INTERNACIONAL

A alteração geopolítica no Golfo

Irão: um assassinato prenunciador da guerra inter-imperialista!

MedioOrienteO assassinato levado a cabo pelos serviços secretos de Israel, a famigerada Mossad, de Mohsen Fakhizadeh, considerado como responsável pelo programa nuclear iraniano, tem de ser contextualizada no quadro da corrida que, neste momento, se trava entre os blocos imperialistas – o dirigido pela China e o dirigido pelos EUA – no Médio Oriente.

"O mundo árabe e o Irão estão cercados por quatro potências nucleares (Rússia, Índia, Paquistão e Israel), mas a estratégia imperialista atlântica tem constantemente procurado construir um Médio Oriente “sem armas nucleares”, com baixa capacidade balística, colocado sob o controle atómico de Israel, um país que, no entanto, possui um arsenal de quase duzentas ogivas com carga nuclear, protegidas de todo o controle internacional."(O texto em itálico corresponde a passagens do texto de René Naba, Nucléaire-Monde arabe (4/4) – L’Otan, la Russie et les avatars du nucléaire arabe)

"A posição de desdenho dos americanos em relação à Jordânia enquadra-se neste plano, assim como o projecto nado morto de Nicolas Sarkozy da União para o Mediterrâneo – Union Pour la Méditerranée (UPM) – que visava substituir o Irão por Israel, como principal inimigo do mundo árabe. Numa reversão de tendência sem paralelo na história, o Irão, vizinho milenar dos árabes foi elevado à categoria de inimigo hereditário e Israel, considerado, no entanto, pelos palestinos e pela maioria dos países do Terceiro Mundo como o usurpador da Palestina, alcandorado a seu mais antigo aliado tradicional."(René Naba, idem)

Tanto assim é que temos vindo a assistir a um movimento de aproximação e estabelecimento de relações “normais” entre os países do Golfo e Israel, a chamada normalização, engendrada e apoiada pelos Estados Unidos ao reconhecer e designar Israel como o seu aliado na zona, ao mesmo tempo que ataca e desafia o Irão para o desencadear de uma guerra inter-imperialista.

O papel de Israel neste novo xadrez político está demonstrado no facto de, em Outubro deste ano, depois dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein, o Sudão ter estabelecido relações diplomáticas com Israel, pondo, desta forma, termo ao boicote a Israel decretado há 53 anos, em 1967, em defesa da causa palestiniana, por nove países árabes – Marrocos, Argélia, Egipto, Sudão, Líbano, Jordânia, Koweit, Iraque e Síria – e que tem vindo, paulatinamente, a ser posto em causa, nomeadamente no interior da Liga Árabe, embora aparentemente se continue a afirmar que esta aproximação acontece, mantendo-se a exigência da retirada de Israel dos Territórios ocupados desde 1967.

Sentindo-se ameaçados pelo Irão e convictos de que a região do golfo deixara de ser estratégica para os Estados Unidos, o que já não lhe dava garantias de uma protecção directa, a maioria destes países viram-se para os imperialistas regionais israelitas, ainda que essa posição vá inevitavelmente desencadear movimentos de contestação internos como tem vindo a acontecer. Neste ponto, note-se a posição ambígua da Arábia Saudita, ciente de que uma posição de apoio inequívoca a Israel irá agravar a sua situação interna.

Cedo nos apercebemos que o imperialismo ocidental queria isolar, ainda que de formas diferentes, e por interesses diferenciados, o Irão e, sobretudo, a sua capacidade de desenvolver energia nuclear e de transformá-la em armas de destruição maciça. O acordo nuclear que todas as “potências mundiais”, incluindo as ocidentais, assinaram com o Irão é disso prova. Mas Trump, recusando-se a aceitar o que todos vêem para servir interesses inconfessados – usando a mesma táctica no Irão que Bush usou no Iraque de recusar os relatórios dos inspectores da AEA onde é negada a existência de desenvolvimento de armas nucleares no Irão –, fez com que os EUA abandonassem o acordo nuclear.

Ora o Irão, rodeado de potências nucleares, e que não é tolo, decidiu avançar com o seu programa autónomo, muito recentemente, testou o lançamento de alguns mísseis de longo alcance e levou a cabo vários exercícios militares destinados a verificar a capacidade de resposta do país face a uma eventual agressão dos seus vizinhos, leia-se, do seu arqui-inimigo, o Estado sionista de Israel, e do seu patrono EUA.

"Já a França, um dos grandes poluidores atómicos do planeta, fornecedora do centro atómico de Dimona (Israel), da África do Sul na época do Apartheid e do Irão imperial através do consórcio Eurodif, também co-beligerante de Israel contra o Egipto (Suez 1956), do Iraque contra o Irão (1979-1989) e dos Estados Unidos e Reino Unido contra a Síria (2018), está fortemente relutante em entrar numa parceria atómica com os países Árabes, por causa da sua posição na fronteira com Israel, o que a prejudica devido ao pesado passivo de Vichy e da colaboração nazi anti-judaica." (René Naba, idem)

Apesar de acusado de se afastar de uma política de “multilateralismo” há muito prosseguida pelos EUA, fazendo o país do Tio Sam rasgar, de forma arrogante e unilateral, vários acordos internacionais – entre os quais o acordo nuclear com o Irão – aquela superpotência não está só. Reflectindo a hipocrisia de várias outras potências imperialistas, sobretudo as do continente europeu, surge Emmanuel Macron que, aliás, estará no mesmo comprimento de onda do seu ex-colega “socialista”, François Hollande. No seu discurso perante o Congresso dos Estados Unidos, a 24 de Abril de 2018, propôs desenvolver um Médio Oriente sob o controle atómico de Israel.(René Naba, idem)

Temos presente as suas afirmações nesse evento: “O Irão nunca terá uma arma nuclear. Não agora, nem em cinco anos, nem em dez anos”, declarou o presidente francês, comprometendo-se a reduzir ainda mais a capacidade balística da República Islâmica do Irão, bem como a sua influência regional no Iémen, no Iraque e no Líbano, sem acompanhar este compromisso com uma medida de reciprocidade no que diz respeito ao desarmamento nuclear de Israel.(René Naba, idem)

"A deserção da Areva (um grupo multinacional francês especializado em energia nuclear e energias renováveis) da Jordânia pode, portanto, ser melhor explicada. Seja qual for o caso, vai oferecer à Rússia a oportunidade de se envolver num projecto de segurança regional ultra-sensível (nuclear) com um país, a Jordânia, que há muito tem servido como um eixo da estratégia atlântica na zona e guarda de fronteira do estado hebraico, como atesta a sequência conhecida como “Setembro Negro” jordaniano, em 1970, e o massacre dos Feddayins pelas tropas beduínas da Legião Árabe Hachemita." (René Naba, idem)

A Rússia, sem o menor complexo em relação a Israel, e de forma alguma paralisada pelo lobby judeu americano, tendo sido um dos primeiros países a reconhecer o Estado hebraico, dispõe de uma margem de manobra mais elevada sobre o dossier ultra-sensível do nuclear.

A China, na sua posição de superpotência emergente, face à cada vez maior perda de influência do seu contendor mais importante, os EUA, pura e simplesmente não se deixou atemorizar pela política de sanções que Trump impôs a todos os que se “atreverem” a apoiar o esforço nuclear energético do Irão. E prossegue na sua protecção das “Rotas da Seda”, estratégia em que o Irão assume, cada vez mais, um papel chave.

É, pois, no contexto deste “desespero” vivenciado pelos EUA e seus aliados que se tem de analisar o alcance político deste assassinato. Ele é mais um episódio na guerra inter-imperialista iminente, em que cada um dos blocos imperialistas move as peças do xadrez geo-político e geo-estratégico da forma que entende melhor servir os seus interesses e possibilitar o xeque-mate sobre o seu oponente.

Quanto a nós, o proletariado não tem pátria, os seus inimigos não são os outros países, como a campanha tóxica pró-guerra inter-imperialista e os falsos amigos o querem fazer crer, é a burguesia imperialista que o explora não só no seu próprio país como no resto do mundo. É esse o inimigo a quem se tem que opor, começando por se opor a este cada vez mais iminente desfecho bélico da rivalidade inter-imperialista, organizando-se, limpando o seu caminho dos escolhos oportunistas que o tentam paralisar e preparando-se, activamente, para o transformar na guerra civil revolucionária que vai permitir a destruição do modo de produção capitalista, em Portugal e em todo o mundo.

11Dez2020

Nota da Redacção: reeditado a 7 de Junho 2021, assinalando a itálico as partes transcritas que até agora identificámos e a autoria das mesmas, e removendo a assinatura do artigo já que comprovadamente corresponde à situação aqui descrita.

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