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PAÍS

O Naufrágio da Motora Cavaleiro na Cruz dos Remédios
Publicado em 30.07.2015 

mapa peniche2E vão três!...

Chamava-se Cavaleiro, e foi a terceira embarcação da nossa frota de pesca artesanal a naufragar no mar português nos primeiros seis meses deste ano.

Desta vez também, como já ocorrera aliás com o naufrágio da Arcanzil, sem perda de vidas humanas a lastimar.

Construída de casco de madeira em 1986, nos estaleiros Viana & Viana da Póvoa de Varzim, a motora Cavaleiro, comprida de quase quinze metros e deslocando vinte e uma toneladas, estava registada na capitania do porto da Figueira da Foz debaixo da matrícula FF--289-C, muito embora fizesse praça em Peniche.

cavaleiro12Quando zarpou para a pesca na madrugada de 14 de Julho, a Cavaleiro havia entrado no seu porto habitual de Peniche apenas dois dias antes, proveniente dos estaleiros onde o seu velho casco e o cansado motor Iveco de cento e cinquenta cavalos-vapor receberam arranjos de manutenção, para efeitos de vistoria na polícia marítima, e uma pintura nova.

Ao naufragar, a vetusta Cavaleiro desmantelou-se airosa na sua nova pintura tricolor…

Para recuperar devidamente uma embarcação de trinta anos de idade, como a motora Cavaleiro, o armador não terá gasto menos de 150.000 euros nos estaleiros nacionais, enquanto, nesses mesmos estaleiros, a construção e armamento de uma nova motora, com as características da antiga, importaria numa despesa não inferior a 300.000 euros.

É nesta equação económica que reside a vida ou a morte da nossa frota de pesca artesanal costeira.

Ou o governo português decide, com a necessária política de subsídios aos armadores, a fundo perdido, a construção integral de uma nova frota de pesca artesanal de costa, ou essa frota vai pura e simplesmente desaparecer por velhice, conjugadamente com a nefasta política até agora prosseguida do abate subsidiado das embarcações.

É impreterível traçar e financiar de pronto um plano de construção de uma nova frota de pesca artesanal costeira, a complementar com a construção de uma frota de pesca artesanal de alto-mar, para a pesca na nossa Zona Económica Exclusiva.

cavaleiro 11Se o futuro governo, qualquer que ele seja, não mudar imediatamente de política, dentro de meia dúzia de anos só haverá espanhóis a pescar na nossa costa e nas nossas águas, e ficará então Portugal condenado a pagar aos estrangeiros o pescado que nos rapinam. Hic rosa, hic salta: é aqui que está a rosa, pois é aqui que é preciso dançar, (para retomar a paráfrase de Marx a uma conhecida fábula de Esopo).

Saiu pois a Cavaleiro do porto de Peniche pela alta madrugada do dia 14 de Julho, com destino a pesqueiros ao largo da Foz do Arelho, diante da lagoa de Óbidos, para a captura de polvos, fanecas, safios, congros e robalos, com artes de covos e redes de emalhar.

Embarcara nela uma tripulação de seis pescadores experimentados: Carlos Vitorino, 56 anos, mestre da embarcação, e seu filho Hélder Vitorino, 28 anos, ambos do Montoito, na Lourinhã, filho e neto respectivamente do último armador da motora, adquirida pela família dez anos antes, já em segunda mão; Américo Severino, 55 anos, da Atalaia e Nilton Pinho, 41 anos, de Ribamar, também no município da Lourinhã; e Víctor Santos, 40 anos, e Tobias Salvador, 51 anos, estes últimos de Peniche.

Em 2014, com uma companha mais ou menos idêntica, a Cavaleiro desembarcou em lota vinte toneladas de pescado, que renderam ao armador 89.000 euros. Uma miséria extrema, se não deixarmos de ter em conta que aquela verba terá de amortizar o capital da embarcação, pagar as despesas da faina e dar de comer a seis famílias de operários do mar.

cavaleiro 1Este é o resultado a que conduziu a política de pescas do governo de traição nacional Coelho/Portas e a política de quotas da União Europeia: à verdadeira expulsão das nossas embarcações de pesca artesanal e dos nossos pescadores dos mares portugueses.

A coisa vai de vento em popa para o desastre total, e nenhum governo do PS ou do PSD se preocupa em resolver o assunto. Em 1950, estavam empregados na actividade económica da pesca, em Portugal continental e nas ilhas adjacentes, 95 965 pessoas, mas em 2011, sessenta anos depois e último ano para que se dispõe deste tipo de números estatísticos, os portugueses ocupados na actividade económica da pesca estavam reduzidos a 13 156, cerca de 30% dos ocupados em 1950.

Naquele mesmo período de sessenta anos, o número de trabalhadores por conta de outrem empregados na economia das pescas foi reduzido a um quarto: de 36 261 para 9 091.

Manifestamente, a nossa economia da pesca está em vias de extinção. E para isso não deixam de contribuir também os naufrágios, nunca investigados nem nunca explicados pelas autoridades marítimas.

E vai ser esse obviamente o caso do naufrágio da motora Cavaleiro, tanto mais que a capitania do porto de Peniche, do comando do capitão-tenente Pedro Vinhas da Silva, tem regressado à prática de comunicação igual à do tempo do fascista Almirante Tenreiro, recusando-se a prestar todas as informações respeitantes ao naufrágio e aos náufragos da Cavaleiro, tragédia que se deu praticamente nas barbas do aludido capitão do porto.

Com efeito, sabe-se já que a motora, saída da barra aberta do porto de pesca de Peniche, contornou a península e, passado o Cabo Carvoeiro, rumou para norte, em piloto automático, segundo declarações de Hélder Vitorino à televisão, aparentemente com todos os pescadores a dormirem na altura do encalhe da embarcação nas pedras da falésia da Cruz dos Remédios, perto do miradouro de Frei Rodrigo, já na costa norte da península de Peniche.

Mais uma vez, e tal como já sucedeu com o naufrágio da embarcação Santa Maria dos Anjos por encalhamento, a tripulação dormia.

cavaleiro 6Ninguém reconhecerá melhor e mais comovidamente do que o autor destas linhas o que é o insuportável cansaço e o demolidor esgotamento físico das tarefas dos pescadores na sua  faina dura e heróica , mas há uma prática que tem de ser banida da navegação piscatória: não pode dormir toda a gente ao mesmo tempo, nem nenhum mestre poderá autorizar-se a continuar na navegação por piloto automático à vista de uma costa cheia de escolhos, onde já naufragaram centenas e centenas de embarcações desde os tempos de Júlio César, que tomou Peniche para base de ataque ao interior da Ibéria, quando Peniche era uma ilha, ainda não ligada ao continente como o é hoje.

O alarme do naufrágio da Cavaleiro foi dado pela embarcação de pesca artesanal Flor da União, pelas 04h30.

Mais uma vez aqui se verifica que, como muitas outras embarcações de pesca artesanal, a Cavaleiro também não tinha meios apropriados para comunicar o seu encalhamento nas pedras da falésia dos Remédios ou o seu naufrágio onde quer que ele pudesse vir a ocorrer.

Esta situação tem de ser alterada, pois os naufrágios recentes da Arcanzil e da Cavaleiro mostraram que só por sorte os pescadores naufragados viram cruzar-se com eles as rotas das embarcações que os salvaram, enquanto que o naufrágio da motora Nossa Senhora dos Anjos, não tendo podido ser sinalizado, conduziu directamente à morte de cinco dos seis pescadores naufragados.

Tem de acabar-se de uma vez por todas com a legislação que obriga apenas as embarcações novas à instalação de radiobalizas (EPIRB), da aparelhagem radio-eléctrica para escuta costeira ou dos sistemas de localização de embarcações por satélite (UMS), bem como do registo e transmissão por meios electrónicos das actividades de pesca (DPE).

Ora, a motora Cavaleiro era precisamente uma das embarcações isentas de utilização de sistema de localização, registo e transmissão (UMS e DPE), nos termos da Portaria n.º 378-F/2013, de 31 de Dezembro, e no âmbito da Portaria n.º 286-D/2014, de 31 de Dezembro.

Embora o mar estivesse relativamente calmo na ocasião e nas horas posteriores ao naufrágio, o encalhamento da Cavaleiro na zona de rebentação na falésia não permitiu a utilização de balsa salva-vidas, que, apesar de activada, teve de ser abandonada, permanecendo os seis pescadores a bordo da embarcação, enquanto uma equipa da Força Aérea, com um helicóptero Merlin da esquadra 751, procedeu ao resgate dos seis pescadores, um a um, numa operação espectacular de sangue-frio, coragem, competência e profissionalismo que causou a maior gratidão e orgulho em toda a classe piscatória.

O pior de tudo é que, em seis meses, a frota de pesca artesanal costeira portuguesa perdeu três das suas unidades de pesca, com 52 toneladas de arqueação bruta, cerca de um milhão de euros de investimento e trinta postos de trabalho, com seis mortos, alguns ainda desaparecidos, e incontáveis gastos em operações de resgate e tratamento de náufragos.

Por não investir devidamente e a tempo, segundo planos ajustados e financiados, vai morrendo a economia portuguesa da pesca e vai-se esgotando o orçamento.

Até quando?!


Arnaldo Matos

Leia também:
O Naufrágio da Motora Arcanzil e as Lições do Caso 
O Naufrágio da Motora Santa Maria dos Anjos 


 

 

 

 

 

 

 

 

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