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CORRESPONDÊNCIAS

Tragédia em Terras de Viriato

Tragédia em Terras de Viriato

Cidália Guerreiro, José Dias Cruz, Lurdes Gaspar, Arnaldo Matos

Atravessou o Mondego, fronteira sul do distrito de Viseu, aí por alturas de Penacova, na zona onde dois irmãos, Alfredo e José Simões, respectivamente de 41 e 43 anos de idade, lhe fizeram corajosamente frente e acabaram por morrer queimados, abraçados um ao outro, na incompreensível ausência de bombeiros, de agentes da protecção civil, de militares, de polícias, de meios aéreos, de membros do governo, de Dona Constança – que, coitada, ainda não gozou férias – e de Marcelo, tudo gente, com excepção dos bombeiros, que só aparece depois dos incêndios florestais, não obviamente para combatê-los, mas para usufruir politicamente deles.

Dos altos de Penacova passou o fogo à margem direita do Mondego, venceu a barragem da Aguieira, engoliu novas matas de pinhais e eucaliptos e ocupou as terras de Viriato até à linha do rio Vouga, que divide ao meio, de lés-a-lés, o distrito de Viseu limitado a norte, como se sabe, pela fronteira do Douro.

No distrito de Coimbra, o fogo deixou para trás vinte populares mortos, entre operários, camponeses pobres e pequenos proprietários, destruindo fábricas, desocupando empregos, demolindo casas, desenterrando hortas, queimando pomares, asfixiando gados e arrancando culturas.

Mas o pior ainda estava para vir e aconteceu na metade sul do distrito de Viseu, nos concelhos que vão para norte até à Serra da Gralheira e para nordeste, pelo vale do Dão, até Mangualde.

O fogo do passado domingo, dia 15 de Outubro, matou aí também vinte pessoas, como em Coimbra, tudo gente pobre do povo (operários, camponeses e pequenos proprietários, muitos deles ex-emigrantes em países europeus). A última das vinte mortes das terras de Viriato ocorreu esta manhã no Hospital da Prelada, na cidade do Porto: tinha 53 anos de idade e chamava-se Joaquim Dias. Como todos os 45 homens, mulheres e crianças que morreram nos fogos florestais de 15 de Outubro, foram todos vítimas do criminoso abandono a que os governos de Passos Coelho e de António Costa deixaram as populações das aldeias do centro e norte de Portugal.

Durante dois dias, domingo e segunda-feira de 22 e 23 de Outubro, percorremos todos os locais da tragédia em terras de Viriato, vimos e chorámos com dezenas de pessoas simples do povo tudo o que então aconteceu, como aconteceu e porque aconteceu. Continuaremos agora a descrever o que vimos, o que ouvimos, o que cheirámos e tocámos e, sobretudo, a apelar ao que é preciso fazer e como fazer, face a tudo quanto aconteceu, por negligência criminosa dos governos e instituições públicas irresponsáveis que vamos tendo.

 

Mortágua

Veio pois o fogo dos lados de Penacova, como atrás se disse, e mergulhou logo na Zona Industrial do município de Mortágua, o primeiro dos vinte e quatro concelhos do distrito de Viseu.

Não se sabe por inteligência de quem as zonas industriais dos concelhos de Viseu estão implantadas em matas de resinosas e de eucaliptos. Quando os incêndios florestais irrompem, Viseu arrisca-se a perder toda a sua produção industrial, juntando à tragédia dos incêndios a tragédia do desemprego e da fome.

A empresa mais atingida foi a Pellets Power, que se dedica à transformação de madeira destinada à exportação, e é uma das cinco unidades existentes em Portugal, pertencentes ao mesmo grupo, o Gesfinu: além da unidade de Mortágua, uma outra unidade em Santo Estevão, no concelho de Lousada, a unidade de Setúbal, a de Alcácer do Sal e a de Sines mais abaixo, tudo estrategicamente situado junto de portos marítimos, para facilidade de exportação, e perto de fontes de matérias-primas florestais, para facilidade de produção, e … consequentemente dos correlativos incêndios.

Na fábrica de Mortágua, tomada pelo incêndio da zona industrial, cerca de quarenta trabalhadores aguardam ainda decisão dependente da análise da Seguradora, sem saberem qual irá ser o seu futuro. Há muitos contratos a prazo, tendo todavia a maioria dos trabalhadores dez anos de casa.

Na Central Termoeléctrica de Biomassa Florestal, vinte trabalhadores mantêm os postos de trabalho assegurados, mas os principais danos concentram-se na frota de transportes, com uma dezena de viaturas queimadas.

Nas unidades incendiadas, os operários devem organizar-se e exigir da segurança social e do patronato o pagamento dos respectivos salários, tanto mais quanto é certo que as fábricas ardidas irão reclamar e obter subsídios de reparação por parte do Estado.

Os camponeses cujas produções agrícolas se perderam devem organizar-se para exigirem do ministério da agricultura, do famigerado Capoulas, o pagamento dos prejuízos sofridos.

 

Santa Comba Dão

De Mortágua, saltou o fogo para a zona industrial de Santa Comba Dão, sem que ninguém aparecesse a travá-lo no caminho ou a recebê-lo do outro lado.

Na sede da empresa de construção civil Scoprolumba, ardeu o barracão do lado dos escritórios. Esta empresa já havia requerido judicialmente insolvência, e os comentários recolhidos inculcam que o proprietário não se mostrou muito preocupado com o incêndio.

No espaço contíguo, um conjunto de seis pequenas empresas arderam total ou parcialmente.

Cerca de trinta operários ficaram sem trabalho.

Na freguesia de São Joaninho, concelho de Santa Comba Dão, no limite com o concelho de Tondela, o fogo chegou pelas 11 horas da noite (23H00), não havia bombeiros, nem militares, nem polícias, nem agentes da protecção civil, nem autoridades de nenhuma espécie.

Dois homens, que tentavam ajudar o irmão de um deles a salvar um aviário, morreram. Aos dois homens juntou-se uma outra vítima, na aldeia de São Jorge, e um casal de idosos, na aldeia de Relvas.

Natália e o marido tentaram salvar a casa, o que conseguiram, mas não conseguiram salvar os animais, que morreram todos, acabando também o marido no hospital, onde ainda se encontra.

Numa população de 75 habitantes, São Joaninho perdeu quase 8% dos seus homens e mulheres, o que representa a maior tragédia aldeã em todos os incêndios deste ano em Portugal.

Para além da comovente solidariedade do povo das aldeias vizinhas, São Joaninho não tinha recebido ainda nenhum auxílio das autoridades do concelho ou do governo de Lisboa.

Os incêndios florestais estão a liquidar as aldeias de Portugal, depois de matarem o nosso povo.

O exército e a marinha devem acorrer urgentemente às aldeias e ao seu povo, pois do governo de António Costa e das palhaçadas de Marcelo não há nada a esperar.

 

Tondela

Na Zona Industrial da Adiça, do município de Tondela, arderam as fábricas da Neves & Mota, Lda., de transformação de madeira, e da Tratis-Tratamento de Resíduos Industriais, S.A.

Quarenta e sete operários perderam os seus postos de trabalho, e estão a morrer de fome, se não se unirem e organizarem para obrigar o patrão e o governo a pagar-lhes os salários que lhes são devidos.

Um Stand de Automóveis, situado de um e de outro lado da estrada nacional, ficou totalmente destruído, com 430 viaturas queimadas.

Na zona habitacional de Botulho, a mata de pinheiros e eucaliptos ficou totalmente destruída pelo fogo, que soprou violentamente dos lados do Sul, de Mortágua e de Santa Comba Dão.

Os populares salvaram as suas casas, mas não as suas hortas, culturas, pomares e animais domésticos.

Tondela é o maior município do país especializado na produção de aves. Calcula-se que o fogo, proveniente de todos os quadrantes, terá destruído para cima de vinte aviários, causando um prejuízo que o próprio presidente da câmara local avalia em sete milhões de euros.

As freguesias mais atingidas são as de Dardavaz, Vila Nova da Rainha e Lajeosa do Dão. Dois dos aviários, entre os quais o Pinto Valouro, perderam, respectivamente,               12 000 e 9 000 pintos.

No sector avícola de Tondela, terão ficado sem trabalho perto de trezentos operários, na sua maioria mulheres.

Apenas no concelho de Tondela ficaram destruídas 150 habitações e morreram três pessoas.

Os maiores incêndios florestais começaram cerca das 23H00 do domingo, dia 15 de Outubro.

Uma vez mais não apareceram as corporações de bombeiros, nem os agentes locais da protecção civil, nem ministros, nem auxílio de ninguém, a não ser a solidariedade das famílias e dos vizinhos das vítimas.

A população ficou totalmente abandonada à sua sorte. Onde paravam os bombeiros e autoridades concelhias de protecção civil? Onde estava o governo de António Costa, a ministra da administração interna e a protecção civil, responsáveis também pelas mortes de Tondela: Hermínio Lopes, Hermínio da Silva Romão e Marques da Costa?

 

Nelas

Um homem de 50 anos morreu a combater o fogo em Canas de Felgueiras. E duas pessoas estão dadas como desaparecidas na freguesia de Canas de Senhorim.

Em Nelas, concelho da série de municípios compreendidos entre o Dão e o Mondego, juntaram-se dois fogos, que incendiaram 4 800 hectares de eucaliptos e resinosas, correspondentes a 60% da área florestal e a 39% da superfície do concelho. Dos dois fogos, um começou na Serra da Estrela, a mais de cinquenta quilómetros de distância, perto do Sabugueiro, e o segundo fogo proveio de Oliveira do Hospital, a mais de setenta quilómetros, no distrito de Coimbra.

Como se não bastasse a união infernal dos dois fogos, um terceiro fogo desembestou da lixeira do município, saltou em cima da zona industrial de Nelas e destruiu mais de uma dezena de fábricas.

Os danos produzidos na floresta, na produção agrícola, na indústria e nas habitações de Nelas ultrapassam os mil milhões de euros.

O povo de Nelas deve organizar.se em associações de moradores, de operários, de produtores e de camponeses pobres, para exigir da câmara municipal e do governo o subsídio pelos prejuízos causados.

Incluímos no texto a imagem do concelho de Nelas tirada do satélite, com a representação da área ardida colorida de amarelo, e as aldeias incendiadas e a zona industrial coloridas a vermelho.

(continua)

24Out17

 

 

 

 

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