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PAÍS

[II]

 

“Por pacífica que pareça,
a descrição do mundo só fala de guerras,
e sempre que a arte faz as pazes com o mundo,
fá-lo com um mundo em guerra.”
Bertolt BRECHT, Exercices pour comédiens (1940);
trad./dir. de J.-M. Valentin,
in L’Art du comédien: Écrits sur le théâtre
(Paris, L’Arche, 1999)

“(…) Por que é que tantos renegados
‘descobriram a verdade sobre Estaline’
(certamente para aperfeiçoar o movimento comunista),
e nenhum deles ‘descobriu a verdade sobre Churchill’?
Esta seria uma descoberta muito mais importante
para ‘aperfeiçoar’ o combate ao imperialismo!”
Ludo MARTENS (historiador e militante marxista),
Un Autre Regard Sur Staline,
Anvers (Bélgica), Ed. EPO, 1994;
versão portuguesa [Um Outro Olhar Sobre Estaline]
disponível em www.hist-socialismo.net

Basta ler a primeira epígrafe, de Brecht, para compreender o profundo significado de uma questão que lhe era cara, relacionada com os horrores da guerra enquanto verdadeiros temas da Arte, um problema que foi também, aos olhos do distinto dramaturgo germânico, uma tragédia na cultura europeia. E, no quadro da criação artística que perpetua, conceitualmente, o direito à liberdade dos povos e das nações, não é, de facto, surpreendente que o autor e actor Dario Fo (prestigiado Prémio Nobel, 1997) seja um dos primeiros subscritores da campanha “No Guerra/No Nato”, argumentando, entre outras razões de peso, que a estratégia expansionista e agressiva da OTAN viola a própria Constituição da República italiana, em particular o Art. 11.

(Ainda a este propósito, seja-me permitido um brevíssimo parêntese para invocar aqui a erudita e belíssima ária, denominada “Coro dos escravos hebreus”, da ópera Nabucco, do luminoso compositor e ardente patriota Giuseppe Verdi; e, ainda, a popular e sempre agradável sonoridade de Bella, ciao!, uma melodia que foi, sucessivamente, canto de trabalho, canção de protesto durante a Primeira Guerra Mundial e símbolo da resistência na pátria de A. Gramsci na Segunda Guerra.)

Como procurei, humildemente, assinalar na 1.ª parte deste artigo, o mote de partida que permite “correr a pena” no teclado e aqui deixar algumas breves notas impõe deveres, o primeiro dos quais, a necessidade de participar, desde já, na batalha ideológica e estratégica em defesa dos princípios filosóficos de Lenine, subjacentes à sua obra O Imperialismo, Estádio Supremo do Capitalismo (1916), onde o fundador do Estado soviético analisa, com originalidade, “o parasitismo e a putrefacção” da fase monopolista do desenvolvimento capitalista e, ao mesmo tempo, proporciona as bases metodológicas para uma inovadora concepção da complexa problemática da Revolução socialista. É um facto que o contexto da actualidade internacional mostra curiosas semelhanças com o “turbilhão” do início do século XX, época em que as potências imperialistas rivalizavam pelo domínio planetário.

De resto, quem tiver (re)visto, esta semana, na Cinemateca (Lisboa, Rua Barata Salgueiro), o clássico filme La Grande Illusion (1937), de Jean Renoir, há-de recordar-se dos momentos em que, no cenário infernal das trincheiras, acontece a fuga de soldados e oficiais franceses, presos pelos alemães. Bem sabemos que a tese do realizador é que a solidariedade de classe é mais forte do que as diferenças de nacionalidade. Contudo, “a grande ilusão”, que tantos europeus viveram, de que a Grande Guerra imperialista seria o último conflito atroz, era, afinal, um erro de previsão que, nesses anos trinta, já se adivinhava. Apenas alguns (três) exemplos: em 1925, a França bombardeara Damas, na Síria, com a “tolerância” da Sociedade das Nações; não por acaso, no ano de 1929, em plena crise estrutural do capitalismo, o livro negro de Hitler registava verdadeiros recordes de vendas em diversas cidades alemãs; e, em 1935, influentes comunistas de vários países, como G. Dimitrov, içaram a bandeira vermelha e preconizaram a constituição de uma “frente unida” contra o fascismo e a guerra… É pertinente relembrar as palavras claras, atribuídas a George Santayana, cuja inscrição ocupa lugar de relevo à entrada de um “bloco” do antigo campo de concentração e extermínio de Auschwitz: “Aquele que esquece as lições do passado está condenado a vê-lo repetir-se.

E, no entanto, está hoje em curso uma das maiores ofensivas político-militares de que há memória, desde Abril de 1949, quando o governo fascista de Salazar ratificou obedientemente o que foi decidido na assinatura no Tratado de Washington (ou Tratado do Atlântico Norte), contra a heróica União Soviética de Estaline e as experiências socialistas da Europa de Leste. O desfecho desse expansionismo macabro, envolto nas habituais roupagens das “guerras humanitárias” permanentes, não se fará sentir apenas nos países da União Europeia, antes se propagará ao conjunto dos continentes. Os Estados Unidos e os seus aliados da NATO são, na verdade, responsáveis por inúmeras, brutais e criminosas agressões, em nome da “segurança” contra as “novas ameaças globais”, como o chamado “terrorismo islâmico” e, acima de tudo, os direitos sociais dos povos e a temível revolução proletária. Jamais o apelo vibrante de Mao Tsé-tung foi tão imperioso: “Forças revolucionárias do mundo, uni-vos, combatei a agressão imperialista!

Como escreveu, há tempos, um respeitado articulista (Gabriel Galice, “A Paz pela Força ou pelo Direito?”, Le Monde diplomatique, Junho/2015), “é urgente ‘extirpar’ as visões ‘civilizacionais’ ou religiosas dos conflitos, que dissimulam os interesses geopolíticos ou económicos”. Face à morte do valor da vida humana que as estruturas multinacionais da NATO e os seus “danos colaterais” (provocados nas vítimas indefesas pelos sofisticados bombardeiros) representam, reafirmamos a nossa firme solidariedade com os movimentos nacionais democráticos e anti-imperialistas, contra a escalada belicista de grande escala e a própria ameaça nuclear da “aliança” fascista, cujo “conceito estratégico” constitui um falhanço total e consegue a proeza de (re)conciliar os povos oprimidos, uma correcta atitude que não deve fazer esquecer o combate ao sistema capitalista.

Em alguns meios, sobretudo ligados a um certo humanismo pequeno-burguês, pululam teorias mais ou menos “pacifistas” (inclusive, sobre os fenómenos do desarmamento) que, por vezes, equivalem ao abandono de um projecto político consequente, encaminhado para a aceleração de uma ruptura revolucionária com o Capital. Esta perspectiva “ecléctica” parece-nos, obviamente, insustentável: revela pelo menos uma estreiteza de vistas, porventura intenções inconfessáveis que se perfilam por detrás de poderosos interesses, que não ousam pôr seriamente em causa a verdadeira face das instituições militares internacionais. Neste campo, há coisas que não se podem nem se devem dizer, sobretudo, quando se veste a pele de dirigente de “esquerda radical”. Com efeito, impressiona-me a recente posição, tida como “social-chauvinista” do gaulês Jean-Luc Mélenchon, do Parti de Gauche, que é, aparentemente, contra o unilateralismo ianque mas, no fundo, assume uma natureza tão incompreensível quanto reaccionária de propostas estratégicas para o desenvolvimento “autónomo” do imperialismo francês, inclusive na África e na Ásia!...

Por poderem enquadra-se no “pacifismo” reinante, não será talvez despropositado referir, de passagem, o pensamento ultra-conservador do papa João Paulo II, que em 2003, nas páginas da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa [A Igreja na Europa], onde o novo santo polaco elogia as instituições europeias, mencionando “antes de tudo a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa” (é notória a estreita ligação “inter-organizacional” entre a OSCE e a NATO), que supostamente promove a salvaguarda dos “direitos humanos fundamentais”, e na qual é inevitável a consagração “de todas as mulheres e de todos os homens deste continente” aos negócios divinos da Imaculada Virgem Maria.

Novos tempos perturbadores, porém, se avizinham com o pontificado do papa Francisco que, inspirado, por certo, no seráfico monge de Assis, tem-se batido pela diplomacia do “diálogo” entre Deus e o grande Satã. No seu discurso no Capitólio (Washington), no último mês de Setembro, o jesuíta argentino afirmou: “(…) Por que motivo se vendem armas letais àqueles que têm em mente infringir sofrimentos inexprimíveis a indivíduos e sociedade? Infelizmente a resposta, como todos sabemos, é apenas esta: por dinheiro; dinheiro que está impregnado de sangue, e muitas vezes sangue inocente. Perante este silêncio vergonhoso e culpável, é nosso dever enfrentar o problema e deter o comércio de armas.” E, na sede da ONU (Nova Iorque), acrescentou o chefe de Estado do Vaticano: “(…) É preciso trabalhar por um mundo sem armas nucleares, aplicando plenamente, na letra e no espírito, o Tratado de Não-Proliferação para se chegar a uma proibição total destes instrumentos.

Setúbal, 12.12.2015

Fernando Eusébio Firmino



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