EDITORIAL

O Golpe de Estado do Cavaco

É manifesto que Cavaco se acha mentalmente incapacitado para exercer o mandato de presidente da república até o fim. Cavaco deve, pois, ser submetido de imediato a uma junta médica que, examinando o estado do seu espírito, o declare psiquicamente impossibilitado para o exercício da função presidencial e o remova, já não digo para Boliqueime, porque aí poderia vir a perturbar a actividade criativa de um dos nossos maiores escritores vivos – a sublime Lídia Jorge – mas talvez para o luxuoso bairro das vivendas dos cavaquistas do falido Banco Português de Negócios, em Albufeira, local onde Cavaco também ficou aposentado na sua quinta da Aldeia da Coelha.

Se assim o não entender a medicina, então Cavaco, havido porventura por responsável, deve ser de pronto acusado perante o Supremo Tribunal de Justiça pela autoria dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos que acaba de praticar no exercício das suas funções, crimes que, no largo critério do agente Rosário Teixeira e do juíz de Mação, não poderão deixar de incluir, no mínimo, os de corrupção, prevaricação, denegação de justiça, abuso de poderes e tentativa de golpe-de-estado. E é só os que revelou estar a tentar cometer, no discurso desta noite aos gentios.

Com efeito, no acto de posse de Presidente da República, Cavaco jurou – é certo que por sua honra, e isso ninguém sabe quanto vale – “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.

E entre os deveres que terá de cumprir e fazer cumprir acha-se a seguinte imposição constitucional, base de todo o processo democrático em regime parlamentar: ”o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais”.

Na disposição legal acabada de citar (art.º 187.º, nº 1, da Constituição da República), regula-se o processo constitucional de formação do governo. Ninguém pode alterar os termos e passos deste processo e, muito menos, o presidente da república, que jurou, conformemente ao nº 3 do art.º 127 da mesma Constituição, defendê-los, cumpri-los e fazê-los cumprir.

Cavaco teria, pois, em primeiro lugar, de ouvir todos os partidos representados na assembleia da república e, só depois, num segundo passo, teria de nomear o primeiro-ministro, aqui tendo forçosamente em conta os resultados eleitorais.

Porém, sem ouvir nenhum dos partidos representados na assembleia, Cavaco chamou a Belém o agente alemão Pedro Passos Coelho, aparentemente como chefe da coligação mais votada, e encarregou-o da execução de uma tarefa que a constituição não autoriza: “encarreguei o dr. Pedro Passos Coelho de desenvolver diligências com vista a avaliar as possibilidades de constituir uma solução governativa que assegure a estabilidade política e governabilidade do país”.

Com esta declaração de mentecapto político, e deixando de lado o facto de Cavaco tratar Passos Coelho como um criado de libré, Cavaco veio dizer às portuguesas e aos portugueses que não gostou do voto deles e que o voto deles afinal vai provocar instabilidade política e tornar ingovernável a nação.

Desde quando é que o presidente de um regime democrático se permite acusar o povo de não saber como votar? Mergulhando nos nossos conhecimentos da história, só nos lembramos de um disparate destes proferido em 1934, quando, também para assegurar a estabilidade política e a governabilidade da Alemanha, Hitler e os nazis pegaram fogo ao parlamento, acusando da prática do acto criminoso os comunistas. Foi assim que Hitler obteve, em subsequentes eleições, a maioria no Reichstag (o parlamento alemão) e, em consequência, a estabilidade política, a governabilidade… e um saldo de cem milhões de mortos na Europa.

Só um imbecil como Cavaco – ou como Hitler – achará que não há estabilidade política nem governabilidade senão onde e quando se imponha uma maioria absoluta no parlamento.

Mas a actividade contra-revolucionária de Cavaco não se fica por aqui. O inquilino de Belém e proprietário na Aldeia da Coelha vai ao ponto de proclamar qual é o governo que exige para o país, sem se preocupar de interpretar os resultados eleitorais e perceber qual é o governo que o eleitorado quer para Portugal.

Diz o marido de Maria: “o governo a empossar pelo Presidente da República deverá – notem bem a linguagem do ditador – dar aos portugueses garantias firmes de que respeitará os compromissos internacionais historicamente assumidos pelo Estado Português”.

Ora, justamente o que o eleitorado exprimiu com o seu voto de domingo último foi que não quer respeitar compromissos que não foram assumidos pelo povo, mas exclusivamente por um bando de lacaios, de que fazem parte Coelho, Portas e Cavaco.

Com o seu voto de 4 de Outubro, o povo disse claramente que não quer um governo de vende-pátrias, não quer instituições de lacaios do capitalismo germânico, que não aceitará mais a política de austeridade, de mais desemprego, de mais cortes nos salários e pensões. Acabou!...

Os eleitores, tanto os que se abstiveram como os que em maioria votaram, foram muito precisos: não à estabilidade e à governabilidade dos últimos quatro anos!

No seu discurso desta noite, o papalvo de Belém não deixa de traçar o primeiro objectivo do governo que pretende: ”assegurar a sustentabilidade da dívida pública”. Aquela mesma dívida que ele próprio, Cavaco Silva, no prefácio de um dos seus roteiros, reconhecia que não pagaríamos em menos de vinte anos, mesmo assim na condição de podermos pôr a economia a crescer 3% ao ano.

Cavaco está pois empenhado na formação de um governo presidencial, com ele, Passos, Portas e mais uma prostituta do chamado arco da governabilidade. Mas isto é, para todos os efeitos, um golpe-de-estado constitucional. A constituição não autoriza a formação de governos de iniciativa presidencial.

Cavaco está borrado de medo com o claro sentido de voto parlamentar. É por isso que, invertendo o processo constitucional de formação do governo, pede a Passos Coelho – o 3.º Miguel de Vasconcelos, porque o segundo chama-se Aníbal Cavaco Silva – que dê uma volta por aí e veja se encontra uma rameira que queira deitar-se com eles na mesma cama, assegurando estabilidade política, governativa e muitas centenas de milhares de desempregados, pobres, famintos e doentes.

Na política, a profissão de rameira é ainda mais antiga do que a outra. Rameira, rameira disponível para todo o serviço, há uma, com cama no Palácio Praia, nº2, ao Rato. Não sabemos quanto leva pelo serviço. Mas lá que se vende, vende-se…


07.10.2015


Arnaldo Matos