EDITORIAL

Separar as águas

Agora que o derrube do governo PSD/CDS e a constituição de um novo governo democrático patriótico se vêm afirmando como exigências claras dos trabalhadores e do povo português, começou o desfile dos próceres e abencerragens do regime em defesa de um governo presidencial. O último foi o inevitável Mário Soares. Fugindo do movimento operário e popular como o diabo foge da cruz e sendo um dos principais responsáveis pela situação do país, Soares tem a má consciência de um país destroçado e colonizado que ajudou a criar, mas é incapaz de propor qualquer saída que não seja a da continuação dos “sacrifícios necessários” dos “programas de ajustamento” que tão bem conhece e promoveu no passado. Fosse ele à manifestação de 15 de Setembro e aí alvitrasse um governo de iniciativa presidencial para substituir o de Passos Coelho, que logo veria a desanda que levava.

Confiar em Cavaco Silva para o que quer que seja que vá de encontro às exigências e reivindicações dos trabalhadores e do povo é como colocar o ladrão de guarda à casa. Este é hoje um dado adquirido para a grande maioria da população trabalhadora, embora o não seja para o secretário-geral da maior central sindical em Portugal e para o partido a que pertence, os quais, já depois da manifestação de 15 de Setembro continuam a apelar ao presidente da República para que vete as últimas medidas ditas de austeridade do governo.

A direcção da Intersindical começou já a ser confrontada abertamente pelos trabalhadores relativamente à postura oportunista que tem revelado perante a questão do governo do país e das políticas a seguir para a solução da crise actual. Reveste-se neste âmbito de uma grande importância política a carta que a direcção do Sindicato da Manutenção do Metropolitano – SINDEM enviou a Arménio Carlos, no passado dia 11 de Setembro. Nessa carta faz-se uma denúncia muito firme da atitude em que a direcção desta central sindical se vem mantendo até aqui de fuga à sua responsabilidade de convocar imediatamente, após o anúncio das últimas medidas terroristas do governo em 7 de Setembro, uma greve geral nacional com o objectivo expresso de derrube do executivo Coelho/Portas e de constituição de um governo democrático patriótico que rejeite o pagamento da dívida e a política da tróica e que aplique um plano de desenvolvimento ao serviço dos trabalhadores e do país.

Como se diz na carta da direcção do SINDEM, praticar uma política de centro, de querer estar bem com Deus e com o Diabo, significa perder o apoio da esquerda, dos trabalhadores e dos elementos do povo que querem lutar e lutam denodadamente por aqueles objectivos. Os tempos actuais são decisivos para a construção de uma alternativa à catástrofe actual. Uma política operária, marxista, vai-se afirmando em cada dia que passa no movimento de luta dos trabalhadores, deixando isolados e desmascarados os oportunistas que procuram puxar a luta para trás e impedir a sua vitória. Também no campo das forças democráticas em geral a demarcação se vai estabelecendo entre os que escolhem o caminho da luta firme por objectivos democráticos e patrióticos e os que preferem vergar-se aos ditames e à chantagem capitalista e imperialista da tróica e dos seus lacaios.

São muito importantes, neste contexto, todas as iniciativas que afirmem e clarifiquem os pontos programáticos fundamentais de uma alternativa à situação presente. Em lutas, greves e manifestações, em particular na próxima greve geral, a convocar com toda a urgência, em reuniões e assembleias nas empresas e locais de trabalho, em fóruns de debate diversos, o derrube do governo PSD/CDS e a constituição de um governo democrático patriótico, a expulsão da tróica, o repúdio da dívida, a nacionalização da banca e das grandes empresas e sectores estratégicos da economia sob controlo dos trabalhadores, são, entre outras, exigências que deverão figurar, de uma forma expressa e inequívoca, como a resposta dos trabalhadores e das forças democráticas à crise actual.

É em torno de um programa para um novo governo democrático patriótico que a demarcação de campos na presente luta política se terá de fazer. É preciso conquistar para esse programa o apoio da grande maioria da população trabalhadora e organizar estruturas que lhe dêem o indispensável suporte político e organizativo. É a esta tarefa urgente e decisiva que os comunistas e os trabalhadores mais avançados e conscientes terão de dedicar um esforço e um empenho redobrados, sob pena de o grande movimento de luta operária e popular que está em curso ser desviado dos seus objectivos e conduzido à derrota. Ousemos lutar, ousemos organizar e ousaremos vencer.