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Partido

Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos


NOTA INTRODUTÓRIA

 

No ano de 2015, a 16 de Dezembro, o PCTP/MRPP, sob a direcção de Arnaldo Matos e através da editora Bandeira Vermelha, deu à estampa a sua 3.ª edição portuguesa do Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels com tradução de Arnaldo Matos e João Camacho.

Esta publicação e a sua divulgação foi o meio e o instrumento definidos pelo camarada Arnaldo Matos para desencadear um amplo movimento de estudo dentro e fora do Partido, que solidificasse as nossas bases teóricas marxistas e, dessa forma, permitisse superar o confusionismo, a decadência ideológica, a repetição mecânica de teorias, a ausência de discussão ideológica, a subversão da crítica e da auto-crítica, comportamentos dominantes no Partido, que o estavam e continuam a destruir, estudo que iria gerar o movimento de rectificação, tão urgente e necessário, antes e agora, em momentos de grandes ataques não apenas do exterior, mas, sobretudo, no interior do Partido.

O Dever Revolucionário do Estudo é o título de uma carta do Camarada Arnaldo Matos, escrita em Fevereiro de 2016, ao camarada Arsénio e que, pelo seu conteúdo, é apresentada como o primeiro texto deste conjunto de Notas de Estudo, funcionando, por isso, como um preâmbulo às referidas Notas, um contributo importantíssimo e imprescindível para situar historicamente a obra, explicitando conceitos, referindo dados históricos, destacando a análise da história da sociedade burguesa apresentada no Manifesto, ao mesmo tempo que critica severamente todos os que se opõem ao estudo, apesar de este surgir nos Estatutos como um dos primeiros deveres do militante.

Mas, como se estuda este texto teórico e político que é o Manifesto, publicado em 1848?

As Notas de Estudo, iniciadas em Janeiro de 2016, devem ser entendidas como a forma de dar resposta às questões colocadas pela leitura, às reflexões e questionamentos desencadeados por essa mesma leitura, estabelecendo ligações e aprofundamentos que a compreensão do Manifesto exige, enquanto síntese das experiências operárias da época, sem deixar de registar a evolução da sociedade, à luz do materialismo histórico, explicando-se com enorme clareza onde está o materialismo, ou seja, “No materialismo histórico marxista, a matéria é o homem e a sua luta pela vida: “são os indivíduos reais, a sua acção e as suas condições materiais de vida, tanto as que encontraram já feitas como as causadas pela sua própria acção”, conforme salienta Marx a dado passo da Ideologia Alemã.”

As notas permitem organizar e aprofundar o estudo colectivo e individual, apontando, nomeadamente: a ideia central, os princípios e as linhas estratégicas do Manifesto para instaurar o comunismo; a referência a obras de Marx e Engels, como A Ideologia Alemã e os Manuscritos Económico-filosóficos de Marx, essenciais para conhecermos a evolução do pensamento de Marx.

O Manifesto é um texto programático teórico e de acção, que influencia e é influenciado, o que é notório, por exemplo, no facto, de a escrita do Manifesto e as revoluções de 1848 acontecerem em simultâneo, ou seja, são faces do mesmo processo, que se influenciam mutuamente.

Como se refere na Nota IX, “Fascinante é ver, à medida que a doutrina teórica do marxismo se vai desenvolvendo, quais são as alterações que vai impondo ao texto do próprio Manifesto.”

Embora as Notas de Estudo, iniciadas em Janeiro de 2016, fossem organizadas a partir de questões colocadas pelos leitores do Luta Popular, as respostas são da autoria do camarada Arnaldo Matos, que, infelizmente não conseguiu concretizar a intenção e vontade que tinha em dar continuidade às mesmas.

A brochura completa-se com uma última nota que, tal como a primeira, corresponde a uma carta de resposta às camaradas Ludovina e Sónia da Ilha Terceira, Açores, em que de uma forma extremamente clara, o camarada apresenta o Manifesto, sem, no entanto, deixar de chamar a atenção para importância do estudo da obra.

Pelo exposto, considerou o Comité Central que a publicação em brochura das Notas de Estudo, no âmbito dos Cadernos Arnaldo Matos, seria um contributo notável para a compreensão do Manifesto e domínio do marxismo, homenageando, assim, o autor das mesmas – O Camarada Arnaldo Matos – na passagem do terceiro ano do seu desaparecimento físico.

 

 

 

Lisboa, Fevereiro de 2022

 

 

 

O Comité Central do PCTP/MRPP


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

O Dever Revolucionário do Estudo

 

 

De Arnaldo Matos
Para o Camarada Arsénio

 

A maior desgraça que poderia ter acontecido ao Partido Comunista do Trabalhadores Portugueses foi ter deixado de estudar o marxismo-leninismo e de atacar o revisionismo.

Nos velhos estatutos do Partido, entretanto alterados e adulterados nas costas dos militantes pela corrente reaccionária pequeno-burguesa do Luís Franco e Garcia Pereira, o primeiro dever dos militantes do Partido era estudar conscienciosamente o marxismo-leninismo-maoismo e criticar o revisionismo”. (art.º 6º, nº 1, do Capítulo II dos Estatutos do PCTP).

Concomitantemente, a tarefa prioritária das células do Partido é dirigir os membros do Partido, seus simpatizantes e activistas e outros elementos das massas no estudo consciencioso do marxismo-leninismo-maoismo e na crítica ao revisionismo (art.º 28º, n.º 1, do Capítulo VI dos Estatutos).

Os liquidacionistas, segundo a opinião do oportunista Rosas, cedo abandonaram a crítica do revisionismo, alegando que isso não dava votos”, como se um partido operário comunista existisse para conquistar votos nas eleições burguesas…

Abandonada a crítica ao revisionismo, cedo o burocrata Luís Franco e o papagaio imitador Garcia Pereira abandonaram também o estudo do marxismo-leninismo, não só porque isso não captaria votos como também porque dava um trabalhão medonho estudar a sério e conscienciosamente a teoria e a ideologia revolucionárias do proletariado.

A breve trecho, o Partido ficou sem teoria revolucionária, e um partido sem teoria revolucionária não é um partido revolucionário.

O PCTP transformou-se em pouco tempo num partido de ignorantes, que se limitavam a seguir como um bando de carneiros os imbecis reaccionários Franco e Pereira.

Em muito pouco tempo, nenhum militante do PCTP, incluindo o seu núcleo dirigente do comité central, sabia uma única palavra do marxismo-leninismo e não cumpria o seu dever nem de estudar nem de promover o estudo do marxismo-leninismo e a crítica demolidora do revisionismo entre as massas.

Encetámos agora um movimento de estudo do Manifesto do Partido Comunista, criando a Editora Bandeira Vermelha e publicando uma tradução ainda mais apurada – a nossa terceira edição em língua portuguesa – daquela magnífica obra de Carlos Marx e Frederico Engels.

Mas, camarada Arsénio, todo o Partido está a deparar com uma resistência enorme no cumprimento da primeira tarefa de todo o comunista e na prossecução da tarefa prioritária de toda a célula e comité do Partido: estudar conscienciosamente o marxismo-leninismo e criticar o revisionismo.

No próprio comité central do Partido, já substancialmente renovado, ainda não começou o estudo regular do Manifesto… A parte desses dirigentes ainda contaminados pelos métodos burocráticos do ignorante Conceição Franco e pelos vícios catedráticos do reaccionário burguês Pereira vai adiando sistematicamente o estudo do marxismo-leninismo, que é como quem diz, vai adiando conforme pode todos os dias a sua morte política e a sua expulsão do Partido.

Neste tempo que precede o Congresso, a linha de demarcação entre o marxismo-leninismo e o revisionismo passa pela divisão entre os que estão a lançar todo o partido num movimento revolucionário de massas para estudar o marxismo-leninismo e os que sabotam por todos os meios ao seu alcance esse poderoso movimento de estudo.

É preciso concentrar e mobilizar todas as forças para vencer esta batalha contra o liquidacionismo. No estudo, tal como na Internacional, não há salvadores supremos, nem Deus nem Cesar nem senhores. No estudo, todos somos iguais no dever de estudar e aprender com a experiência do movimento operário internacional e as sínteses dessas experiências produzidas pelos grandes dirigentes da classe operária.

Deves, pois, camarada Arsénio, mobilizar e dirigir todos os militantes e simpatizantes do Partido no teu distrito para estudarem o Manifesto do Partido Comunista à luz da luta de classes e da experiência política do nosso Partido.

Sem o estudo de massa ligado à luta de classes, não lograremos derrotar os liquidacionistas; mas com esse estudo e essa ligação às massas, todos se libertarão desses charlatões, burocratas e revisionistas.

Viva o movimento de estudo do marxismo-leninismo! Morte ao liquidacionismo! Abaixo os liquidacionistas!

08.02.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

 

Porque é que uma obra tão importante para a formação teórica e prática do proletariado, como é o Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, só foi traduzida em língua portuguesa e publicada em Portugal em 1975, cento e vinte e sete anos depois da sua primeira edição, em Londres, na língua alemã?

São vários os motivos que explicam a inusitada demora – 127 anos! – na publicação do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, em Portugal e na língua portuguesa.

Por um lado, o atraso no desenvolvimento da indústria capitalista moderna e, consequentemente, o atraso no desenvolvimento do proletariado em Portugal, em meados do século XIX. Em 1848, não havia no nosso país um proletariado industrial moderno, susceptível de interessar-se pela leitura do Manifesto e, designadamente, de conhecer o papel histórico que lhe estava reservado na luta de classes e na eliminação da sociedade de classes.

O Tratado de Methuen, também conhecido como o Tratado dos Panos e dos Vinhos, celebrado entre a Inglaterra e Portugal, no dia 17 de Dezembro de 1703, impediu o desenvolvimento industrial do nosso país durante quase todo o século XVIII: nos termos desse tratado, os portugueses comprometiam-se a consumir têxteis britânicos e os ingleses a importar vinhos de Portugal.

Além da Ribeira das Naus (Arsenal da Marinha), não houve nenhuma indústria moderna em Portugal até ao consulado do Marquês de Pombal, quando se criou a indústria dos vidros, na Marinha Grande, e a indústria da loiça, no Largo do Rato, em Lisboa.

Só na segunda metade do século XIX, com a chegada da máquina a vapor e do comboio, começa a surgir a nossa indústria moderna, com um proletariado moderno também. Antes da geração de 70, com Antero de Quental e seus companheiros das Conferências do Casino, a classe operária portuguesa também não beneficiou da existência de representantes esclarecidos da classe dominante, interessados em levar ao conhecimento dos nossos proletários as descobertas científicas que, em 1848, Marx e Engels puseram ao seu alcance.

O programa e os estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores, mais tardios do que a edição do Manifesto, chegaram, todavia, a Portugal.

Aparentemente, não há nada que justifique a não publicação do Manifesto do Partido Comunista na época da Primeira República, entre 1910 e 1926, a não ser a circunstância de o movimento operário português desse tempo sofrer um forte domínio anarquista, que poderá ter afastado a edição da obra de Marx e de Engels (Marx e Engels).

O chamado Partido Comunista Português, fundado em 1921 e só ilegalizado em 1933, teve doze anos para proceder à publicação legal do Manifesto, mas nunca o fez. E poderia tê-lo editado em língua portuguesa nos quarenta e um anos que se escoaram entre 1933 e 1974, mas também nunca o fez.

Vê-se que, para o partido revisionista cunhalista, o Manifesto não era obra que fizesse falta aos operários portugueses.... Caberia ao MRPP, através da sua editora Vento de Leste e na colecção Clássicos do Povo, publicar, pela primeira vez em Portugal e na língua portuguesa, em Maio de 1975, a obra imortal de Marx e Engels, o Manifesto do Partido Comunista.

Para colaborar no amplo movimento de estudo que foi posto em marcha com a terceira edição do Manifesto, agora nas Edições Bandeira Vermelha, a redacção do Luta Popular responderá às perguntas que os leitores quiserem formular-lhe sobre o conteúdo do Manifesto do Partido Comunista. Apelamos ao estudo consciencioso e dedicado daquela que é uma das mais importantes obras teóricas emancipadoras do movimento operário!

 

18.01.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

II


Pode-se perguntar qual é a ideia central do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels?

 
Sim, pode perguntar-se, faz todo o sentido e dá-se até o caso de a própria resposta já ter sido formulada duas vezes por Frederico Engels: a primeira, no prefácio à edição alemã de 1883, ano da morte de Carlos Marx, e a segunda, no prefácio à edição inglesa de 1888, duas passagens comoventes que atestam simultaneamente a originalidade criativa de Marx e a honradez do carácter de Engels, seu companheiro de escrita e de lutas.

No prefácio à edição alemã, Engels respondeu assim à pergunta do leitor:

“A ideia fundamental e directriz do Manifesto, a saber: a produção económica e a estrutura social que dela necessariamente resulta constituem, em cada época histórica, a base da história política e intelectual dessa época; que, por conseguinte, (desde a dissolução do regime primitivo da propriedade comum da terra) toda a história tem sido uma história de lutas de classes, de lutas entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes dominadas e classes dominantes, nas diferentes fases do seu desenvolvimento social; e que actualmente essa luta atingiu uma etapa em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) não pode já libertar-se da classe que a explora e oprime, sem libertar, ao mesmo tempo e para sempre, toda a sociedade da exploração, da opressão e das lutas de classes – esta ideia mestra pertence única e exclusivamente a Marx.

Já o declarei muitas vezes, mas é necessário, precisamente agora, que esta declaração figure também à cabeça do Manifesto.”

No prefácio à edição inglesa de 1888, Engels formulou a resposta desta maneira:

“Embora o Manifesto seja uma nossa produção conjunta, considero-me obrigado a assinalar que a tese fundamental constitutiva do seu núcleo pertence a Marx. Essa tese afirma que, em qualquer época histórica, o modo predominante de produção económica e de troca e a estrutura social que dele necessariamente deriva formam a base sobre a qual se levanta, e é a única que explica a história política e intelectual dessa época; que, consequentemente, toda a história da humanidade (depois da dissolução da sociedade gentílica primitiva com a sua propriedade comunal da terra) tem sido uma história de lutas de classes, de lutas entre classes exploradoras e exploradas, entre classes dominantes e classes dominadas; que a história dessa luta de classes atingiu na actualidade, no seu desenvolvimento, uma etapa em que a classe explorada e oprimida – o proletariado – não pode já emancipar-se do jugo da classe que a explora e oprime – a burguesia – sem emancipar ao mesmo tempo e para sempre a sociedade inteira de toda a exploração, opressão, divisão de classes e luta de classes.

Esta ideia, destinada, segundo creio, a marcar para a ciência histórica o mesmo progresso que a teoria de Darwin para a Biologia, ambos nos havíamos aproximado dela, pouco a pouco, vários anos antes de 1845. Até que ponto eu avancei independentemente nessa direcção, pode ver-se claramente no meu livro A Situação da Classe trabalhadora em Inglaterra. Quando, na Primavera de 1845, me voltei a encontrar com Marx em Bruxelas, ele já havia elaborado esta tese e expôs-ma em termos quase tão claros como eu o fiz aqui.”

22.01.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

III

 

Na segunda nota de estudo, viu-se que a tese central do Manifesto é esta:

  • A produção económica e a estrutura social que dela necessariamente resulta constituem, em cada época histórica, a base da história política e intelectual dessa época;
  • Desde a dissolução do regime primitivo da propriedade comum da terra, toda a história tem sido a história da luta de classes, entre classes exploradas e classes exploradoras, entre classes opressoras e classes oprimidas, nas diferentes fases do seu desenvolvimento social;
  • Actualmente, essa luta atingiu uma etapa em que a classe explorada e oprimida – o proletariado – já não pode libertar-se da classe que o explora e oprime – a burguesia – sem libertar, ao mesmo tempo e para sempre, toda a sociedade da exploração, da opressão e da luta de classes.

Ora, muito bem: mas, então, quais são as grandes linhas estratégicas de o Manifesto do Partido Comunista para alcançar a sociedade sem classes, isto é, o comunismo?


São cinco as grandes linhas estratégicas definidas no Manifesto para instaurar a sociedade comunista:

1.ª A emancipação do proletariado é obra do próprio proletariado

Esta primeira grande linha estratégica não aparece definida com esta precisão no texto do Manifesto, mas é evidente que o próprio Manifesto não é outra coisa senão o programa teórico e prático pelo qual a classe operária se emancipará a si mesma, pondo termo à exploração, à opressão, à sociedade de classes e à luta de classes

A fórmula a emancipação do proletariado é obra do próprio proletariado – nesta variante ou na outra variante também enunciada por Marx (a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores) nos estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT),fundada em 1864 – foi muitas vezes utilizada por Marx e Engels depois da publicação do Manifesto


2.ª Não há proletariado revolucionário sem partido revolucionário do proletariado

A necessidade de vender, mediante um salário, a única mercadoria que possui – a sua força de trabalho – para poder sobreviver, constitui fundamento da divisão dos operários entre si, divisão que só poderá ser ultrapassada mediante uma organização política da classe operária em partido, pelo qual e com o qual tomará consciência de si mesma e do seu papel histórico. É a constituição do proletariado em classe, conforme se diz no primeiro parágrafo da fls. 70 da nossa edição actual do Manifesto.


3.ª A constituição do proletariado em classe dominante

O objectivo político essencial do proletariado é derrubar a burguesia e constituir-se como classe dominante. No Manifesto não se utiliza ainda a expressão: ditadura do proletariado, embora a págs. 83 da nossa edição actual da obra se contenha uma clara definição do conteúdo dessa ditadura, da sua função política e do seu desaparecimento.

A expressão ditadura do proletariado foi aliás criada por Joseph Weydemeyer. Na Crítica ao Programa de Gotha, publicado em 1875, Marx escreveu:

“Muito antes de mim, historiadores burgueses haviam descrito o desenvolvimento histórico dessa luta de classes. A minha contribuição foi mostrar que a existência das classes está simplesmente ligada a determinadas fases históricas do desenvolvimento da produção; que a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado; que esta ditadura, em si, não constitui mais que uma transição para a abolição de todas as classes e uma sociedade sem classes"


4.ª A sociedade comunista

Se o proletariado, na sua luta contra a burguesia, se constitui formalmente em classe, que se eleva por uma revolução a classe dominante e, como classe dominante, destrói pela violência o regime de produção burguês, então destruirá simultaneamente este regime de produção e as condições do antagonismo das classes, destruirá as classes em geral e, por conseguinte, a sua própria dominação de classe.


5.ª O Internacionalismo Proletário

Os operários não têm pátria” diz-se a págs. 78 do Manifesto. A pátria foi-lhes expropriada pelos burgueses e pelo modo de produção burguês, com a necessidade de construir um mercado mundial para o capitalismo. Como, todavia, o proletariado deve, em primeiro lugar, conquistar o poder político, tem de elevar-se à condição de classe nacional e tornar-se ele mesmo a nação.

É contudo certo que a vitória do proletariado precisa cada vez mais do apoio dos proletários de todos os países e que, por outro lado, a supressão da exploração do homem pelo homem conduz inevitavelmente à abolição da exploração de uma nação por outra nação. A fórmula Proletários de Todos os Países, Uni-vos estabelece, ao mesmo tempo, o internacionalismo proletário como fundamento e como consequência da revolução proletária, e como ideologia da classe mundial dos proletários.

25.01.2016


 Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

IV


Há alguma relação directa entre as propostas teóricas e estratégicas do Manifesto do Partido Comunista e as lutas operárias que o antecederam na Europa?

 

Que há uma relação directa entre as propostas do Manifesto e as lutas operárias que o antecederam na Europa é coisa que se deduz do preâmbulo do próprio Manifesto: “Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo. Todas as forças da velha Europa se uniram numa Santa Aliança para acossar esse espectro: o papa e o czar, Metternich e Guizot, os radicais franceses e os polícias alemães”.

E é justamente dessa luta entre o movimento operário e as forças reaccionárias que Marx e Engels extraem um duplo ensinamento:

por um lado, que o comunismo já é reconhecido como uma força por todas as potências da Europa; e

por outro lado, que já é hora de os comunistas exporem, perante o mundo inteiro, as suas concepções, os seus fins e as suas aspirações; de oporem à lenda do espectro comunista um manifesto do próprio Partido.

Há pois uma articulação directa entre a prática e a teoria do movimento operário revolucionário.

28.01.2016


 Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

V

 

Quais foram as principais lutas operárias revolucionárias de massas que antecederam a publicação do Manifesto e o influenciaram?

 

O Manifesto do Partido Comunista foi publicado em Fevereiro de 1848, ou seja, no quadro económico, social e político da Primeira Grande Revolução Industrial.

Naqueles países onde se expandiu a Primeira Grande Revolução Industrial – Inglaterra e França, nomeadamente –, expandiram-se também a classe operária moderna e todos os movimentos políticos e sociais ligados ao nascente movimento operário.

A Revolução Industrial foi um conjunto de profundas mudanças ocorridas na Europa, sobretudo na Inglaterra e na França, nos séculos XVIII e XIX, que substituíram o trabalho artesanal pelo trabalho assalariado, a manufactura pela maquinofactura, com a invenção da máquina a vapor e do comboio. Tudo se passou entre 1760 e 1840.

O primeiro grande sinal de um movimento revolucionário de massas é dado pelo massacre de Peterloo, em 16 de Agosto de 1819, na localidade de Saint Peter's Field, em Manchester, onde um Regimento de Cavalaria da Guarda Real carregou sobre uma multidão de 80 000 pessoas desarmadas (homens, mulheres, velhos e crianças) que pacificamente exigiam a reforma da representação parlamentar e o direito de voto. Foram mortas ou gravemente feridas cerca de 800 pessoas, na sua maioria operários das indústrias do algodão.

Foi o começo da mobilização e insurreição do movimento operário britânico em torno de questões políticas contra os conservadores... A sarcástica expressão Massacre de Peterloo, inventada pelos operários, ligou o combate de Saint Peter's Field (campo de São Pedro) à batalha de Waterloo (campo de Waterloo) na Bélgica, quatro anos antes, a 18 de Junho de 1815, onde o Duque de Wellington derrotou e aprisionou Napoleão Bonaparte. Depois de Waterloo, Peterloo…

(continua)

 

02.02.2016


 Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

VI

 

Quais foram as principais lutas operárias revolucionárias de massas que antecederam a publicação do Manifesto e o influenciaram?

 (Continuação...)

 

O Massacre de Peterloo está no começo de um movimento de protestos e reivindicações que incidiram directamente sobre o sistema político britânico e que antecederam o poderoso movimento cartista dos anos 30 do século XIX. No início, estava em causa uma questão de capacidade eleitoral que marginalizava a representação de uma parte da burguesia.

A agitação à volta desta questão adquiriu uma enorme envergadura quando à burguesia descontente se juntaram os operários e os pequenos produtores industriais arruinados, o que levou os tories (partido conservador) a abrir mão da Lei da Reforma, aprovada em 1832, que franqueou as portas do Parlamento à burguesia, mas não ao proletariado, seu aliado e principal força combativa naquela luta… A aristocracia, temendo a força do movimento operário crescente, virou de capa e aceitou a reforma burguesa do sistema eleitoral, isolando o proletariado, a partir daí seu inimigo político principal.

O novo Parlamento (tories e wiggs) aprovou, logo em 1834, apenas dois anos depois, a segunda Lei dos Pobres, que agravou ao extremo a situação já miserável do exército dos operários mais necessitados.

A nova Lei dos Pobres começava por tornar o trabalho obrigatório. Assim, para o desempregado obter auxílio, era obrigado a deslocar-se ao albergue local e trabalhar, para onde os comissários o mandassem, por um salário inferior ao do mercado livre da força de trabalho.

A lei estabelecia uma distinção entre os pobres dignos e os pobres indignos, distinção que ficava a cargo dos comissários, sendo certo que os pobre indignos não tinham direito ao auxílio do Albergue.

Não obstante, o pobre só recebia aquele tipo de auxílio (trabalho obrigatório por salário inferior ao salário do mercado) se, além de desempregado, o pobre se tornasse, também obrigatoriamente, indigente. Com efeito, o pobre só receberia auxílio depois de vender tudo o que possuísse de seu: casa, objectos de trabalho, horta, animais domésticos, etc.

Quando houvesse a certeza que o operário desempregado era pobre sem nada de seu, então teria direito ao auxílio de um trabalho obrigatório por um salário inferior ao salário do mercado livre…

Não será preciso lembrar aos operários portugueses desempregados, leitores desta nota, que o governo Coelho/Portas aplicou, durante os últimos quatro anos, um regime semelhante a este no auxílio ao desemprego…

05.02.2016


 Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

VII


O que são as trade unions?
Houve alguma relação entre elas e o Manifesto?


As trade unions ou uniões profissionais – trade (profissão) e union (união) – são as organizações operárias predecessoras dos sindicatos, surgidas em Inglaterra nos começos do século XIX, em plena era da primeira Revolução Industrial.

Na sua notável obra A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra, publicada em 1845, dois anos antes do Manifesto do Partido Comunista, Engels estuda e denuncia as miseráveis condições de vida do proletariado inglês e, de passagem, conta também a história da evolução das formas de organização da classe operária, desde as primeiras associações, destinadas a roubar aos capitalistas as mercadorias produzidas pelos trabalhadores, passando pelas organizações promovidas pelo operário Net King Ludd com o objectivo de destruir as máquinas que supostamente roubariam postos de trabalho, até às trade unions, reconhecidas por lei de 1824 da Câmara dos Comuns, e que logo se estenderam por todos os sectores da actividade no Reino Unido, como formas de fortalecer os operários na sua luta contra os capitalistas, por melhores salários e condições de trabalho.

Em 1834, precisamente no ano da publicação da nova Lei dos Pobres, os operários da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda reactivaram as trade unions e constituíram a Grande Trade Union Nacional Consolidada, que chegou a contar com mais de 500 000 operários filiados.

Marx e Engels colheram ensinamentos importantes dessa experiência do proletariado britânico na sua luta por objectivos económicos, politicamente limitados e frustrantes, assunto que vem todavia referido em muitos passos do Manifesto.

 

09.02.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

VIII


A experiência política do movimento cartista inglês reflecte-se no Manifesto do Partido Comunista?


Sim e a vários títulos.

Ao longo da década de 30 do século XIX, cresce na classe operária inglesa o seu interesse pelas acções políticas de classe independente. E é desta e de outras experiências políticas autónomas que resulta a ideia de que o objectivo imediato dos comunistas é a constituição dos proletários em classe, o derrubamento da dominação burguesa e a conquista do poder político pelo proletariado, ideia que expressamente consta do parágrafo primeiro de fls 70 da nossa edição do Manifesto.

Quanto ao Movimento Cartista, emergiu da actividade política da Associação Londrina de Operários, fundada em 1836, e que, inicialmente, revestia uma composição híbrida, englobando entre os seus fundadores, além de operários, elementos pequeno-burgueses e radicais, todos com o objectivo de conquistar o sufrágio universal.

Em Maio de 1838, a Associação enviou ao parlamento inglês um documento que fez furor, intitulado Carta do Povo, redigida por dois radicais: o auto-didacta William Lovett e o advogado Feargus O’Connor.

O Cartismo representa um marco fundamental do movimento operário mundial e constitui o primeiro movimento operário revolucionário de massas.

À volta da Carta do Povo, desencadeou-se um amplo movimento político que se estendeu à Escócia, ao País de Gales e à Irlanda. Efectuaram-se enormes comícios operários de massas nas grandes cidades industriais (Manchester, Glasgow e Newcastle).

Em Julho de 1840, constituiu-se a Associação Cartista Nacional que deve ser considerada como a primeira organização política de massas da classe operária.

Na Convenção Cartista, reunida em Londres em Fevereiro de 1839, foi admitido o recurso à força para fazer aprovar a Carta, o que desencadeou distúrbios violentos por toda a parte e levou à fuga dos radicais, afinal cheios de medo. Pela primeira vez na História o movimento proletário passou a contar apenas com as suas próprias forças.

Em Agosto de 1842, é desencadeada a greve geral, preparada pela Associação Cartista Nacional, então exclusivamente operária. Frederico Engels examina esta greve num dos anexos à sua obra A Situação da Classe Trabalhadora em InglaterraTratou-se de uma verdadeira revolução proletária, a primeira da História. Colunas de proletários deslocavam-se de cidade para cidade e os comícios alcançavam proporções gigantescas.

A mera reivindicação do sufrágio universal adquiriu um carácter político de massas e, dirigido pelo proletariado, juntou-se à revolução social. A greve geral de 1842 foi derrotada e o movimento cartista cruelmente reprimido pelas tropas e polícias da Inglaterra, mas o programa democrático do movimento cartista acabou por ser totalmente incorporado na legislação inglesa em 1860.

Com efeito, conseguiram-se mudanças muito importantes, entre as quais a lei da protecção do trabalho infantil, a lei de imprensa, a reforma do Código Penal, a regulamentação do trabalho feminino e infantil, a lei da eliminação dos direitos alfandegários sobre os cereais importados (tornando o pão mais barato), a legalização das associações políticas e a lei da jornada de trabalho das 10 horas.

O movimento cartista inglês, com a sua experiência e direcção proletárias, é o pano de fundo do Manifesto do Partido Comunista.

 

12.02.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

IX

 

Quem lê o primeiro parágrafo da introdução ao Manifesto do Partido Comunista – a celebérrima frase “Um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”, etc. – ficaria a pensar que o movimento operário da Europa continental, nomeadamente o francês e o alemão, teria tido maior influência directa na elaboração desta obra conjunta de Marx e de Engels do que o movimento operário inglês, designadamente o movimento cartista. É ou não assim?!

 

Eis uma pergunta inteligente, e que tem o discreto propósito de pôr frontalmente em causa a conclusão da nossa última nota de estudo: “o movimento cartista inglês, com a sua experiência e direcção proletárias, é o pano de fundo do Manifesto do Partido Comunista”.

Realmente, em todo o texto do Manifesto só há duas referências directas ao cartismo e sobre questões menores, correlativas à táctica de alianças dos comunistas e socialistas: no último parágrafo do III Capítulo, a fls 101, e no primeiro parágrafo do IV Capítulo, a fls 103, da edição da nossa Editora Bandeira Vermelha. Mas também não há referências a nenhum outro movimento operário concreto da Europa continental, a não ser sobre as mesmas questões de ligações tácticas.

O que está em causa não são pois referências directas a este ou aquele movimento operário, mas as experiências dos movimentos revolucionários do proletariado da Europa e da América do Norte, experiências que suportam, conjuntamente com os fundamentos teóricos da doutrina de Marx e de Engels, os princípios estratégicos do Manifesto.

O problema que se põe aos comunistas de hoje é que têm de conhecer em profundidade o movimento proletário revolucionário na Inglaterra, na Europa continental, incluindo a Rússia, e na América do Norte nas primeiras quatro décadas do século XIX, para entenderem os fundamentos práticos e teóricos do Manifesto.

Aí chegados, teremos compreendido que há um profundo contraste entre o carácter eminentemente social do movimento operário inglês, a sua autonomia proletária e a sua amplitude de massas, e o carácter eminentemente político do movimento operário europeu continental, especialmente o francês, sem suporte em organizações sociais de massas. Claro está que nos reportamos a uma época muito anterior à da Comuna de Paris, que é de 1871.

É da comparação das experiências destes dois tipos de movimentos proletários, lidos à luz da doutrina marxista que conhecemos dessa época, que resulta o Manifesto do Partido Comunista.

Fascinante é ver, à medida que a doutrina teórica do marxismo se vai desenvolvendo, quais são as alterações que vai impondo ao texto do próprio Manifesto. E, desde já, chamamos a vossa atenção para o facto de que são muito limitadas as alterações de natureza substancial, mas mesmo essas escassas alterações são essenciais, como haveremos de ver na altura própria.

Voltaremos, todavia, ao estudo do movimento operário continental na nossa próxima nota.

16.02.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

X


Qual foi então a contribuição do movimento operário francês para a elaboração das grandes linhas do Manifesto?


A primeira grande acção política da classe operária francesa ocorreu com a revolução de Julho de 1830, em Paris, e teve por objectivo o derrubamento do regime despótico do rei Carlos X, da dinastia Borbom, e a sua substituição pelo regime constitucional liberal burguês do rei Luís Filipe, da dinastia de Orleães.

Mas tal como veio a suceder mais tarde com o movimento operário inglês em 1832, também a grande burguesia financeira francesa aproveitou a revolução de Julho para se alcandorar ao poder às costas do movimento revolucionário dos operários franceses em Julho de 1830, afastando-os, depois, da fruição dos direitos eleitorais e da reforma parlamentar por que lutaram. Toda esta experiência contribuiu para a definição dos princípios estratégicos essenciais do Manifesto, nomeadamente o princípio de que a libertação do proletariado é obra do próprio proletariado e não dos seus aliados de circunstância.

A partir da experiência da revolução de Julho de 1830, o movimento operário francês assume definitivamente o carácter político de uma força republicana e jacobina. De qualquer modo, a revolução de Julho acendeu a chama da revolta liberal um pouco por toda a Europa: da Bélgica à Polónia, da Itália à Alemanha e até a Portugal, então já em plena guerra civil entre liberais e absolutistas.

Todavia, o primeiro grande levantamento exclusivamente operário em França deve-se à revolta dos canudos, os tecelões da seda nas manufacturas de Lião, a maior cidade industrial francesa naquela época. O termo canudo – canut, em francês – advém da forma da lançadeira então usada pelo operário tecelão.

Chegaram a estar concentrados nas manufacturas da seda na cidade de Lião cerca de 80 000 operários. Na sua primeira revolta – a de 1831 – os tecelões tomaram os quartéis e a câmara municipal durante oito dias, e expulsaram da cidade as autoridades, a guarda nacional e o exército, numa luta que custou às forças da ordem 100 mortos e 263 feridos e aos revoltosos 69 mortes e 140 feridos.

O rei democrata Luís Filipe enviou para Lião um corpo de exército de 20 000 homens, comandado por Soult, o velho general napoleónico que invadiu Portugal em 1809 pela fronteira do norte e ocupou o Porto (a 2.ª invasão francesa).

Soult negociou um acordo com os operários revoltados, acordo que não foi respeitado pelo governo de Paris, dando assim origem à segunda revolta dos canudos, a de 1834. Houve ainda uma terceira revolta, esta em 1848, já depois da publicação do Manifesto, que teve como consequência a dispersão do proletariado da seda pelos campos fora da cidade.

Foi na revolta dos canudos, em 1831, que apareceram pela primeira vez as bandeiras negras, como símbolos da revolta proletária, mais tarde adoptadas pelos anarquistas, e a palavra de ordem dos proletários da seda, que ainda hoje a proclamam: Viver Trabalhando ou Morrer Lutando!

Marx estudou profundamente o movimento revolucionário dos tecelões de Lião, assim como dos de Manchester, em Inglaterra, e dos da Silésia, na Alemanha, experiências que lhe permitiram aprofundar e sistematizar as suas concepções revolucionárias.

As revoltas dos tecelões de Lião nos anos de 1831 e 1834 foram os primeiros levantamentos autónomos dos operários contra a burguesia e deram assim início ao moderno movimento revolucionário do proletariado.

Note-se que o primeiro texto em que Marx se proclama comunista – os Manuscritos Económico-Filosóficos, redigidos em 1844 – surge no seguimento das revoltas dos tecelões de Lião (1831 e 1834) e da Silésia (1844).

Antes de 1844, não havia hipótese de Marx e Engels terem produzido o Manifesto do Partido Comunista, o qual, como já sabemos, só foi escrito entre Novembro de 1846 e Fevereiro de 1847.

 

19.02.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

XI

 

Publicado em Fevereiro de 1848, parece evidente a influência do movimento operário europeu das décadas de 30 e de 40 do século XIX no pensamento de Marx e de Engels e na redacção do Manifesto, como se viu nas notas de estudo anteriores. Mas a questão que agora se põe é esta: teve o Manifesto alguma influência nas grandes revoluções europeias de 1848 e 1849?

 

Manifesto, por um lado, é o produto das mesmas contradições económicas, sociais, políticas e culturais que geraram as revoluções europeias em 1848 e 1849, e, por outro lado, desempenhou um certo papel político junto da classe operária, que participou em todas essas revoluções, muito embora não fosse a única das teorias socialistas que as agitaram.

Em 1848 e 1849, a Europa inteira foi acossada por um poderoso movimento revolucionário à escala de todo o continente. Tratou-se de um movimento revolucionário global, de carácter liberal e nacionalista, com uma participação muito activa mas desigual dos proletários de todos os países europeus, movimento revolucionário que resultou da junção da crise económica generalizada do antigo regime com a primeira grande crise – de crescimento – do novo regime capitalista, perante as primeiras dificuldades de expansão.

O movimento revolucionário europeu de 1848 e 1849 ficou conhecido como a Primavera dos Povos e saldou-se por mais de 50 revoluções, insurreições, sublevações e levantamentos que, em poucos meses, eclodiram em quase todos os países da Europa continental.

Primavera dos Povos começou com a revolução de Paris, de 23 de Fevereiro de 1848, a que se seguiu a revolução de Estugarda, no dia 29. A 2 de Março, em Munique; a 3, em Breslau, a 7, em Berlim; a 11, em Praga, exigindo a independência da Checoslováquia; a 12, em Budapeste, a reclamar a independência da Hungria; a 15, tentativa de assalto ao palácio imperial em Viena; a 18, a revolução de Milão e a proclamação da República de São Marcos, em Veneza; no mesmo dia ainda, os polacos revoltaram-se em Pozman e os romenos reúnem a sua assembleia nacional; a 26, em Madrid e a 29 em Barcelona. A 25 de Abril, erguem-se barricadas em Cracóvia; a 15 de Maio, insurreição em Nápoles; e de 26 a 28, jornadas de luta nas ruas de Viena. No mesmo dia, levantamento em Dublin; a 12 de Junho, nova insurreição em Praga e a 23, outra revolução em Paris.

E até em Portugal, José Estêvão, Oliveira Marreca e Rodrigues Sampaio organizaram a Conspiração das Hidras, que ganhou este curioso nome pelo facto de que cada vez que um dos seus membros era preso, logo surgiam dois ou três outros companheiros para ocupar o seu lugar.

Este era o espectro que rondava a Europa, o espectro do comunismo, adivinhado por Marx e Engels no preâmbulo do seu Manifesto.

Não é possível examinar aqui todas as lições deste espectacular movimento revolucionário, onde o proletariado dos países europeus participou activamente e que, em parte, foi derrotado às mãos de Guizot e de Metternich, tal como parece que Marx e Engels adivinhavam no parágrafo primeiro do Manifesto…

Note-se que é a novidade de um movimento revolucionário global dos operários, naquela altura de todas a nações da Europa, que leva Marx e Engels à formulação antecipada da notável síntese ideológica fundamental do internacionalismo proletário: proletários de todos os países, uni-vos!, chave com que fecha o texto do Manifesto.

 

09.03.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

XII

 

Nas Notas de Estudo sobre o Manifesto do Partido Comunista até agora publicadas, o nosso Jornal tem dado a conhecer, com justo relevo, a grande importância do movimento revolucionário do proletariado europeu na primeira metade do séc. XIX, ligando o surgimento do Manifesto ao progresso revolucionário da classe operária e à primeira revolução industrial. Mas, no campo teórico, já eram conhecidas as ideias fundamentais do Manifesto, ou aparecem aí pela primeira vez?

 

A resposta à questão suscitada remete directamente para o preâmbulo do próprio Manifesto. Esses pequenos seis parágrafos que compõem a página 47 do livro da Editora Bandeira Vermelha merecem mais atenção do que a leitura rápida que geralmente lhes dedicamos: “um espectro ronda a Europa: o espectro do comunismo”.

No fundo, o que Marx e Engels nos querem dizer naquele pequeno prólogo é isto: vivemos numa Europa onde rebentam revoluções, levantamentos e insurreições quase todos os dias; todos os partidos, os do poder e os da oposição, acusam-se uns aos outros de comunistas; todas as forças da velha Europa se uniram numa Santa Aliança para derrotar os comunistas; ora, se toda a gente reconhece que o comunismo é uma força, então cabe aos autênticos comunistas dizerem, perante o mundo inteiro, o que é o comunismo, e isso é o que hoje farão com a publicação do seu Manifesto do Partido Comunista.

O Manifesto aparece pois como a primeira declaração de princípios do comunismo científico contra o comunismo utópico e o socialismo reaccionário. E aparece enquanto programa simultaneamente teórico e prático de um partido: o partido da classe operária, ou melhor dito, o partido do proletariado, quer dizer, da classe operária consciente da sua missão histórica, como classe em si e para si.

Primeira síntese global dos princípios do comunismo científico, mesmo assim esses princípios não aparecem de chofre e pela primeira vez no Manifesto do Partido Comunista, visto que o sistema teórico desses princípios já havia sido formulado por Marx, algumas vezes em escritos conjuntos com Engels, antes da edição do Manifesto em fins de Fevereiro de 1847.

Como já o aflorámos noutra Nota, a primeira formulação do comunismo por Marx surge nos Manuscritos Económico-Filosóficos – também conhecidos como Manuscritos de Paris – redigidos entre Abril e Agosto de 1844, na capital francesa, quase três anos antes da publicação do Manifesto e num tempo em que ainda não se havia proporcionado o famoso primeiro encontro com Engels, em Bruxelas. Os Manuscritos Económico-Filosóficos, todavia, só vieram a público em 1923, na então União Soviética, e têm constituído um dos mais discutidos e comentados textos fundadores do marxismo.

O mais longo dos três cadernos dedicados à economia política contém os primeiros estudos de Marx sobre a alienação do trabalho – o trabalho assalariado – em todas as suas formas, mas sobretudo quanto à alienação no produto, no processo e no objecto do trabalho no sistema capitalista. O comunismo é abordado sobretudo no terceiro manuscrito.

Marx interrompeu a redacção dos Manuscritos para enfrentar as exigências práticas das lutas sociais nos círculos revolucionários alemães em França, que haviam entretanto criado a Liga dos Justos, a que Marx pertenceu.

Marx desencadeou então, mas agora conjuntamente com Engels, um ataque fulgurante e impiedoso, num estilo sarcástico demolidor, contra as concepções erróneas idealistas dos seus amigos Jovens Hegelianos, num livro publicado em Francoforte, em 1845, com o título A Sagrada Família e o subtítulo A crítica da crítica crítica.

Marx punha a nu o oportunismo daqueles ideólogos pequeno-burgueses que depositavam esperanças na burguesia liberal para a condução do movimento revolucionário na Alemanha, lembrando que, para a realização das ideias justas, era preciso uma força política nova que as impusesse, que essa força só poderia ser o proletariado e que a nova ordem seria o comunismo.

A Sagrada Família não foi um livro de grande sucesso na altura. Porém, Lenine, mais tarde, salientaria a influência desta obra que, na sua muito justa opinião, lançou as bases para o que veio a ser – precisamente no Manifesto – o comunismo científico revolucionário materialista.

Na próxima Nota, continuaremos a examinar onde e como surgiram os princípios teóricos que constituíram a essência do Manifesto do Partido Comunista.

 

 12.03.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

XIII

 

No campo teórico, já eram conhecidas as ideias fundamentais do Manifesto, ou aparecem aí pela primeira vez?

(Continuação)

 

No mesmo ano de 1845 em que foi publicada em Francoforte A Sagrada Família, foi também editada em alemão a obra de Engels intitulada A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra, texto que contribuiu para uma viragem no pensamento de Marx na compreensão da história.

Forçados a abandonar Paris, Marx e a família refugiaram-se em Bruxelas, onde encontraram Engels, que Marx já conhecia por troca de correspondência, e começaram os dois a escrever A Sagrada Família. Também em conjunto escreveram A Ideologia Alemã, que representa um ajuste de contas dos dois autores com a sua consciência teórica anterior e com os seus amigos da esquerda hegeliana.

O manuscrito da Ideologia Alemã ficou terminado em 1846, mas nunca foi publicado em vida de Marx ou de Engels. Não tendo encontrado editor, o manuscrito, como mais tarde ironizaria Marx, ficou submetido “à crítica corrosiva dos ratos”, e só veio a lume em 1933, em Leipzig e Moscovo simultaneamente.

A viragem de Marx (e de Engels) para o materialismo histórico assume-se definitivamente na Ideologia Alemã: “não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”, para citar um resumo do próprio Marx feito no prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política, de 1859.

O materialismo histórico, a produção da consciência, a dialéctica da história, o comunismo – todas as bases teóricas fundamentais do marxismo, que constituem a alma do Manifesto do Partido Comunista, publicado, como sabemos, em 21 de Fevereiro de 1848, já estavam definidas na Ideologia Alemã, em 1846, dois anos antes, muito embora o texto só tivesse sido publicado, como se deixou também já sublinhado atrás, em 1933.

Depois das experiências falhadas da União Soviética e da China Popular, é à Ideologia Alemã que o proletariado tem de voltar para pôr de pé o marxismo e o comunismo. Todo o Marx, a partir do Manifesto, tem de ser lido à luz da Ideologia Alemã. Incluindo O Capital.

Sempre muito operativo e prático, Engels escreveu em Paris um projecto de programa para a Liga dos Comunistas com o título de Princípios Básicos do Comunismo, por encargo do Comité Regional da Liga, que ficou pronto em Novembro de 1847, sob a forma de catecismo, em perguntas e respostas.

Depois de pronto o texto, Engels escreveu a Marx – carta de 23/24 de Novembro de 1847 – propondo-lhe abandonar Os Princípios Básicos na forma de catecismo e avançar com a redacção de um programa para a Liga dos Comunistas sob a forma de Manifesto Comunista. As suas opiniões foram aprovadas no Congresso da Liga dos Comunistas, e aí Marx e Engels foram encarregados da tarefa, que cumpriram com a produção conjunta dessa primeira grande obra-prima do proletariado revolucionário: O Manifesto do Partido Comunista.

Os Princípios Básicos do Comunismo acabaram por só serem publicados em 1914. A editora Vento de Leste, do Partido, publicou-os em 1975.

A resposta à questão colocada no início das duas últimas Notas de Estudo é pois esta: as ideias fundamentais do Manifesto do Partido Comunista já tinham sido formuladas por Marx e Engels, sobretudo na Ideologia Alemã, mas em textos que todavia não tinham sido publicados.

Mas o que se deve salientar é que a teoria do marxismo e do comunismo se desenvolveram ao mesmo tempo que se desenvolvia o movimento revolucionário do proletariado. É o ser social que determina a consciência…

 

 18.03.2016


 Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos


XIV


Marxismo e Manifesto do Partido Comunista: qual é a relação entre eles?


Marxismo é o sistema das ideias e da doutrina de Marx. O Manifesto do Partido Comunista, da autoria conjunta de Marx e Engels, é a primeira obra política publicada que contém os princípios fundamentais do Marxismo.

O Manifesto consta de um preâmbulo e quatro capítulos. No preâmbulo, os autores especificam o objecto da sua obra: expor as concepções, os fins e as aspirações dos comunistas. As concepções, fins e aspirações dos comunistas vêm expostos nos dois primeiros capítulos do Manifesto: Burgueses e Proletários, Proletários e Comunistas.

No terceiro capítulo, traçam os autores uma clara linha de demarcação entre o comunismo científico, tal como o entende e define a doutrina marxista, e, por outro lado, o socialismo conservador e reaccionário e o comunismo crítico-utópico. Finalmente, o capítulo IV define a linha geral da táctica política dos comunistas – dos marxistas – naquela época. Este último capítulo envelheceu substancialmente, mas, mesmo assim, contém umas quantas passagens que ainda hoje são vitais na exposição e compreensão do marxismo e no entendimento do comunismo.

Os dois primeiros capítulos – Burgueses e Proletários e Proletários e Comunistas – são, ao mesmo tempo, uma explicitação teórica e uma aplicação prática do materialismo científico, a base filosófica e histórica do marxismo, à história dos homens, à história das sociedades humanas.

Para entender melhor o quadro da análise do marxismo que subjaz àqueles dois primeiros capítulos do Manifesto – o quadro do materialismo histórico –, vamos transcrever um trecho do prefácio de Marx à Contribuição para a Crítica da Economia Política, publicada em alemão, em 1859, onze anos depois da primeira edição do Manifesto.

É uma citação um pouco longa, mas vale bem a pena, porque é o primeiro grande clássico da teoria do materialismo histórico, a base fundamental do marxismo e, por isso, do Manifesto:

"O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu de fio condutor aos meus estudos pode resumir-se assim: na produção social da sua existência, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada fase do desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política, a que correspondem determinadas formas de consciência social.

O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência.

Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade chocam-se com as relações de produção existentes, ou – o que não é senão a sua expressão jurídica – com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações convertem-se em obstáculos para elas. Inicia-se então uma época de revolução social. Ao mudar a base económica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela.

Quando se consideram tais abalos, é preciso distinguir entre as mudanças materiais ocorridas nas condições económicas da produção, e que podem ser apreciadas com a exactidão própria das ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, numa palavra, as formas ideológicas em que os homens adquirem consciência desse conflito e lutam por resolvê-lo.

E do mesmo modo que não podemos julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si mesmo, não poderemos tampouco julgar as épocas de revolução com base na consciência que elas têm de si próprias; é preciso, ao invés, explicar esta consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção.

Nenhuma formação social desaparece antes de se desenvolverem todas as forças produtivas que em si contém, e jamais aparecem relações de produção novas e superiores antes de amadurecerem no seio da própria sociedade antiga as condições materiais para a sua existência. Por isso, a humanidade propõe-se sempre apenas os objectivos que pode alcançar, pois, bem vistas as coisas, chegaremos sempre à conclusão de que esses objectivos só nascem ou quando já existem ou quando, pelo menos, estão em gestação as condições materiais para a sua realização. A grandes traços, podemos designar como outras tantas épocas de progresso ou de formação económica da sociedade, o modo de produção asiático, o modo de produção antigo, o modo de produção feudal e o modo de produção burguês moderno. As relações burguesas de produção são a última forma antagónica do processo social de produção, antagónica, não no sentido de um antagonismo individual, mas de um antagonismo que provém das condições sociais da vida dos indivíduos.

As forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, porém, e ao mesmo tempo, as condições materiais para a solução desse antagonismo.

om esta formação social se encerra a pré-história da sociedade humana

Contribuição para a Crítica da Economia Política foi publicada no mesmo ano em que se publicou A Origem das Espécies, de Charles Darwin. Engels, na oração fúnebre com que se despediu do seu amigo na ocasião do funeral, em 16 de Março de 1883, no cemitério de Highgate, nos arredores de Londres, lembrou essa coincidência de publicações do seguinte modo: “Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana”.


21.03.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos


XV

 

Em que consiste então essa lei do desenvolvimento da história humana, a que se reportava Engels no seu discurso fúnebre em Highgate?

 

A resposta está no primeiro parágrafo do primeiro capítulo do Manifesto do Partido Comunista, na página 49 da publicação da Editora Bandeira Vermelha: “A história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes”.

Como se sabe, esta fórmula concisa e lapidar com que no Manifesto se define a teoria da luta de classes foi mais tarde corrigida por Engels, em nota para a edição inglesa de 1888. Com base nessa correcção, a teoria da luta de classes deve ser reformulada nos seguintes termos: “com excepção da história da comunidade primitiva, a história de todas as sociedades até aos nossos dias é a história da luta de classes”.

Esta fórmula foi redigida por Lenine, em 1913, no artigo que escreveu sobre Karl Marx para o Dicionário Granat, dicionário enciclopédico alemão.

Quando foi escrito o Manifesto do Partido Comunista – de Novembro de 1847 a Fevereiro de 1848, como já se sabe –, a história da organização social que precedeu toda a história escrita era praticamente desconhecida. Porém, na segunda metade do século XIX, assistiu-se a um notável desenvolvimento dos estudos da pré-história e das sociedades primitivas, tendo-se então descoberto a propriedade comum da terra na Rússia, na origem das tribos germânicas, nas comunidades rurais da Índia e na América.

Uma plêiade de autores, entre os quais sobressaiu o antropólogo americano Lewis Morgan, com o seu livro Ancient Societ  (A Sociedade Antiga), publicado em 1877, deu a conhecer os traços fundamentais das sociedades comunitárias rurais primitivas, que precederam as sociedades de classes.

Marx deixou no seu espólio um exemplar do livro de Morgan, abundantemente comentado, e que serviu de base aos estudos de Engels nessas matérias especializadas.

Em 1884, um ano depois da morte de Marx, Engels publicou A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, livro que repõe, desde o início dos tempos, a análise materialista do desenvolvimento da sociedade humana, e, nomeadamente, o processo da divisão do trabalho na sociedade comunitária rural primitiva, que levou ao aparecimento das classes e da luta de classes, bem como à origem da família, da propriedade privada, do Estado e da guerra.

Na próxima nota, falaremos um pouco sobre a teoria marxista da luta de classes e a concepção materialista da história.


29.03.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

XVI

 

O trecho extraído do Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política, e que ficou atrás reproduzido na Nota de Estudo XIV, condensa a teoria marxista do materialismo histórico. Mas, no materialismo histórico, onde é que está o materialismo?

 

Se fizermos aquela pergunta a cem estudiosos do marxismo – no materialismo histórico, onde é que está o materialismo? – arriscamo-nos a que noventa e nove nos respondam: pois é claro, o materialismo está na matéria.

Esta seria uma resposta absolutamente ingénua e, em última análise, falsa. O materialismo histórico de Marx não consiste em partir da matéria, mas em determinar quem é o protagonista da história: se o espírito, como pretendiam Hegel e todos os idealistas, se o homem na sua luta pela vida. No materialismo histórico marxista, a matéria é o homem e a sua luta pela vida: “são os indivíduos reais, a sua acção e as suas condições materiais de vida, tanto as que encontraram já feitas como as causadas pela sua própria acção”, conforme salienta Marx a dado passo da Ideologia Alemã.

O fundamental para Marx é que a história é feita por homens, que vivem da natureza e que usam instrumentos feitos por si próprios para manterem com ela essa relação especial.

O homem é o ser que trabalha, e é porque trabalha que pensa.

O materialismo histórico de Marx reside nisso: o homem faz-se a si mesmo, transformando a natureza. “Aquilo que os homens são depende das condições materiais da sua produção.Esta é a tese básica do materialismo histórico, também tirada da mesma Ideologia Alemã.

A organização do trabalho e das instituições sociais vão forçosamente mudando, pois cada nível de desenvolvimento das forças produtivas exige condições de vida social adequadas. Ora, como no capitalismo a propriedade dos meios de produção é privada, os homens – os protagonistas sociais da História – são essencialmente divididos entre proprietários e assalariados, os que detêm e os que não têm meios de produção.

As formas de vida social assentam, assim, na produção e no desenvolvimento das forças produtivas. E é nessas condições que os homens produzem inclusivamente a sua própria consciência.


02.04.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos

 

XVII


Se a história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes, conforme se estipula no primeiro parágrafo do primeiro capítulo do Manifesto, então cumpre perguntar:

1. Haverá mais diversas sociedades humanas depois da actual sociedade capitalista burguesa?

2. Se não houver, porque é que não haverá?

3. E se houver, porque é que haverá?

4. E se houver, será uma sociedade de classes e de luta de classes, ou uma sociedade sem classes e sem luta de classes?

5. E porquê?


O primeiro e segundo capítulos do Manifesto do Partido Comunista respondem concretamente a estas quatro questões.

Dissemos já que o primeiro parágrafo do primeiro capítulo do Manifesto condensa em duas linhas a teoria marxista do materialismo histórico: “a história de todas as sociedades que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes”.

Verificámos também que o progresso dos estudos científicos da pré-história na segunda metade do século XIX, sobretudo os estudos da antropologia pré-histórica, levaram à descoberta das sociedades humanas rurais comunitárias primitivas, onde ainda não existiam classes, mas sociedades comunistas rurais, sem classes, nos quatro continentes.

Esta importante descoberta levou Frederico Engels, alicerçado em estudos sobre esta matéria encontrados no espólio Marx, a escrever e publicar uma importante obra sobre A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, obra que fundamentou a correcção introduzida pelo próprio Engels na tese central do materialismo histórico constante do Manifesto: “a história escrita de todas as sociedade que existiram até aos nossos dias é a história da luta de classes.”

Como o leitor estará lembrado, nós optámos, na Nota de Estudo XV, por introduzir uma alteração devida a Lenine, também baseada em Engels, por nos parecer mais exacta em termos de ciência histórica: “com excepção da história da comunidade primitiva, a história de todas as sociedades até aos nossos dias é a história da luta de classes”.

A demonstração da existência, nos quatro continentes, de vestígios seguros de uma sociedade comunitária rural primitiva anterior à constituição da sociedade de classes veio comprovar a teoria marxista de que as classes e a luta de classes não existiram sempre e que, por conseguinte, não estão condenadas a existir sempre. Assim como já houve um tempo em que não existiram classes, nada obstará a que venha outro tempo em que as classes não existirão.

O ponto estará em saber qual é o motor que levou à criação das classes e que levará à sua extinção.

O crescimento da produção nestas sociedades comunitárias rurais primitivas era, no fundamental, consequência da divisão social do trabalho, proveniente do fabrico de novos instrumentos e meios sociais de trabalho e de produção. A apropriação dos excedentes de produção não directamente consumidos pelos produtores mais bem colocados na escala social produtiva deu nascimento às primeiras divisões sociais, provindo daí as classes e a consequente origem da família, da propriedade privada e do Estado.

Surgindo as classes e as lutas de classes, a guerra ininterrupta entre elas travada acabou sempre ou pela transformação revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em luta.

A história conheceu, por via dessa guerra de classes e em quase toda a parte, uma organização completa da sociedade em classes distintas, uma delas explorando e oprimindo a outra, a que foram correspondendo, no decurso dos últimos três mil ou quatro mil anos, diversos modos de produção: o asiático, o antigo, o feudal e o modo de produção capitalista burguês moderno.

É ao estudo do aparecimento das classes e da luta de classes no modo de produção capitalista burguês que se dedica o capítulo Burgueses e Proletários.

(a continuar).


05.04.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos


XVIII


Como apareceram a burguesia, o proletariado e o modo de produção capitalista burguês moderno?

(continuação)

 

Constituindo o programa político teórico e prático do proletariado revolucionário, o Manifesto do Partido Comunista não é propriamente um tratado sobre a ciência do materialismo histórico e, por isso, não descreve todos os modos de produção que existiram até aos nossos dias, nem a natureza das classes e da luta de classes que caracterizaram a história das sociedades determinadas por cada um desses modos de produção.

O Manifesto centra-se na análise política das classes e das lutas de classes da sociedade capitalista e no destino histórico inevitável dessa luta: a derrota da burguesia, a liquidação do sistema de exploração capitalista burguês, a eliminação das classes e a vitória do socialismo, do comunismo e da sociedade sem classes, sem exploração ou opressão.

Na nota de Engels para a edição inglesa do Manifesto, em 1888, surge uma definição concisa dos conceitos de burguesia e de proletariado, que nunca aparece no texto do próprio Manifesto, mas que convém reter:

Entende-se por burguesia a classe dos capitalistas modernos, proprietários dos meios de produção social, que empregam o trabalho assalariado”;

Entende-se por proletariado a classe dos operários assalariados modernos que, privados dos meios de produção próprios, se vêem obrigados a vender a sua força de trabalho para poderem subsistir”.

Nas sociedades de classes anteriores à sociedade burguesa moderna, as classes antagónicas travaram entre si uma guerra ininterrupta, ora aberta ora dissimulada, que acabou sempre ou pela transformação revolucionária de toda a sociedade ou pela destruição das classes em luta.

A sociedade burguesa moderna saiu das ruínas da sociedade feudal e não aboliu os antagonismos de classes: apenas substituiu as velhas classes, as velhas condições de exploração e de opressão, as velhas formas de luta por outras novas.

O carácter distintivo da nossa época, da época da burguesia, é que a nossa época, relativamente às épocas anteriores, simplificou os antagonismos de classes: a sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos inimigos, em duas classes diametralmente opostas, a burguesia e o proletariado.

Os primeiros elementos da burguesia saíram dos vilões livres das primeiras cidades medievais – as comunas em França e Itália e os concelhos em Portugal –, e os vilões, por sua vez, nasceram dos servos da Idade Média.

”A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário”, como salienta o Manifesto a págs. 52.

Com efeito, a descoberta da América, da rota do Cabo e da circum-navegação do globo, onde a ciência, a tecnologia e a produção portuguesas tiveram um papel de importância capital, permitiram à burguesia europeia nascente e em ascensão um novo campo de actividade. A colonização da América, os mercados da Índia, da China e do Japão, o comércio colonial, o incremento da produção de mercadorias imprimiram ao comércio, à navegação e à indústria um desenvolvimento espectacular, suscitando o progresso acelerado dos elementos revolucionários nascidos na sociedade feudal em decomposição.

O antigo modo de exploração feudal ou corporativo da indústria já não podia satisfazer a procura proveniente de um mercado mundial em contínua expansão. A produção feudal corporativa deu lugar à produção manufactureira e a antiga divisão do trabalho entre as corporações deu lugar à divisão do trabalho no seio das grandes oficinas manufactureiras.

A própria manufactura tornou-se insuficiente para satisfazer a procura do novo mercado de âmbito mundial, e foi substituída pela grande indústria moderna, assente na máquina a vapor.

O mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento da navegação e dos meios de transportes terrestres, com o caminho-de-ferro e os navios a vapor. E à medida que a indústria, o comércio, a navegação e os caminhos-de-ferro se desenvolviam, a burguesia multiplicava os seus capitais, transformava-se na grande burguesia capitalista e repelia para segundo plano todas as classes legadas pela idade média.

Cada etapa da evolução percorrida pelo progresso da burguesia no plano da produção capitalista era acompanhada pelo correspondente progresso político. A burguesia, depois do estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, conquistou a hegemonia exclusiva do poder político no Estado representativo moderno.

O governo do Estado moderno não é mais do que uma junta que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”, consoante conclui o Manifesto ao terminar a descrição da etapa de ascensão e tomada do poder político pela burguesia capitalista moderna.


07.04.2016


Manifesto do Partido Comunista - Notas de Estudo     por Arnaldo Matos


Carta ao Camarada Arnaldo Matos


Caro camarada,

 

Serve este e-mail para lhe agradecer o seu nobre gesto e a sua grande amabilidade por nos ter enviado e oferecido o livro... desde já o nosso mais sincero obrigado. Já lemos grande parte deste, e deixe-me que lhe diga, que é um livro simplesmente inebriante.

Um bem-haja.

Cumprimentos,

 Sónia e Ludovina

 (Ilha Terceira, Açores)

 

Resposta do Camarada Arnaldo Matos

 

Caras Camaradas Sónia e Ludovina Gomes, na Ilha Terceira dos Açores

Não seria preciso agradecerem-me o livro que, com muito prazer meu, vos ofereci a semana passada. Se tiverem dificuldade em compreender alguma coisa, façam o favor de mo dizerem, que eu, dentro do possível, tentarei esclarecer-vos.

Manifesto do Partido Comunista, publicado em Fevereiro de 1848, foi escrito por Carlos Marx e Frederico Engels, dois teóricos alemães da classe operária que fundaram o marxismo e o comunismo científico. O livro explica que desde o aparecimento do Homem na Terra, há cerca de um milhão de anos, as sociedades humanas se organizaram à volta do homem, entendido este como o ser que trabalha e se produz a si mesmo, dominando a natureza com os instrumentos que ele próprio fabrica para o efeito. As relações do homem com a natureza através dos instrumentos que ele próprio fabrica constituem a base material das sociedades humanas, ou seja, o materialismo histórico.

No princípio, muito antes da invenção da escrita, os homens começaram por constituir uma sociedade sem classes, a comunidade rural primitiva. O excedente da produção não consumido imediatamente nessa sociedade foi sendo apropriado pelos que mais produziam ou melhores instrumentos de trabalho possuíam, criando-se assim relações de produção que deram origem à família monogâmica, à propriedade privada, ao Estado e à guerra.

Surgiram assim as classes e as lutas de classes, com exploradores e explorados, opressores e oprimidos, das quais muitas foram entretanto minuciosamente estudadas: a sociedade esclavagista (dos escravos) primitiva, a sociedade antiga grega e romana, a sociedade feudal e a actual sociedade capitalista.

A sociedade capitalista é constituída cada vez mais por duas únicas classes antagónicas: a burguesia capitalista moderna e o proletariado revolucionário moderno, em luta contínua.

Esta sociedade desenvolver-se-á cada vez mais, e há-de chegar a um ponto tal, no seu desenvolvimento, que poderá alimentar, instruir e educar toda a gente, tornando desnecessária a existência de uma classe a explorar e oprimir a classe dos que trabalham e tudo produzem. O proletariado revolucionário, dirigindo todas as massas trabalhadoras exploradas e oprimidas, derrubará então a burguesia capitalista e instaurará, pela força, a ditadura do proletariado e o comunismo.

Chegar-se-á a uma sociedade comunista, sem classes, e também sem exploração e opressão do homem pelo homem, sem Estado, sem polícia, sem exército e sem guerras. Cada homem e cada mulher trabalharão segundo as suas possibilidades e consumirão segundo as suas necessidades. A esta distância, não é possível saber se haverá, depois da sociedade comunista, uma outra sociedade e de que tipo.

Procurei resumir o livro que vos ofereci. Vejam se o meu resumo – que é apenas um roteiro para a leitura – vos parece correcto, mas só depois de lerem o livro, que não é um livro de fácil leitura. É, no entanto, um dos mais notáveis livros escritos até hoje.

Com amizade,


15.04.2016

Arnaldo Matos

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