando à costa, permitindo a polícia marítima que os particulares se aproximassem e se apropriassem desses vestígios, tão necessários para determinar a causa ou causas dessa tragédia.

O secretário de estado do Mar, Manuel Pinto de Abreu, foi a primeira entidade pública a pronunciar-se sobre o naufrágio do Santa Maria dos Anjos, admitindo a hipótese, jamais provada, de que os pescadores se tivessem aproximado negligentemente da rebentação para apanhar uns robalos…

Um sujeito destes deve ser imediatamente afastado das funções que ocupa, pois manifestamente carece de competência e inteligência para dirigir um dos mais importantes sectores da economia portuguesa no presente e no futuro.

A fileira das pescas e o cluster do mar são duas alavancas sectoriais de que dependerão a nossa independência económica e a nossa soberania financeira no futuro.

Ora, segurança da pesca e dos pescadores é coisa que pura e simplesmente não existe em Portugal.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera tem de se reorganizar, de modo a poder fornecer directamente a todas as embarcações, e em especial às de pesca, previsões contínuas à hora e a dez dias, nos portos e directamente para bordo, pondo à disposição dos operários do mar os elementos marítimos e atmosféricos que lhes permitam gerir as suas fainas com eficácia e em completa segurança.

As escolas e institutos de pesca têm de ser reorganizados de maneira a fornecer aos pescadores conhecimento profundo das espécies e das técnicas de captura, sem riscos para a vida e para a saúde dos pescadores.

As tecnologias de navegação e de orientação têm de fazer parte da bagagem de conhecimentos dos pescadores.

Portugal necessita de uma guarda costeira com força suficiente para desencorajar e deter o roubo dos nossos stocks piscícolas, guarda costeira para que o estaleiro de Viana do Castelo teria sido uma estrutura vital e insubstituível, não fosse a política de traição do governo Coelho/Portas em vendê-lo.

Por outro lado, os meios de salvamento marítimo, designadamente os de socorros a náufragos, devem estar no mar e não em terra. Assim como devem ser devidamente sinalizados, pelo menos em cartas de navegação, os escolhos junto da costa, por forma a evitar os naufrágios mais comuns.

O comportamento dos pescadores a bordo dos pesqueiros deve ser objecto de estudo incansável, pois é inadmissível que uma companha inteira esteja toda a dormir, sem envergar coletes de salvação, deixando a parte da condução da embarcação a um só homem.

Temos de pôr termo, de uma vez por todas, às tragédias do mar, como aquela que acabou de assolar a nossa classe piscatória.

Só há um responsável pela morte dos pescadores: o responsável é o governo, o ministro e o secretário do sector.

O governo deve ser obrigado a mais, a muito mais, do que cobrar impostos sobre o trabalho dos pescadores nas lotas e nos mercados; deve sobretudo ser obrigado a defender a vida e saúde dos pescadores, em vez de os deixar morrer em cada volta de mar.






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Comentários   

 
# Pedro Pacheco 17-01-2015 00:26
Um grande abraço, maravilhado, da parte do aquém que não por isso quer recusar ou demitir-se de prezar a comunicação, o exercício do juízo sobre o que observa, ouve ou lê. "Só há um responsável pela morte dos pescadores: o responsável é o governo, o ministro e o secretário do sector" "O governo deve ser obrigado a mais, a muito mais, do que cobrar impostos sobre o trabalho dos pescadores nas lotas e nos mercados; deve sobretudo ser obrigado a defender a vida e saúde dos pescadores, em vez de os deixar morrer em cada volta do mar". E o que dá livre curso à redobrada acção de saque e de cobrança por parte do boçal e brutal governo de traição ainda em exercício é a alienante, mitificadora, mistificadora, grosseira e grotesca concepção monetária com que uns tantos poucos a tantos muitos equivoca, paralisa, domestica, esbulha e mata. O dinheiro, para quem trabalha, é pão para a boca, é barco ou sacho para o trabalho, é salvaguarda de saúde e segurança. Mas o dinheiro, para quem de dinheiro o que quer é mais dinheiro para quem mais dinheiro tem, é engodo e isco para que a quem menos tem mais lhe ser tirado. A moeda é como uma faca, instrumento útil para descascar a maçã ou a laranja, mas inadvertida arma para quem dela astutamente se serve para praticar o crime. E crime de morte é o que comete o governo de traição quando retira meios a quem trabalha ou quer trabalhar para multiplicar meios para a usura dos credores numa dívida (pré)fabricada para o efeito.
 

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