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PAÍS

Teatro orçamental

As desinteligências partidárias à “esquerda”, relativamente à aprovação do orçamento de Estado para 2022 têm inspirado manchetes por toda a comunicação social.

Quem não conheça a história recente do fiel apoio dispensado por BE e P”C”P aos orçamentos de recuperação capitalista do governo do PS, poderá até ser levado a crer que estamos perante uma radicalização e forte oposição daqueles partidos à actual proposta orçamental. Quem já conhece este bailado não se deixa, no entanto, enganar.

Ao longo dos quatro anos do governo da geringonça (na sua versão oficializada) a “esquerda” institucional aprovou os orçamentos liberais do governo, sem contestação consequente. Desde que vigora a versão não-oficial do acordo entre os três partidos que a aprovação tem sido garantida com a alternância do voto favorável de P“C”P e BE. “Ora agora votas tu a favor, ora depois voto eu” e vice-versa.

As lideranças destes partidos estão plenamente conscientes de que a convocação de eleições nesta fase, depois do desaire eleitoral das autárquicas, seguida da “irresponsável” reprovação do orçamento, ditaria uma redução significativa da sua representação parlamentar, com o consequente encolhimento dos tachos a distribuir na gestão do aparelho de Estado burguês.

Assim, terão que escolher entre o menor de dois males – abdicar por completo da sua imerecida reputação enquanto partidos “de protesto” (e do eleitorado que a aprecia), aprovando o orçamento, ou recusar a subscrição do documento e com isso enfrentar a erosão da sua base eleitoral, cada vez mais reduzida, que vê nestes partidos potenciais gestores do Estado burguês, ao encontro de determinados interesses de classe.

Incapazes, por constrangimentos teóricos e de classe, de mobilizarem os trabalhadores, no que concerne a persecução dos seus interesses, em qualquer plano da acção política que não seja o do institucionalismo democrático-burguês, estão assim condenados a ser ignorados pela grande massa operária e proletária que já não alimenta quaisquer ilusões relativamente ao carácter elitista, corrupto, antipopular e burguês do regime. Sobram-lhes apenas alguns sectores sociais claudicantes, que ainda guardam na memória a miséria passista e acreditam poder escapar-lhe elegendo um qualquer governo liberal-keynesiano de turno.

Não se pense, no entanto, que o projecto, ora social-democrata, ora social-liberal, de uma geringonça, é um desvio à “linha dura” do cunhalismo. Em 1976 já a organização, na altura liderada por Álvaro Barreirinhas, proclamava nos cartazes e nos comícios a necessidade de uma “maioria de esquerda”. O P“C”P actual é produto acabado da fiel observância da tradição ideológica cunhalista. Quanto ao BE, é um partido social-democrata na sua génese e no seu programa, como, aliás, é reconhecido pela sua direcção política. As ilusões de uma gestão “de esquerda” do capitalismo são parte do seu ADN.

A actual proposta orçamental não resolve o gravíssimo problema do SNS, que continua em acelerada degradação apesar do seu orçamento ter beneficiado de um incremento de 50% nas últimas duas décadas, o que indicia que os problemas não são meramente de financiamento, mas também fruto dos ataques corporativos e da sangria burguesa de que é alvo. Não dá resposta ao gritante escândalo da especulação imobiliária e da carestia das rendas, que impede as famílias trabalhadoras de conseguirem acesso a um suposto “direito fundamental constitucionalmente consagrado” – a habitação. Não acaba de uma vez por todas com a herança neoliberal, reacionária, da legislação laboral do governo Passos/Portas. Não põe – nem pode pôr, devido à sua matriz capitalista que garante a sacrossantidade da propriedade privada – termo ao desvario anárquico e sedento de lucro do sector privado da energia, que pilha os bolsos dos trabalhadores portugueses com aumentos constantes do preço dos combustíveis e da eletricidade. Não apresenta medidas que permitam acabar com a precaridade laboral entre os jovens. Permite a manutenção de pensões de reforma muito abaixo do limiar da sobrevivência, obrigando dezenas e dezenas de milhares de idosos a viver da caridade ou do apoio de familiares. Os salários da maioria da classe trabalhadora continuarão muito abaixo da fronteira que permitiria assegurar uma vida digna a quem tudo produz e faz este país andar para a frente (ainda que tropegamente). Até o próprio Marcelo Sousa admite a sua (cínica) preocupação com os dois milhões e meio de pobres em Portugal, receando, naturalmente, que a sua sublevação pudesse pôr em risco os interesses da sua classe. Números que, ainda assim, apesar da sua monta, excluem aqueles que não sendo considerados pobres pela bitola estatística burguesa, vivem com dificuldades.

Que partido de esquerda, digno desse epíteto, poderia sequer considerar a aprovação de um orçamento que não resolve um único dos principais problemas que afligem a maioria daqueles que trabalham em Portugal?

Recusar este orçamento e realizar um amplo trabalho de apoio à mobilização proletária contra este regime e a favor do atendimento imediato das reivindicações operárias é o que qualquer organização de esquerda tem a fazer.

É isso que farão os comunistas organizados no seu Partido.

JC

pctpmrpp

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