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PAÍS

A luta dos moradores da Vila Dias pelo direito a uma habitação digna!

Uma Vila operária

2013-05-06-vila dias 01 01No decurso da 3ª Assembleia de Inquilinos, que teve lugar no Cinema S. Jorge, em Lisboa, no passado dia 30 de Abril, conhecemos um numeroso grupo de inquilinos da Vila Dias que, com a frontalidade e disposição para a luta que caracteriza os operários, se manifestava firmemente contra a famigerada Lei nº31/2012 – a NRAU -, mais conhecida por Lei dos Despejos.

Tomámos, então, a iniciativa de propor a esse grupo de moradores que nos proporcionasse uma visita guiada à vila, a fim de tomarmos consciência e denunciarmos as condições de vida e de habitação a que as cerca de 190 famílias – ou seja, mais de 600 operários, reformados e elementos do povo - estão a ser sujeitas. E foi o que aconteceu nesta solarenga tarde de 6 de Maio e que nestas páginas passamos a relatar.

A Vila Dias foi construída nos finais do século XIX para albergar os operários e suas famílias que trabalhavam no recentemente inaugurado caminho de ferro, bem como nas várias indústrias que emergiram nessa época na zona do Beato e Xabregas, das quais destacamos as grandes fábricas de fiação como era o caso da Fábrica de Fiação de Xabregas.

Nos dias de hoje, a maioria dos habitantes da vila continua a ser de origem operária, mas quase todos reformados. Existem inquilinos a habitar nos 190 fogos que constituem a vila desde que nasceram, alguns há mais de 70 anos!


Insalubridade e risco de derrocada

2013-05-06-vila dias 02 02Vivendo em condições degradantes, insalubres e confrontados com o risco de derrocada a que algumas das habitações estão sujeitas, estes operários e trabalhadores e suas famílias, com fracos recursos económicos e reformas de miséria, começaram a receber cartas da empresa RETOQUE em Novembro de 2012, isto é, imediatamente a seguir à publicação da lei dos despejos apresentada por PSD e CDS e prontamente publicada pela ministra Cristas.

Os residentes, que pagavam em média 40 a 80 euros de renda mensal eram confrontados, agora, por uma empresa que reclamava agir por procuração, em nome das proprietárias da vila, com rendas no valor de 300 e mais euros, isto é, aumentos de 400%, 700% e mais!

2013-05-06-vila dias 03 03E isto sem sequer haver a contrapartida por parte das senhorias, que reclamam ter adquirido por usocapião o direito à propriedade da vila, de fazer obras quer nas casas, quer nos logradouros, quer nos acessos à mesma. Para além de ser muito estranha a origem e o processo que levou a que a propriedade esteja hoje na posse destas duas personagens, o certo é que as ditas senhorias nunca deram a cara ou se dignaram aparecer no local.
 

Uma Câmara Municipal que não actua torna-se cúmplice

2013-05-06-vila dias 04 04Apesar de a Câmara Municipal de Lisboa ter emitido um Ofício em Abril de 2012 a referir que “compete aos proprietários realizar…pelo menos uma vez em cada período de 8 anos” obras nos fogos que compõem a vila, estas nunca foram realizadas, encontrando-se muitos deles em estado de ruina e em risco de derrocada, como é o exemplo do nº9, o que vem provar que não basta enviar ofícios, é necessário exercer um efectivo poder de fiscalização e sanção.

Para além disso, para usufruir de direitos básicos como o acesso à água canalizada, à luz e ao saneamento básico, tiveram de ser os moradores a fazer as obras e a arcar as despesas com a sua instalação. Até as casas de banho tiveram de ser conquistadas ao espaço exíguo existente, pois para tomarem banho ou tratarem da sua higiene, os moradores tinham que se deslocar ao balneário camarário construído no final do século XIX na Rua Gualdim Pais, com os inconvenientes e a falta de privacidade daí resultantes.

2013-05-06-vila dias 05 05Como não existe saneamento básico na vila, os moradores tiveram de construir, com os seus fracos recursos, as ligações, não à inexistente rede de esgotos mas, como nos explicou um morador, à rede de escoamento de águas pluviais mandada colocar pela CML.

O problema é que, como não existe saneamento básico, os moradores, instruídos pelo senhorio ou pelo seu procurador, a empresa RETOQUE, começaram a fazer ligações directas dos chamados esgotos de águas sujas das suas habitações para essa rede de escoamento de águas pluviais. Quando o débito é muito essas águas sujas transbordam pelas sarjetas e o cheiro torna-se nauseabundo (particularmente na época estival), com todas as consequências para a saúde pública daí decorrentes.
 

Um direito de propriedade suspeito!

Nem a Junta de Freguesia do Beato, onde se insere a Vila Dias, nem a Câmara Municipal de Lisboa, conseguem explicar devidamente o surgimento de duas senhorias que se arrogam o direito de propriedade da vila por usocapião. E, muito menos, quer uma quer outra das entidades parece estar interessada em levar a cabo uma investigação criteriosa sobre esta misteriosa empresa RETOQUE, que afirma estar investida pelas senhorias do poder de procurador bastante dos seus interesses.

É no mínimo suspeita a forma como a RETOQUE anunciou, por carta enviada aos moradores da Vila Dias, a 26 de Outubro de 2012, que a partir daquela data passava a agir como procuradora das senhorias. Como suspeita é a carta que enviou aos inquilinos a informar que as rendas passavam a estar sujeitas ao enquadramento do NRAU (a famigerada lei nº31/2012 ou lei dos despejos), indicando o valor da nova renda, bem como da avaliação feita ao abrigo do CIMI.

Apensa a esta carta – a segunda que enviaram a todos os inquilinos da Vila Dias -, vinha uma cópia da caderneta predial urbana onde se englobavam várias fracções, havendo moradores aos quais foram atribuídas tipologias que não correspondem à habitação que ocupam, já que, em muitos casos, foram consideradas como uma fracção a junção de duas, correspondentes ao lado esquerdo e direito da casa, sendo que cada um dos lados é habitado por famílias diferentes. Isto é, a renda é fixada como se o morador habitasse uma casa com uma tipologia de 4 divisões, quando, de facto, habita uma tipologia de 2 divisões!

Mas, quem é a empresa RETOQUE? Fundada em 1995, não esconde ao que vem. No seu site na internet, refere-se às “oportunidades de investimento no segmento imobiliário” e elenca como uma das vertentes desse investimento a aquisição de “imóveis com inquilinos, a preços muito atractivos”, tendo em conta que”…com a nova lei do arrendamento estes imóveis (com inquilinos) beneficiarão de um aumento”.
 

A política de bloco central no seu melhor

2013-05-06-vila dias 06 06A demonstrar a política de bloco central que há décadas caracteriza o poder central e autárquico, numa constante dança de cadeiras entre PS e PSD, ambos a deixarem que, no essencial, o que uns e outros aprovam, a uns e a outros sirva, está o facto de, apesar da boas intenções com que agora o PS reclama a revogação da lei do arrendamento – quando é sabido que essa exigência esbarrará numa maioria PSD/CDS interessada na aplicação desta lei – está o facto caricato de à RETOQUE ter sido atribuido, em 2005, pelo actual executivo camarário, presidido por António Costa do PS, e pelo IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património) o 1º prémo RECRIA, a nível nacional.

Espantoso! Uma empresa que não realizou qualquer obra na Vila Dias e ainda assim se arroga o direito de querer impôr aumentos das rendas. Uma empresa cujo sócio gerente – José Henriques -, a propósito do nº 9, o mais degradado dos fogos, cujos moradores já receberam ordem de despejo por parte das senhorias e da CML, em Janeiro de 2012, por haver risco de derrocada do mesmo, afirma que se este ruisse para ele seria melhor do que ganhar o euromilhões, revela bem quem é que é premiado pelo poder neste país.
 

Impunidade e ganância

2013-05-06-vila dias 07 07Claro está que a impunidade com que a RETOQUE actua alimenta o clima de intimidação e chantagem que se instalou na vila. Ao velho estilo dos gangsters de Chigaco, o dono da RETOQUE envia o seu filho à Vila Dias para fazer a cobrança das rendas. Mas, o personagem lá ameaça os inquilinos de que só aceita “graveto ou guito” como forma de pagamento, enquanto rosna que estabelece o valor das rendas “conforme a cara das pessoas”, pois o pai é que manda e é ele que “tem a faca e o queijo na mão”.

Desplante, arrogância e impunidade que só tem paralelo na atitude das senhorias, que se recusaram a receber a carta registada com aviso de recepção que a Junta de Freguesia do Beato lhes enviou, com cópia para a CML (que acusou a sua recepção mas nada fez até agora), intando-as à realização de obras nos 198 fogos da Vila Dias e defendendo que os inquilinos não têm posses para suportar obras de recuperação ou procurar um novo local para habitar.

Como existem já alguns fogos livres, pois alguns dos moradores não conseguem suportar as novas rendas exigidas, o auto-denominado procurador está a celebrar novos contratos de arrendamento mas, surpreendentemente – ou não – desta feita em nome da RETOQUE e não da senhoria que diz representar.

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Uma total ilegalidade, pois nem há 15 dias a Polícia Municipal esteve na vila a notificar a RETOQUE – notificação que foi entregue em mão, segundo os moradores que testemunharam essa entrega a um funcionário da dita empresa -, a proibir que celebrassem mais contratos de arrendamento, enquanto não forem realizadas obras que assegurem condições de habitabilidade dignas e seguras.


Mas, contrariando esta ordem, no próprio dia em que receberam a mencionada notificação, e já cientes do conteúdo da mesma, a RETOQUE alugou os nºs 12, r/c dtº e o nº 13 a novos arrendatários!
 

Ser firme na luta pelo direito a uma habitação condigna é o único caminho

O que este caso demonstra é que, seja qual for a lei de arrendamento em causa, o que a Câmara Municipal tem de fazer de imediato é impedir que a ganância sem limites e a especulação imobiliária distorça por completo o mercado e leve, no caso vertente, ao desapareciemnto de mais uma vila operária ou um bairro popular.

Os moradores devem impor à Câmara Municipal de Lisboa e à Junta de Freguesia do Beato que tomem de imediato posse administrativa da Vila Dias, nela realizando as obras necessárias a uma habitação cómoda e com dignidade a que há muito têm direito.

Paralelamente, os moradores devem exigir uma investigação profunda aos contornos do alegado direito à propriedade por usocapião reclamado pelas actuais senhorias, bem como à sua validade legal, assim como investigar qual o papel neste processo da empresa RETOQUE que, segundo rumores que circulam, quer na vila, quer junto de fontes por nós contactadas na Junta de Freguesia do Beato, ou está falida ou em vias disso.

E vai ser esta a pedra de toque que diferenciará aqueles que querem efectivamente pugnar pelo direito à habitação, pelos direitos dos moradores da Vila Dias, daqueles que enchendo a boca de boas intenções e afirmando-se como guardiãos da constituição, na prática nada fazem para que esse objectivo se cumpra, levando a que essa paralisia beneficie a ganância e a especulação.

 

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