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PAÍS

O "mata professores II", ou a Rodrigues de calças

Ao iniciar funções e quando perguntado sobre as políticas e medidas que iria aplicar, o Ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, respondia invariavelmente que, em concreto, apenas podia dizer que iria cortar cem milhões de euros aqui, mais cem milhões ali, outro tanto acolá, sem que ninguém vislumbrasse qualquer ideia de ruptura, por mínima que fosse, com a prática dos governos anteriores de José Sócrates. Cedo se percebeu que aquilo que o Crato queria dizer com o que omitia era o mesmo que o seu colega de governo, o Álvaro, haveria de deixar sair pela boca fora: “Chamem-me o que quiserem, mas esta crise é o melhor que nos podia ter acontecido!”

“Cortar despesa” na educação significa, sobretudo, despedir professores, reduzindo os que ainda vão permanecendo a condições degradantes de sobre exploração: mais horas e ritmos mais intensos de trabalho com menor remuneração, aumento da idade de reforma e perda de todos os direitos associados a uma carreira que, na prática, deixou já de existir.

Para poder despedir professores em massa e aumentar a eficiência dos que ficam, o ministro Crato manteve e está a tornar mais gravosos os instrumentos e mecanismos criados no tempo da ministra Lurdes Rodrigues (por exemplo, a criação dos chamados mega agrupamentos de escolas, que agora se prevê poderem abranger cerca de 4 mil alunos, e o aumento da precariedade e da mobilidade forçada dos professores) e inventou uma “revisão curricular” no ensino básico e secundário, a qual representa um ataque em toda a linha ao emprego e às condições de trabalho dos professores.

A dita “revisão curricular”, agora anunciada na sua versão final, mostra-nos o ministro Crato no seu melhor: faz diminuir duma assentada a despesa pública com a educação em, pelo menos, duzentos milhões de euros, atendendo ao número de professores que são tornados supérfluos, e não apresenta uma única ideia de natureza científica ou pedagógica que justifique as medidas que contém.

A “reforma dos duzentos milhões” do ministro Crato apresenta assim as seguintes medidas principais:

  • - Eliminação das disciplinas ou áreas não disciplinares de Formação Cívica e Estudo Acompanhado, e transposição de uma parte das mesmas para a chamada “componente não lectiva” dos professores (caso, para já, do chamado Apoio ao Estudo, no 2º ciclo). Na prática, esta eliminação significa o despedimento de vários milhares de professores e a sobrecarga de trabalho de outros tantos;
  • - Aumento para o dobro do número de alunos por professor em disciplinas com forte componente prática, como Educação Visual e Educação Tecnológica, no 2º ciclo (estas disciplinas deixam de estar unidas numa só e deixam de ser leccionadas por dois professores, em simultâneo, numa mesma turma), e nas horas da componente experimental das disciplinas da área das ciências físicas e naturais (com o fim ou a forte limitação do sistema actual, em que as turmas são desdobradas em duas para a realização da referida parte experimental). Esta medida acarreta assim, igualmente, a eliminação de vários milhares de horários e uma enorme sobrecarga de trabalho para os professores das disciplinas afectadas, ao mesmo tempo que prejudica gravemente a dimensão prática das aprendizagens dos respectivos alunos;
  • - Eliminação da disciplina de Tecnologias da Informação e Comunicação no 9º ano. Prevê-se a possibilidade de esta disciplina ser ministrada nos 7º e 8º anos, mas tal só poderá ocorrer em substituição da disciplina de Educação Tecnológica nestes mesmos anos, a qual tenderá assim a desaparecer do currículo, representando um notável empobrecimento deste;
  • - Forte diminuição do número de tempos lectivos nas disciplinas de Formação Específica no ensino secundário. Esta diminuição (que pode atingir oito tempos lectivos) será muito superior ao pequeno aumento de dois tempos lectivos em disciplinas da área das ciências humanas e sociais do 3º ciclo (um tempo no 7º ano e um tempo no 9º, a repartir entre Geografia e História), e de um tempo lectivo na disciplina de Português, no 12º ano;
  • - Criação de um mecanismo perverso, baseado na possibilidade de criação de disciplinas pelas escolas, englobadas no que se designa de “oferta de escola”. Tal criação poderá ocorrer se a escola acumular um “crédito de horas”, acumulação esta que é feita depender da “eficiente gestão de recursos e o número de turmas, considerando ainda os progressos e resultados escolares alcançados”. Assim, depois de se agitar a “cenoura” de se poderem conseguir mais algumas horas lectivas para distribuir por alguns dos muitos professores que ficarão sem horário, vem a seguir o “cacete”, consistente em se forçar progressivamente as escolas a estender e a ocupar na totalidade, com actividades lectivas, a chamada “componente não lectiva de estabelecimento” dos professores (a qual engloba, entre outras, as reduções de componente lectiva, e que já hoje representa, no caso dos professores mais antigos, um número de horas quase igual ao da respectiva “componente lectiva”), e em pressionar igualmente as escolas a aumentar o número de alunos por turma, para se constituir o número mínimo possível de turmas, tudo isto devidamente condicionado e pressionado por esse verdadeiro “suplício de Tântalo” para os professores e para as escolas, que é o objectivo da “melhoria contínua dos resultados”. Chamada no documento ministerial de “reforço da autonomia das escolas”, a miserável chantagem atrás descrita, para além de se vir a traduzir, na prática, num aumento ainda maior do número de professores despedidos, vai agravar de uma forma inaudita o ambiente educativo e as condições de trabalho da totalidade dos professores nas escolas.

Em suma, esta “revisão curricular” do ministro Crato representa um ataque aos professores dos ensinos básico e secundário tão ou ainda mais violento do que aqueles que foram promovidos pelos governos de José Sócrates, sobretudo pela mão da sinistra ministra Lurdes Rodrigues. É como tal que, quer nas medidas que contém quer nas que nela estão subentendidas, a dita “revisão curricular” deve ser firmemente rejeitada e combatida pelos professores e as suas organizações.

Em reuniões de escola, os professores devem tomar e adoptar as correspondentes formas de luta contra as medidas anunciadas. Todos os professores são precisos nas escolas! Torna-se ainda mais impossível do que já acontece hoje, desempenhar dignamente as funções de professor, com as imposições, prepotências e chantagens contidas na “revisão curricular” do ministro Crato! O “mata-professores II” deve ser posto na rua!

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