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PAÍS

QUANTOS ANOS TEM A LÍNGUA PORTUGUESA?

Acontece, todavia, que o testamento de D. Afonso II não é o texto mais antigo que se conhece em língua portuguesa!...

Ribeiro e Castro e os académicos que subscreveram o Manifesto 2014 não conseguem arredar a sua posição ideológica de classe, mesmo quando se reportam a matérias do âmbito da cronologia e da linguística.

Com efeito, não há ninguém que não compreenda que tudo quanto verdadeiramente importa para a pesquisa sobre a história da língua será a data do documento mais antigo dessa língua e não a data do primeiro documento oficial.

Ora, anteriores ao testamento de D. Afonso II, conhecem-se hoje, sobretudo em resultado do minucioso estudo de alguns fundos conventuais por Ana Maria Martins, cerca de vinte documentos, datados e não datados, mais antigos do que o testamento do Gordo, a maioria deles de proveniência popular e a quase totalidade do século XII, quando o testamento de D. Afonso II é já do séc. XIII.

Aqui vai uma pequena lista dos documentos anteriores ao testamento de D. Afonso II, com a indicação da data do documento e do investigador que o revelou:

1. Notícia de Fiadores de Paio Soares Romeu
    (1175, A. M. Martins)
2. Despesas de Pedro Parada
    (ant. 1175, A. M. Martins)
3. Notícia de Herdades de Paio Soares Romeu
  (1171-1177, A.M . Martins)
4. Pacto de Gomes Pais e Ramiro Pais
    (cc. 1175, Souto Cabo)
5. Nómina de manda e de dívidas de Pedro Viegas
    (1184, Souto Cabo)
6. Notícia de haver do abade Pedro
    (sec. XII – 2ª met., A.M.Martins)
7. Borrão do Testamento de Pedro Fafiz
    (1210, A.M. Martins)
8. Notícia de Fiadores de Urraca Tolquidiz
    (séc. XII, 2ª met., A.M. Martins)
9. Escrito de Paio Soares
    (séc. XII, 2ª met. Souto Cabo)
10. Manda de Pedro Alvites
    (séc. XII, 2ª met., Souto Cabo)
11. Carta de Susana Fernandes
    (séc. XII, 2ª met., Souto Cabo)

Dos documentos da lista sobreexposta colhe-se que o português escrito é linguisticamente observável em todo o século XII, ou seja, todo o século da conquista e estabilização da nossa independência, num tempo em que D. Afonso II ainda não pensara nascer quanto mais fazer testamento e morrer.

Já agora deliciem-se os leitores a espreitar as dívidas de um nobre daquela época, chamado Pelágio Romeu, a confessar, na sua Notícia de Fiadores, os calotes pregados aos amigos, notícia escrita em 1175, trinta e nove anos antes do testamento do terceiro Afonsinho.

 

 

 

 

 

 

Notícia de Fiadores

Português arcaico de 1175

Noticia fecit pelagio romeu de fiadores Stephano pelaiz . xxi. solidos lecton . xxi. soldos pelai garcia . xxi. soldos. Gudisaluo Menendici. xxi. soldos Egeas anriquici xxxta. soldos. petro cõlaco .x. soldos. Güdisaluo anriquici . xxxxta. soldos Egeas Monííci .xxti*. soldos [i l rasura] Ihoane suarici . xxxta.. soldos Menendo garcia .xxti. soldos. petro suarici .xxti. soldos Era Ma. CCaa xiiitia* Istos fiadores atan .v. annos que se partia de isto male que li avem

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Português moderno de 2014

Notícia que fez Paio Romeu de seus fiadores: Estêvão Paio, vinte soldos; Leitão, vinte soldos; Pais Garcia, vinte soldos; Gonçalves Mendes, vinte soldos; Egas Henriques, trinta soldos; Pedro Colaço, dez soldos; Gonçalves Henriques, quarenta soldos; Egas Moniz, trinta soldos; João Soares, trinta soldos; Mendes Correia, trinta soldos; Pedro Soares, trinta soldos Era de MCCXIII (1) Estes fiadores dentro de cinco anos exigirão o que lhes devo.

 

 

 

 

 

 

Como se vê, desde a mais remota antiguidade que, no nosso País, a classe dominante sempre viveu acima das suas possibilidades...

Mas, quanto à antiguidade da língua portuguesa, cumpre lembrar que é muito maior do que a antiguidade dos primeiros documentos escritos. É o povo quem cria a sua língua. Depois de criada, é mediante a escrita que a classe dominante, através dos seus funcionários e agentes, se apropria dela.

É por isso que, quando falamos em idade de uma língua, não nos podemos ficar pela data dos primeiros escritos, designadamente oficiais. A nossa língua, inicialmente comum a todo o noroeste peninsular – Galiza e Portugal – já tinha muitas centenas de anos de vida, antes que aparecesse o primeiro escriba dessa língua.

Deixem o Gafo(2) descansado no seu túmulo no Mosteiro de Alcobaça, que ele nada tem a ver com a língua portuguesa.

Mais antiga do que o seu testamento em cerca de vinte anos, era a belíssima canção de garvaia (3), cantiga de amor dedicada à mais bela mulher portuguesa desse tempo, chamada Maria Pais Ribeiro – a famosa Ribeirinha – cantiga com que gosto de pensar que nasceu a língua portuguesa, embora saiba que não é verdade, porque a língua portuguesa (galaico-portuguesa) nasceu durante o século IX e já leva perto de 1 200 anos de vida, e não os meros oitocentos anos da agenda de Ribeiro e Castro e seus amigos.

Despeço-me, por hoje, deixando-vos a canção de garvaia, do tempo do pai de D. Afonso II...
 

No mundo nom me sei parelha
Mentre me for como me vai,
Ca já moiro por vós e ai,
Mia senhor branca e vermelha!
Queredes que vos retraia
Quando vos eu vi em saia?
Mao dia me levantei
Que vos entom nom vi fea!

E, mia senhor, des aquelha
Me foi a mi mui mal di’, ai!
E vós, filha de dom Paai
Moniz, e bem vos semelha
D’haver eu por vós garvaia:
Pois eu, mia senhor, d’alfaia
Nunca de vós houve nem hei
Valia d’ua correa.

E assim fica feita a homenagem que nós, comunistas, devemos à bela língua portuguesa, que na verdade só poderá ter nascido de um poema de amor e não da certidão de óbito de um obeso.

Uma língua que nos cumpre defender hoje com unhas e dentes, livrando-a do garrote do chamado novo acordo ortográfico, imposto por um vende-pátrias denominado Sócrates, do mesmo partido que nos vendeu aos alemães.

1 1213 da Era (vinda de César à Península) corresponde ao ano de 1175 (1213-38=1175)
2 D. Afonso II morreu de peste
3 Manto luxuoso de cor vermelha


Espártaco

 

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